PROTECÇÃO À FRANCEZA
.... Decipimur specie reciti...
(Hor. Art. Poet v25)
Com a imagem do bom nos enganámos
LISBOA
M.D.CCCVIII
M.D.CCCVIII
Que vem a ser ter entrado
Dias antes do Natal
Tropa estranha em Portugal
Mal calçada, e mal vestida,
Esfaimada, e entorpecida
De cansaço, ou de fraqueza?
É protecção à Francesa.
Que vieram cá fazer,
Sem lhes mandarmos recado?
Comeram-nos pão, e gado,
Pondo tudo em confusão!
Desta gente a protecção
Tem diversa natureza!
É protecção à francesa.
Deixem-se estar sossegados
As Proclamações diziam:
Pilhavam tudo o que viam,
Com sistema de terror;
Mas este grande favor,
Feito à gente Portuguesa,
É protecção à Francesa.
Condenaram como emigrado,... (1)
Quem foi para o que era seu,
E que nenhum poder deu
A bárbaros protectores!
Isto, meus caros Senhores
É cobiça muito acesa
É protecção à francesa.
Cambiar nossas bandeiras
Por bandeiras de taberna,
Mostrando o bem que governa
Quem a tudo chama seu;
Depois quem perdeu, perdeu:
Este afecto, esta grandeza
É protecção à francesa.
Pedir dinheiro emprestado
Com políticas razões,
Depois quarenta milhões,
Resgate dos nossos bens,
Extorquir-nos os vintens,
Deixando tudo em pobreza,
É protecção à francesa.
Na astuta contribuição
Fazer que entrasse a quantia,
E que depois se veria
Se era bem, ou mal entrada,
É próprio d'alma danada,
É força, não inteireza,
É protecção à francesa.
Tirarem estes Baixás
Pão a quem mais pão não tem, ... (2)
Porque só lhes sabe bem
Um rendimento de estrondo,
Só aos seus nos cargos pondo,
Tão desmarcada avareza
É protecção à francesa.
Obrigar aos Mercadores,
Que a fazenda já comprada,
Para se ver resgatada;
Pague uma nova quantia
Vingança, que recaia
Só na nação Portuguesa,
É protecção à francesa.
Com capa de economia
Pôr tudo em consternação,
E a Quinta do Ramalhão
Servindo do que eu cá sei,
Sem honra, sem Fé, sem lei;
Isto, ó gente Portuguesa
É protecção à francesa.
Fazer bailes, e banquetes,
Cercando a porta de peças,
E o povo só com promessas,
Sem ter para vaca, e pão,
Este arranjo, e protecção
Para a misera pobreza
É protecção à francesa.
Desterraram-nos a Regência,
Coarctar os jornais à gente,
Mandar vir novo Intendente,
Que leve também no bolo,
Fazendo o Público tolo,
Que conhece esta surpresa,
É protecção à francesa
Constitui recta justiça
E boa admiração
Em matar o gato, e o cão,
No mais jogando-se o pilha,
Esta grande maravilha,
Este rasgo, esta limpeza,
É protecção à francesa.
Abrir o Correio as cartas
Para fazer criminosos,
Pondo os povos receosos
De escreverem as verdades,
Este montão de maldades
É do juízo fraqueza,
É protecção à Francesa.
Alguns dos nossos tem culpa
Dos males, que se fizeram;
Com as denúncias que deram,
Mancharão seus semelhantes:
Mas ouvirem-se tratantes,
E muita gente ser preza,
É protecção à francesa.
Pôr tudo a pedir esmola,
Desarranjar arranjados,
Fazer povos desgraçados,
Pondo mordaças nas bocas,
Só cabe em cabeças ocas;
Mas esta grande altiveza
É protecção à francesa.
Desarmar o Povo todo,
Mandar-nos a Tropa embora,
Pôr a Fidalguia fora,
E depois até fazer
Pedir o que ninguém quer, .... (3)
Tão baixa delicadeza
É protecção à francesa.
(1) - A viagem que fez para a América o nosso amabilíssimo Príncipe Regente com toda a Família Real.
(2) - As ocupações, que se tiráram a muitas pessoas, criando-se empregos novos para franceses com ordenados avultadíssimos.
(3) - A violência, que fez com que os le[?] Magistrados, e mais Pessoas assinassem um papel, em que se pedia novo Rei: acto, que se ultimou com a maior repugnância, e desconsolação de todos.
(Tem continuação aqui)
(Tem continuação aqui)
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