08/03/12

O NATURALISMO (1)


O NATURALISMO

"A mais grave questão, influente sobre a solução do problema do destino humano, é, talvez, a do sobrenatural, questão de consequências tão importantes que é hoje a inquietadora dos ânimos. É ela a tese que entra em tudo o que abrange a religião, filosofia, e humanidade. É, digamo-lo afoitamente, a chave que fecha ou abre as portas da vida futura. Nada há, nada se passa, fora deste mundo, e das leis que o regem? Nada há, fora da inteligência do homem, dos sentimentos e ideias que ele percebe? Estamos, porventura, encerrados no tempo e no espaço como em círculo infrangível que nos tolhe e angustia? O maravilhoso, o milagre é real e absolutamente impossível, por estar fora da natureza e leis conhecidas? A religião, pelo conseguinte, com todos os seus ensinamentos e revelações deve ser tida em conta do simples facto natural, sujeito às regras dos outros factos, e às leis inseparáveis do espírito humano? Sim: - proclamam-no os adversários do sobrenatural - uma ordem de coisas única, a natureza já física, já moral, governa o mundo; as leis que o regem, imutáveis e necessárias, não consentem que, independente delas, possa nascer e produzir-se alguma coisa, A razão, que é parte nesta ordem natural, repugna admitir verdades que a sobranceiam, fenómenos que não sejam o desenvolvimento regular das premissas que ela estabeleceu. A evolução do intelecto humano interpreta, motiva, e tudo explica. Há, em nosso espírito e coração, ideias e sentimentos que voam connosco ao infinito. Amor e imaginativa leva-nos a Deus, como a ciência e observação nos levam à filosofia. São dois processos diferentes, não intrinsecamente, mas nos resultados; são os mesmos na origem, e divergem na direcção. São produtos de duas faculdades que, até certo ponto, podem excluir-se, dois métodos que podem repugnar-se mutuamente; porém, não deixam de pertencer à mesma categoria, natureza, e pessoa. Resumidamente, o sobrenatural, inadmissível como princípio, deve ser rebatido como adverso à noção da natureza, que abrange tudo o que é, como também adverso às condições do finito, que só pode existir segundo suas propriedades necessárias, e à essência divina, que só pode actuar com suas leis próprias. (Estudos de Theologia, Philosophia, e História. Pe. Matignon)

Tais são as principais ideias dos adversários do sobrenatural. Podem sair com muitas variantes nos sistemas que imaginam ou renovam, convizinharem mais ou menos da verdade, ou distanciarem-se dela mediante abismos. Todos, porém, no ponto de partida, se uniformizam admitindo, sem discrepância, a existência e possibilidade de uma ordem natural única. Aa afirmativas deles, que logo vamos examinar na generalidade, podem abalar por atrevidas, e seduzir por cavilosas. Na maior parte, são petições de princípios, desfundamentadas, contrárias não só aos factos, à história, e consciência da humanidade, senão que opostas à razão, cujo testemunho é seu único amparo deles; e, além disto confusas, e avessas ao vero sentido das palavras e coisas.

Antes de ir avante, observemos que a palavra “sobrenatural” tem duas acepções distintíssimas: convêm deslinda-las a toda a luz, para evitar anfibologias. Na primeira acepção, significa tudo que excede a ordem e leis do mundo físico, no qual vivemos. Materialistas, ateus, e positivistas formalmente impugnam este sobrenatural.

Na segunda acepção, significa tudo o que ultrapassa a vida natural do homem e presume ordem superior às leis intelectuais e morais que nosso espírito fez para seu uso, e reconhece. Os adversários desta segunda espécie de sobrenatural, tentam refutar, senão o princípio, pelo menos a noção pura e completa da imortalidade.

O que expomos aqui intende, em parte, com os segundos adversários do sobrenatural.

Um eloquente e engenhoso professor, há pouco, fez sentir do alto da cadeira da Sorbonna o que tem o sobrenatural com a índole do espírito humano (Saint-Marc Girardin, Curso oral de 1859): “Nada há mais natural ao homem que o sobrenatural.” Os que o contestam declaram-se em guerra com a humanidade, que não conhecem. O homem tem necessidade de sair dos limites terreares que abafam, da realidade que o violenta. Aspira o que vai no alto; estende mão e pensamento ao que está para além-vida. O menino tanto se apavora do sobrenatural como do que alcança com os sentidos; mundo fantástico, génios, trasgos, nada o assusta nem surpreende. A fantasia do homem, que tanto lhe influi nas acções, e tão poderosa lhe é sobre a vida, é, digamo-lo assim, a mesma faculdade do sobrenatural. A glória para o homem de anos, e para o herói, é o aspirar a vida superior e duradoura.

Admitis a ordem natural visível, e rejeitais o que a ultrapassa. Assim rejeitais não só o maravilhoso, que o invisível: que o homem, nas suas actuais condições, tanto intende uma como a outra espécie. Vem a dizer que, apartando vossas conclusões metafísicas e morais, mais ou menos puras, a despeito dos dados mais ou menos sãos e elevados de vossos sistemas, rejeitais a religião revelada, e Deus, e Providência, e vida futura. Até certo ponto, realmente, o sobrenatural é a espiritualidade. Negar o sobrenatural, é negar o ser de pura essência espiritual, e negar a alma. Assim resvalais forçadamente ao materialismo; e se lá não caís de todo é que pondes mascara às palavras e derrancais a lógica das ideias.

(Aqui, a continuação)

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