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13/08/20

DUVIDAS DE LEITORES - MONARQUIA HOJE?


(artigo inacabado recuperado dos rascunhos)

Uns menos atentos leitores do blog ASCENDENS comunicaram em seus meios (redes sociais) que queríamos fazer um restauro do "absolutismo". Ora, não se encontra nem encontrou aqui texto algum promotor do "absolutismo".

Na semana passada, apareceu-me um vacinado contra a "tentativa da implantação do absolutismo em Portugal", qual perigo de revolução (não riam... pois há em Portugal club onde foi dada grande prioridade ao combate contra o "absolutismo em Portugal" - flagelo que arruína a banca, fragmenta famílias, agrava o aquecimento global, maltrata viúvas, sabe-se lá ...). Teve o meu interlocutor a sorte de ouvir-me com atenção e reflectiu desapaixonadamente; já saiu do ciclo dos absolutamente enganados.

O diálogo é criado para o efeito:

Leitor - Porque querem implantar hoje o absolutismo?
Ascendens - Não queremos.

Leitor - Mas querem um restauro da Monarquia?
Ascendens - De certa maneira pode dizer-se que a Monarquia Portuguesa pode ser restaurada; mas no fundo convirá dizer "liberta" ou "desocupada". Portugal É uma Monarquia, agora ESTÁ ocupado com uma república. Temos o dever de devolver Portugal ao seu estado natural e saudável.
A Monarquia verdadeira aquela que tivemos até 1834 é praticável, ou melhor, muitíssimo praticável, mas impossível sem uma sociedade verdadeiramente católica bem doutrinada e de pensamento verdadeiramente católico (na tradição católica - civilização). Por isso, preferimos centrar as forças na conversão das almas e em manter a pureza da Fé que fazer maquilhagens institucionais. A nossa verdadeira monarquia sairia da catacumba. Sabemos que o conceito original de "absolutismo" não é sério, é problemático o uso que se lhe tem dado. Se aceitamos por vezes ser chamados de "absolutistas" é somente no contexto em que também os nossos antigos portugueses anti-liberais, anti-maçónicos, amigos da doutrina tradicional o fizeram.

Leitor - Mas hoje sendo Portugal uma república não faria depois sentido voltar à Monarquia. Não?
Ascendens - Na verdade Portugal não é uma República; é Monarquia. Felizmente temos na nossa língua a diferenciação entre ESTAR e SER, o que nos permite ter estrutura de pensamento para realidades que outras línguas não tocam tão facilmente. Portugal é uma Monarquia, ocupada por uma república, e um monte de outras tantas coisas que ofendem Portugal, e os portugueses.

(incompleto)

20/10/18

O MASTIGÓFORO - A ("Absolutismo")

letra
A

No ciclo de Benjamin Franklin foi formada a palavra/conceito ABSOLUTISMO, como forma de ridicularizar uma das características fundamentais da tradicional monarquia.

Absoluto e Absolutismo - A primeira destas palavras é antiga, porém a outra é de novo cunho, e foi trazida, para subsídio da primeira tanto que lhe fecharam o seu novo sentido. Vem de longe a transformação do sentido inocente da expressão - Rei absoluto - Já houve, quem arguisse os Publicistas Ingleses de terem feito o absolutismo Sinónimo de Despótico, e os Mações encorem na mesma Censura - Rei absoluto quer dizer - um Rei como sempre foram os nossos, que fundaram, restauraram, e ampliaram a monarquia… Foi Rei absoluto o Senhor D. João I, foi Rei absoluto o Senhor D. Manuel, e foi Rei absoluto o Senhor D. João III. Rei absoluto é um Rei, que governa o seu Reino sem conhecer por seu superior se não o mesmo Deus…. O poder dos Reis é absoluto, porque não é responsável a nenhuma jurisdição humana, do que fizer, ou determinar, porque se houvesse jurisdição de inquirir do seu procedimento, seguia-se que este se devia chamar propriamente Soberano, e o Soberano seria ao mesmo tempo inferior, e dependente, o que repugna segundo a hipótese! De mais nestas ideias de Soberania, ou se estabelece um progresso até infinito, porque à medida, que formos subindo aparecerá sempre um Soberano, que esteja nas mesmas circunstâcias do Rei, e que seja necessário fazer responsável a um superior, ou se introduz apelação para o - Povo - e se vem a degenerar (pelo menos nos grandes Estados) em uma perpétua confusão, e anarquia. Devo aqui notar o que foram de sensatas, e ajustadas com o bem comum as ideias dos jurisconsultos antigos sobre a autoridade Real. Ulpiano diz por formais palavras "Principes legibus solutus est" e a famosa lei Real, que era o fundamento da autoridade de Augusto, e seus sucessores, não denota outra coisa se não um Rei Absoluto. Não me fogem as interpretações populares ou democráticas de Noodts; e Gronóvio, sobre estes dois fundamentos de autoridade Imperial entre os Romanos, porém é lástima, que uns graves Jurisconsultos estremeçam de que por aquelas palavras se conceda aos Reis o poder absoluto com independência das próprias leis da natureza!! Pode um Rei alterar, dispensar, ou derrogar as leis civis, porém não tira que deixando ele de atender ao público, seja responsável diante de Deus, e é quanto basta para que os povos Cristãos se disfarçam por uma vez desse terror pânico que lhes mete a expressão - Rei absoluto. - Enfim para concluir já este pequeno artigo, que parecerá mais longo do que fora anunciado juntarei as palavras de Bossuet, que no meu fraco entender levam a palma a tudo quanto se tem escrito sobre tais assuntos: "As monarquias mais absolutas não deixam de ter barreiras inabaláveis, em certas Leis fundamentais, contra as quais nada se pode fazer, que não seja nulo por si mesmo. Roubar os bens de um vassalo, para os dar a outro é um acto dessa natureza. Não há necessidade de armar o oprimido contra o opressor; o tempo combate a seu favor, e a violência está gritando com si própria; nem há homem tão isento, que pense ter segura a fortuna da sua família por meio de semelhantes actos." (Cinquieme avertissement aux Protestants)

Abusos…. A própria noção etimológica da palavra assaz os condena, porém no Dicionário Maçónico tem uma significação amplíssima [como hoje "opressão", por força da produção comunoide], e nós podemos estar lembrados de que o melhor da nossa legislação parecia abuso, e musgo aos nossos Pseudo-reformadores [os protestantes]. É certo, que na prática dos deveres Cristãos, se podem introduzir facilmente abusos, que é necessário corrigir; porém os abusos por este lado estendem-se no Dicionário dos Pedreiros até às causas mais santas, e obrigatórias que segundo lhes devem entrar neste número, e por isso eles tratam de abuso, por exemplo, a obrigação de nos confessarmos ao menos uma vez cada ano, e para eles um homem desabusado, é um homem, que despreza todas as leis da Igreja, e vive isento do prejuízos, e fanatismo, que hão de explicar-se nos respectivos lugares.

(Índice da obra)

10/09/17

RESUMO DA ILUMINISTA NOMENCLATURA "ABSOLUTISMO" (I)

Juan Prada
Alguns dias antes da publicação completa do artigo "El Legado de Lutero", troquei rápida informação com o seu autor Juan Manuel de Prada. Logo depois o artigo foi publicado na íntegra (na página de Facebook o autor tinha perviamente publicado duas metades do artigo, uma após a outra). Portugueses (na melhor das hipóteses distraídos) que nunca divulgaram bons textos dos nossos grandes nomes do anti-liberalismo e anti-maçonaria (Fr. Fortunato de S. Boaventura, Pe. Agostinho de Macedo, Pe. Alvito de Miranda, etc.) desataram a difundir o malabarístico artigo, o qual tinham também recebido por mail (correspondendo a algum pedido de divulgação!?). Portanto, estava a coisa organizada, que em dois ou três dias já várias páginas tradicionalistas de língua espanhola estavam com a divulgação feita (velocidade pouco acostumada). Na associação Causa Tradicionalista houve gente bastante empenhada, e animada, que por todo o lado fizeram difusão (como se de água para o maior dos desertos se tratasse)! Mas... para qual tão enorme fim todas estas forças convergiram, e assim tão especialmente!?

Com grande artifício e linguagem cativante o artigo esforça-se por ensaiar uma ponte entre o "absolutismo" e o Luteranismo; certamente não serviu para fazer ver o quão mau é o Luteranismo... [se tiver tempo e ânimo, e achar que vale ainda a pena, tentarei fazer uma análise ao artigo em questão, e darei o contexto em que tal obra nasceu], nem para fazer ver a inegável relação do Luteranismo com o Liberalismo. Certamente, teria sido mais proveitoso, verdadeiro e simples espelhar a inegável e abundantemente documentada oposição dos "absolutistas" aos "liberais"; e, pelo menos em Portugal a oposição dos "absolutistas" contra o Liberalismo, a Maçonaria, e a heterodoxia! Portanto, é estranha aquela ginástica.

Que tinha eu falado àquele autor? Apresentei-lhe em caixa de comentários alguns factos históricos portugueses, suficientes para fazer ver que a palavra e conceito "absolutismo" não são historicamente fiáveis etc.. Dei-lhe então boa sugestão que lhe permitisse no caso melhorar o artigo, sem ter que retirar coisa alguma ao texto original. Com um público que com os livros comprados ao autor seguem, Juan Manuel de Prada terá tido motivos redobrados para dar a curta reposta que deu (e não a apresento aqui), e não fazer melhoria ao artigo.

DR. Miguel Ayuso
Ontem revimos um vídeo de um outro espanhol agora mui recrutado (na tentativa de maquiarem a associação Causa Tradicionalista); seu nome: Miguel Ayuso. Especificamente, nos pontos em que o Carlismo discorda da Tradição lusa fiquei com a sensação de que o malabarismo talvez seja um talento espanhol. Com as boas e certas afirmações de Miguel Ayuso há também de outra coisa, portanto. O que diz ser o "absolutismo"? Em suma, responde mais ou menos que é tudo aquilo que os Carlistas consideravam mau, e atribuível na época! [outro assunto que merecerá especial atenção e publicação].

Não pretendemos desagradar a estas duas figuras públicas espanholas (saudações cordeais para ambos). Está em causa a Tradição lusa, nossa, que não depende das linhas intelectualistas nascidas no séc. XIX/XX, em parte com orientação activista, modernista, historicista, etc.. Compete a cada qual defender o que lhe pertence defender, e isso temos feito.

O assunto "absolutismo" não é responsabilidade daqueles ou de outros autores e palestrantes: é algo muito abrangente, transversal, que se torna bastante simples quando desamarrado dos interesses de grupos, correntes, e movimentos vencedores ou sobreviventes. Aos anos que fazemos a  desmistificação do conceito e palavra "absolutismo", criação primeira dos ciclos Iluministas-liberais-maçónicos. A linha tradicionalista espanhola tem esta palavra/conceito trocados a meio percurso, absorveu-a. Ao contrário dos activistas desargumentados que quiseram sobre nós difundir, quem nos tem lido sabe que nunca defendemos o "absolutismo", tanto que os próprios autores que recomendámos aceitaram ser chamados "absolutistas" ou "corcundas" por simples oposição ao Liberalismo; sendo que estes davam o "absolutismo" como não existente; nada de novo que em Portugal não tenham dito desde o séc. XIX.

Quando no blog ASCENDENS, costumamos dizer coisas que pouco agradam aos espanhóis, naquilo que toca às interpretações menos correctas relativamente a Portugal. É estranho que na associação Causa Tradicionalista não se procure fazer o mesmo. Estamos a falar de uma OBRIGAÇÃO: não é facultativo aos portugueses que seguem o mandamento de "honrar pai e mãe, e outros legítimos superiores", do qual por extensão se retira o dever pátrio, não defenderem Portugal quando os dados históricos o possibilitam. Mas, verdade seja dita, são raros os que se encontram preparados nestas matérias, o que desculpa. Por outro lado, nós operamos quando temos certeza (caso contrário apresentamos aviso) e estamos seguros em provas (ex: isso mesmo faço no vídeo LIVROS II (parte A), o qual publiquei a 30/08/2017, ao apresentar o segundo livro, pois sei que a exposição de provas não agradou aos tradicionalistas espanhóis, aos quais conheço de modo geral - nem houve motivos para grande agrado).

(a continuar)

24/06/17

O DRAMA - A Associação CAUSA TRADICIONALISTA

Algo propagado nas redes sociais pela associação cultural "Causa Tradicionalista":

Ohh gente misteriosa, dizeis "liberalismo-absolutismo-maçonaria-democrático" depois de no nosso programa "Conversas de Café" usarmos "iluminismo-liberalismo-maçonaria"!

Como colocais "liberalismo" na mesma linha de "absolutismo" se aqueles que em Portugal aceitaram ser chamados "absolutistas" estavam declaradamente nos antípodas ideológicos dos liberais?

E pelo que pugnais vós afinal? Pelo "poder de decisão dos povos"!?. Mas isto não era da propaganda liberal?

Perante tanta confusão... decidam-se! Ou quente, ou frio.

21/12/16

"ABSOLUTISMO" PARA TÓTÓS ...

"Os reis "absolutistas", maldosos, em Portugal queriam ter poder sobre a divulgação dos documentos já emitidos pela Igreja; até documentos Papais! Que escândalo, que escândalo!", gritam alguns, influenciados por linhas semi-liberais-católicas, ou pelo grupo politizante português que se quis chamar "tradicionalista" pós vitória do liberalismo (grupo não suficientemente imune a defeitos liberais, portanto).

A verdade em primeiro: a aprovação de um documento difere da autorização de divulgação do mesmo.

Num Reino Católico também a publicação dos documentos da Igreja é assunto do Rei. As almas portuguesas são as mesmas almas católicas (não é possível separar o português do cristão, motivo pelo qual a lei não raramente chamou os não-cristãos de "os fora da lei". Em primeiro lugar, compete à Igreja o conteúdo doutrinal e moral etc. dos documentos que emite; também a Ela dizem respeito doutrinalmente e moralmente etc. os documentos régios. Os "mdernistados" (digo assim para não confundir quem chama aos outros "modernistas" sem saber definir "modernismo") costumam dizer que a Igreja se imiscuía nos assuntos do Estado, e vice-versa (incompreensão de raiz liberal, clarim da "liberdade" e independência para a Igreja, ou para o Estado).

Voltemos, e coloquemos o assunto em pontos práticos:
 
- O Rei tem a obrigação de não permitir a PUBLICAÇÃO e DIFUSÃO de documento que lhe pareçam ofensivos à doutrina, à justiça, ou confundam na fé os católicos seus súbditos, inclusivamente se emitidos pela Santa Sé? SIM. Hoje poderia acontecer com algum documento papal, ou poderia ter acontecido em tempos de arianismo, etc.. Em sua casa, analogamente, também ao pai de família o mesmo compete;
- O Rei tem obrigação de conhecer  previamente (directa, ou indirectamente por meio de designado)os documentos que a Santa Igreja pretende publicar no seu Reino? SIM. A Santa Sé é da mais alta confiança, deve o Rei conhecer em primeiro lugar o que é da vontade da Santa Igreja, e deve ser o primeiro a conhecer os documentos que ela quer fazer públicos no seu Reino.
- O Rei tem direito de conhecer previamente os documento que a Santa Igreja pretende publicar no seu Reino, podendo alterar prévia e devidamente o que de sentido contrário tivesse anteriormente colocado em andamento,  e evitar assim conflito e escândalo? SIM. O Rei tem este direito, por justiça, e para melhor exercer as suas obrigações de católico perante Deus relativamente ao cuidado das almas do seus súbditos.
 
Haverá quem agora tente dizer que Filipe I de Espanha foi absolutista, e que antes dele o absolutismo estava já instalado em Portugal e Espanha!? Veja-se:

"Provisão de Sua Majestade.
Eu ElRei faço saber que este alvará virem, que João Lopes livreiro do Arcebispo de Lisboa me enviou dizer por sua petição, que o dito Arcebispo queria mandar imprimir as Constituições de seu Arcebispado, assim as antigas, como as extravagantes primeiras, e segundas, e o Sínodo Provincial, que ultimamente se celebrou no dito Arcebispado, e o Calendário dos Santos, de que se nele deve rezar; e o Cerimonial das Missas; o que tudo fora visto, e aprovado pelo Santo Ofício, e por o dito Arcebispo. E porque as impressões neste Reino eram muito custosas, me pedia lhe concedesse privilégio, que nenhuma outra pessoa pudesse imprimir os ditos livros neste Reino, nem trazer de fora dele impressos, sob as penas, e pelo tempo que houvesse por bem. E visto seu requerimento, e o serviço de nosso Senhor, que se poderá seguir dos ditos livros serem impressos, hei por bem, e me praz, que pessoa alguma, de qualquer qualidade que seja, não possa por tempo de dez anos, que começaram da feitura deste alvará em diante, imprimir, nem vender nenhum dos ditos livros nestes Reinos, e Senhorios, nem os trazer de fora deles, salvo o dito João Lopes, ou quem para isso seu poder, e licença tiver: e qualquer outra pessoa, que durando o tempo dos ditos dez anos imprimir, ou vender qualquer dos ditos livros em meus Reinos, e Senhorios, ou os trouxer de fora deles sem sua licença, perderá para o direito João Lopes todos os volumes, que assim imprimir, vender ou trouxer: e os moldes, e aparelhos com que os fizer; e além disso incorrerá em pena de cinquenta cruzados, a metade para os cativos, e a outra ametade para quem o acusar. E mando a todas as justiças, a que este alvará for mostrado, e o conhecimento pertencer, que o cumpram, e façam inteiramente cumprir, e guardar como se nele contém: o qual hei por bem, que valha, e tenha força e vigor, como se fosse carta feita em meu nome, por mim assinada, e passada por minha Chancelaria, sem emprego da ordenação do segundo livro título vinte, que dispõe o contrário. Francisco Nunes de Pavia o fez Lisboa a 10 de Junho de 1588 anos. REI [D. Filipe II de Espanha, "I" de Portugal]" ("Cerimonial dos Sacramentos da Santa Madre Igreja de Roma Conforme ao Catecismo Romano", Lisboa, ano 1589)

Os atacantes do imaginado "absolutismo" (espantalho de criação liberal) por vezes não fazem mais que atacar a monarquia na sua forma tradicional, e não raramente dão vivas a alguns itens  do ideário liberal-maçónico do séc. XIX.

14/09/16

"ABSOLUTISMO" - CONTRIBUTOS PARA O SEU ESTUDO (II)

(continuação da I parte)


2 - Depois do monumental testemunho do Censor e Orador Régio Pe. José Agostinho de Macedo, escutemos o A Aurora Fluminense, 23 de Janeiro de 1829, nº 145, para comparar as ideias e o estilo:


"Depois de haver discorrido sobre o Infante, e seu regime diz [transcrevendo o republicano e francês Courrier Français]: "O poder sacerdotal se colocou entre os governos, e D. Miguel: D. Miguel é um monstro, mas observa as práticas exteriores do Cristianismo; revoltou-se contra seu Pai, mas obedecia o seu confessor; atraiçoou seu irmão, e o monarca, que o havia acolhido, mas ofereceu candeeiros de prata a não sei, que Imagem célebre na Áustria; enganou os seus súbditos por um juramento derrizorio, mas ia de ajuste com um Bispo; banha-se sem sangue, mas protege os frades; mata os vassalos para lhes confiscar os bens, mas dota os conventos. É portanto o Rei modelo; o Príncipe piedoso, segundo o partido apostólico; o eleito das Sacristias; o ídolo dos beatos. Houve Te Deum pela sua subida ao trono, há bênçãos para cada um dos seus crimes: o reinado de D. Miguel é a Utopia do partido Padre-Realista."" [É esta a imagem horrenda que se fez circular no Brasil (o qual preferiu encontrar na França revoltosa de então o modelo e nova raiz). O tradicionalismo da época, se assim lhe podemos chamar, estava por D. Miguel quem não deixou derramar a nossa Monarquia; aos liberais isto cheirou a "sacristia" e "servilismo".]

3 - Continuando no mesmo número do A Aurora Fluminense:

- "Infeliz Reino [Portugal], tu e a Espanha são, como disse um profundo Político Francês [eu avisei...], vivos documentos do que traz consigo o regime absoluto! Todo o horror, que os Brasileiros têm ao Absolutismo, é ainda pouco; é mister que os nossos Compatriotas aprendam a amar a Liberdade, e a Constituição, tanto, como a própria existência; a serem de uma inabalável firmeza às ameaças e seduções do Despotismo." (pág. 619) [Ora cá está...ter que aprender a odiar o próprio passado, os seus antepassados, raiz, somente tolerar os antigos Reis e Príncipes"opressores" e "esclavagistas"... não vá a opressão seduzir os brasileiros, dizem!!! Esta manha, esta facada tão funda nas raízes, este ardil difamatório, esta forma baixa de enganar os brasileiros revolta ouvi-la hoje, séculos depois! Pobre Brasil, levado, seduzido pelas falsas liberdades a custo de difamação e vã esperança! Um falso Brasil a ocupar o verdadeiro, um outro! Escutemos o que segue... insólito...]

- "... um princípio comum produziu na mesma época os mesmos efeitos por essa vastidão do Brasil; este princípio é, como dissemos, o amor da Liberdade, natural nos Brasileiros (embora o Jornal do Comércio nos chame aduladores do Povo) e a educação começada do regime Constitucional, que vai melhorando sensivelmente o carácter da população, aperfeiçoando as ideias confusas de amor de Pátria, e de direitos cívicos que a pressão do absolutismo, e ao depois os choques da anarquia, tinham viciado, ou mesmo feito esquecer." (pág. 741) [É de voltar a ler a anterior e tornar a esta, como se de um único texto se tratasse... Já que tivemos que permitir a fasquia da seriedade, que tal uma ironia? Cá vai: Hoje o Brasil sentiu a necessidade de se debater pelo debate da "escola sem ideologia"...!!!]

- "Se há esse espírito, atribua-se a culpa aos que governam (se não todos, uma grande parte) que parecem querer minar surdamente o Edifício Constitucional, e excitam suspeitas no Povo, que não quer perder as suas caras Liberdade. Trabalham em vão, porque o absolutismo é planta, que não vinga no nosso solo;" (pág. 767)

- "Diz B. P. que se deve ter mais cautela com o Republicanismo do que com o Despotismo; porque o salto dos nosso sistema para o do Republicanismo é mais breve, mais fácil, e separado apenas por um caminho, que os seus adoradores costumam semear de flores." [Não tinham descoberto que a "monarquia" constitucional, ou liberal, foi a forma de acabar com a monarquia existente!? Nos Reinos mais "absolutos" e menos danificados pela propaganda revolucionária, quem teria aguentado a imposição de uma república!? Veja-se como os próprios liberais sabem do pequeno paço que os separa do Republicanismo. Mas... depois destas palavras escritas, é de ler a continuação na frase seguinte escrita pelo mesmo jornalista, que tinha dito que a planta do absolutismo nunca poderia vingar no Brasil, porque o Povo não deixa... escutemos:] "Não sabemos se isto é exacto; porém é indubitável, que o salto dos nossos costumes, usos, hábitos, etc. é muito mais breve para o absolutismo, de cujos terros saímos há poucos anos;" [ora cá está quem se apanha mais rápido que um cocho.... arre liberais!!!] (pág. 808)

- "Apesar do que diz a Abelha, nós cremos que os Japoneses não aspiram por agora ao absolutismo puro; porém sim a tornar nulas na prática as Instituições liberais, tolhendo o livre exercício dos direitos cívicos, e fazendo conceber ao Povo falsas ideias contra os que defendem os seus foros e liberdades." (pág. 846) [Tanto receio que estes liberais têm dos "oprimidos" tentarem restaurar a "opressão" sobre si mesmos!!!... De seguida veremos como o uso da palavra "absolutismo" era panaceia contra tudo o que não fosse da sua linha e regime, qualquer um, como até a República.... Para os liberais brasileiros havia que meter medo com o "absolutismo"... eis o único "argumento" da sua incansável e medrosa campanha.]

- "O. Sr. Holanda Cavalcante disse que os absolutistas de hoje eram os mesmos [os próprios] republicanos, descontentes por não haverem saído Deputados." (Pág. 856) [vemos também como NUNCA é refutado ou criticado algum argumento da oposição e se lhe inventam infantis fundamentos.]

- "; que não houvesse o menor temor de absolutismo, pois o Governo conhecia mui bem seus próprios interesses; que estava certo da impossibilidade de plantar-se no Brasil o Despotismo, até pelo progressivo aumento das luzes do século;" (pág. 899) [Ao contrário do que se dizia, afirmam os de agora que os "absolutistas" eram inspirados pelo iluminismo; na verdade o liberalismo, o iluminismo e a maçonaria, estes sim, sem dúvida alguma são farinha do mesmo saco; tal os documentos da época PROVAM. Os maiores vultos da língua portuguesa insurgidos contra o iluminismo e maçonaria, no início do séc. XIX escreveram, aceitando a alcunha de "absolutistas" e indo contra o Constitucionalismo e Liberalismo. Do lado dos liberais, nesta altura, nem um cálamo houve que ousasse ir contra a maçonaria e iluminismo! A maçonaria que então se espalhou rapidamente por todo o Brasil, ela sim é difusora das "luzes" contra a "opressão absolutista"... (são factos registados na documentação da época)! Aqui está... não de outra forma... está escrito abundantemente, fontes, independentemente da vontade e habilidade dos autores posteriores. O Marquês de Pombal foi o delírio da maçonaria: anti jesuítico, anti inquisitório, importador e cultor das "luzes"]

- "A Espanha e Portugal (disse Depradt) à maneira desses condenados, que se penduram nos caminhos, para correcção, e exemplo dos facinorosos, mostraram hoje à Europa e ao Mundo o que é o regime, que por irrisão intitulam "paternal" [trata-se da restituição da monarquia segundo o tempo anterior às revoluções liberais e republicanas, que foram eclodindo por todo o lado]. Não acumulamos declamações vãs: os factos estão diante dos olhos; e os extracto de um Jornal de D. Miguel não podem ser suspeitos. O Correio do Porto [que na verdade era jornal liberal, não de D. Miguel, sim contra D. Miguel] refere miudamente as últimas execuções, de que a segunda Cidade do Reino foi testemunha, e lhe ajunta reflexões tais, de tão atroz hipocrisia que recusámos copiá-las [os autores liberais fizeram questão de passar esta notícia como verdadeira, mas tudo indica que não o é]. Ali são elevadas às nuvens as virtudes do Rei carrasco [nem os liberais escondem que ao Rei D. Miguel os portugueses louvavam as virtudes e os feitos de bom católico]; a sua piedade, e clemência são oferecidas como modelo aos Príncipes, e a memória das vítimas infelizes é insultada com uma frieza, digna de um Sectário do absolutismo ["sectário" porque nesta altura em que o mundo Cristão estava já ocupado por falsas monarquias (sistemas liberais) aqueles que resistiam à gigante onda liberal e republicana eram minoria no mundo, da qual foi última por inteiro Portugal - os liberais tomaram o seu sistema como a regra, eles que na verdade eram a "seita"... Faz-me lembrar o caso de Mons. Marcel Lefebvre que por manter fidelidade ao que estava antes do concílio, e ser já parte da minoria, passou logo a ser apontado como sectário - absurdos!]. Pareceu-nos ver o hediondo Algoz esbofeteando aqueles mesmos, que acaba de decapitar [veja-se o tipo de honestidade jornalística que até se socorre a um "parece-nos" tão fantasioso na falta de realidades que sustentem o seu intento] . Os destinos do triste Portugal reclamam lágrimas ainda dos corações indiferentes [a necessidade de mostrar Portugal de forma negativa, quando era ele o herói entre os Reinos Católicos na resistência ao Liberalismo e invasões napoleónicas.... E que brasileiros tão distantes geograficamente poderiam vir confirmar ou desmentir estas calúnias naquela época!?]; e também reclamam sisuda reflexão: tal é a sorte, que espera a todos aquele povo, que perder as suas liberdades; que por sua negligência deixar que os absolutistas derrubem as Instituições preciosas, que afiançam os direitos individuais, e políticos, e que formam barreiras contra a opressão [fica claro, não estarmos perante a "liberdade" e o "direito" segundo a nossa Civilização cristã e sim perante conceitos cozinhados, promovidos pelo eixo iluminismo-liberalismo - veja-se ainda que verdadeiramente os liberais não reconheciam o colectivo de leis régias, o costume, a moral, a lei natural, a Lei divina, a Doutrina, como autoridade segura, mais que decorativa]. De um lado a anarquia da canalha; do outro a vara de ferro dos privilegiados: os homens bons, porém moles, que não defenderam com todo o esforço os seus direitos; derramam ao depois lágrimas inúteis sobre uma pátria escravizada... Não; o Brasil nunca há de dobrar-se ao jugo do poder absoluto [eis finalmente o receio sobre o qual a campanha difamatória está montada]; debalde lho agoiram vis satélites da escravidão [já cá faltava esta...].  Um Príncipe, amigo do povo [D. Pedro I, no Brasil, pois claro!!!]; afeiçoado às ideias generosas do Século nos é segura garantia; não temos em redor de nós a Aliança de vinte Déspostas, que não sofressem que a liberdade respire em qualquer ponto do Continente Europeu. Os privilégios [referindo-se à Nobreza], e a fradaria [assim tratavam ao Clero maioritário que era ainda pela Tradição] não imprimem o pé maldito sobre o nosso solo: os Brasileiros, ou aqui nascidos, ou ligados ao país por laços de interesse, de confraternidade, e de sangue, amam a ordem constitucional, e meditam sobre os males da antiga Mãe Pátria, para os removerem do solo que habitam, ou que os viu nascer. - Viva a Constituição!!!   (942 pág) [Está tudo muito claro!]

- "Mas o que há de pior são as suspeitas e temores de absolutismo, que com pouco ou muito fundamento se estão derramando de uma maneira, que aflige os amigos da Constituição e da Monarquia". (pág. 945)

- "O Pharol Paulista refere que circulavam na Cidade e Província de S. Paulo boatos de absolutismo, dizendo-se que se proclamaria do dia 12 de Outubro. O digno Redactor do Pharol se esforça para mostrar quanto é absurdo semelhante rumor, que só pode ter origem nos sonhos, e desejos de alguns malintencionados e farropilhas de todas as classes, que esperam fazer fortuna no meio da anarquia". (pág. 986) [a superficialidade é uma constante na propaganda liberal, raramente apoiada em queixas reais e mais na caricatura: pelo facto dos opositores lhes resistirem às ideologias, entre elas o constitucionalismo, NOVA base de ordem social liberal, difamavam-nos de "anarcas"... como se anarquia tivesse sido característica da "repressiva" Monarquia anterior.]

- "Tem-se-nos escrito diferentes correspondências, relativas a alguns dos agraciados, habitantes nas províncias, expondo que são homens conhecidos, por se haverem oposto com todas as suas forças à nossa independência política, ou por trabalharem abertamente em favor do absolutismo. Não lhes demos publicidade, por que são pessoas, que ninguém aqui conhece." (pág. 1083) [... retiremos das duas transcrições anteriores duas palavras de queixa: "despotismo", "anarquia"! Basta dizer que não se conhece o articulista, para impedi-lo de ter de expor em jornal os erros liberais e as doutrinas tradicionais... Está tudo dito...]

- Rio de Janeiro "A Opinião Constitucional é agora mais firme no Rio de Janeiro do que nunca: temos visto muitas pessoas, em quem os prejuízos haviam deixado profundas impressões, mudarem de pensar, converterem-se sinceramente para a causa liberal, e virem engrossar as fileiras dos amigos da Constituição Monárquica-Representativa [clara indicação de que no Rio de Janeiro havia resistência às hostes liberais - muita atenção à designação "Constituição Monárquica-Representativa"]. Debalde se procura alienar gente desse esquadrão sagrado, despregando contra eles a bandeira da perseguição dissimulada, ou manifesta [como havia força para fazer perseguição se o poder "absolutista" tinha caído!?... é notável que, apesar dos liberais terem imposto o seu novo regime, a resistência tinha permanecido entre a população; eis o motivo da incansável propaganda liberal nada fundamentada, muito emotiva principalmente depois da própria vitória]; debalde lhes apresentam diante dos olhos o exemplo das recompensas, que são a partilha dos que pensam, ou se conduzem em sentido contrário, dos que suspiram pelo regresso do absolutismo, e fazem garbo disso. A causa da liberdade e da razão é muito bela [honestamente, sem razão, com emoção, com falso conceito de "liberdade", com desprezo pelos critérios maiores como o são o "dever" e a "legitimidade"], para deixar de ganhar a si numerosos afeiçoados, logo que pode ser conhecida, tal qual é". (pág. 1091) [este "tal e qual é" deve ser entendido "tal e qual o liberalismo a difundiu", tanto que é até esta a palavra que dá nome ao liberalismo]

- "Que se desmascarem os traidores! Conheça o Brasil aqueles, que vivendo ou tendo nascido no seu seio, lhe preparam ferros, e os mesmos dias abomináveis, que Portugal, Nápoles, e a Espanha têm presenciado. O que havia de mais instruído, de mais ilustre, de melhor nos dois reinos da península Hispânica, discorrem, sem pátria pelo Universo, perecem de miséria, acabam a vida nas prisões, ou sobre o cadafalso. Depois que as suas Constituições foram derribadas, ainda não houve para esses países um momento de repouso, as conspirações, as sedições se sucedem; os Reis mesmos não têm se não um fantasma de autoridade, que as Juntas Apostólicas efectivamente exercitam. Que se desmascarem os traidores! O Brasil deve conhecê-los; e não é justo que um Povo, que ama as suas liberdades, veja nos mais elevados empregos os declarados sectários do absolutismo acobertarem-se com uma simulada neutralidade, enquanto nos seus discursos não respiram mais do que ódio à Constituição, desprezo pelas suas máximas, rancor a todos quantos a estimam e estão prontos a dar a vida por ela". (pág. 1088) [Traidores? Os liberais propunham um sistema próprio, diferente, contra aqueles a quem chamavam traidores, estes "traidores" quais não faziam mais que proteger o que até então tinha havido (hoje, os semi-liberais querem fazer crer que estes "traidores" tinham teses próprias inovadoras, nascidas no iluminismo; mas, ao vermos a documentação histórica confirmamos algo bem diferente: estes sempre manifestaram interesse em defender o que sempre tinha havido, e nunca propuseram um sistema novo, sempre quiseram proteger o que era de tradição e pureza da Fé, condenaram a maçonaria, condenaram o liberalismo, condenaram o iluminismo mas defenderam a autoridade do Rei contra as propostas fragmentárias do liberalismo - eis o único motivo pelo qual os revoltosos os chamaram de "absolutistas")! Veja-se também o cenário emotivo, a chantagem, a apresentação que o articulista faz dos "ferros" da escravatura, quando, como sabemos pela história anterior e posterior, foi o liberalismo quem praticou a escravatura no sentido menos católico da palavra. E os factos? Que factos são esses apresentados pelo articulista? Pelas fontes incontestáveis, sabemos que, pelo menos no que respeita a Portugal, os "factos" apresentados não passaram de propaganda liberal, como já se tinha feito na revolução em França, e como se viera a fazer curiosamente na revolução marxista (o fenómeno é semelhante)..., eis o pequeno vício da formação das "lendas negras", que não é mais que a calúnia social para assentar em jornal e em livro!]

- "É finalmente um monstro, digno de erguer o grito do absolutismo, e de estar à frente do partido, que suspira pelos ferros da escravidão." (pág. 1197) [como temos visto, os liberais tentavam apresentar à população um motivo credível pelo qual os "absolutistas" lutassem pelo "absolutismo" e que seria o motivo de quererem recompensas e cargos, ou porque eram liberais descontentes por não lhes terem dado os cargos e benesses almejadas; mas isto é dito depois da vitória liberal e sem sequer referirem ALGUM  DOS ARGUMENTOS dos "absolutistas". Não há sequer tentativas de refutação, portanto, tudo dos liberais fica mais pela propaganda e encobrimento do ideário "absolutista" grande inimigo da maçonaria (e amigo do Clero e da pureza da Fé - por isso também chamados de "partido apostólico", "frades", etc.). A muitos leitores, que até agora tenham acompanhado, isto fará alguma confusão porque receberam a história por via dos vencedores, a qual, por mais católica que hoje se diga ser, bebeu já a informação predominante naquela época. O texto do artigo refere-se a Joaquim Pinto Madeira, militar condenado à força pelos liberais]

Embora nos restasse uma significativa quantidade de páginas do Aurora Fluminense, as referências ao "absolutismo" que faltam ver estão já metidas naquilo que foram as tentativas do Crato (Brasil): o restauro da Monarquia tradicional do Brasil, por ocasião da abdicação de D. Pedro I; agora não nos interessa continuar a seguir por aqui o uso da palavra "absolutismo".

Haverá talvez jornais brasileiros melhor exemplo que o Aurora Fluminense, e se houver tempo é de ir a eles, noutra ocasião.

Nas suas campanhas os liberais apresentaram como "anarquia", "arbitrário" e "despotismo" a oposição à criação de uma Constituição. Tinham em seu programa que só a defesa da criação de uma Constituição, ou da permanência dela, teria direito a ser interpretada como "querer lei"; eis um dos absurdos da ala liberal: na prática negavam de toda a lei anterior por estar ela fora de uma Constituição (segundo o conceito liberal-republicano), e demitindo toda a autoridade que não fosse democrática, ou quase. Ora, os "absolutistas" nunca em seus escritos se insurgiram contra a existência de lei, facto que deveria ter sido honestamente assumido pela propaganda liberal, mas sim contra a criação de uma Constituição segundo o conceito liberal-republicano. Um dos mais ilustrados "absolutistas" portugueses, o Pe. José Agostinho de Macedo chegou inicialmente a apoiar a criação de uma Constituição até se aperceber de que espécie de coisa se tratava realmente. Não defendeu nunca a não existência de leis, pelo contrário: defendeu que a verdadeira constituição de Portugal está no conjunto de leis e costumes do Reino, segundo a Lei de Deus e da Igreja etc... Tal como este, também todos os portugueses "absolutistas" que escreveram na época defenderam o mesmo, e os posteriores grupos que se quiseram chamar de "tradicionalistas" a si mesmos disseram ter naqueles ilustres primeiros pais os seus Mestres. Sem dúvida alguma, a experiência espanhola foi diferente e grande em números, se bem que qualitativamente seria Portugal a ter de ajudá-la!

(a continuar)

02/09/16

"ABSOLUTISMO" - CONTRIBUTOS PARA O SEU ESTUDO (I)


À imagem do que fizemos com as palavras "violência", "bons costumes" etc. será agora com a palavra "absolutismo". Contudo há um fenómeno intransponível que nos detém: os livros e documentos antigos registam em Portugal pelo menos DOIS USOS diferentes da mesma palavra, anteriormente à vitória liberal (ano 1834). Iremos também fazer o que hoje se faz: discriminar um usos, mas dando destaque apenas ao uso não liberal; o uso não liberal, anti-liberal é a linha mais desconhecida actualmente (eis o motivo de preocupação desta série de artigos). Ao longo das transcrições, quando for caso disso, juntaremos pequenos comentários para melhor precisar. Recorreremos também à comparação com textos liberais da época, para que o leitor possa melhor assentar na realidade e proteger-se da conhecida propaganda dos vencedores (ou nos que escreveram longe da época e são talvez inocentes vítimas).

1 - Cartas de José Agostinho de Macedo [um dos "terríveis absolutistas"] ao seu amigo J.J.P.L. (1827):

"... ; a Junta Apostólica quer, e promove aquelas sagradas e veneráveis leis, que fizeram grande a Espanha por catorze séculos desde Ataúlfo seu primeiro Rei até Fernando VII seu actual Soberano; a Junta Apostólica quer com afinco sustentar a Religião, e absolutismo... eis aqui as funções da Junta Apostólica, segundo diz o Lençol, e seu apaniguados, e trombetas. Pois a Junta Apostólica, segundo o mesmo Lençol no Manifesto da Catalunha, e em seus detestáveis, e abominandos, e nefandos Comentários, quer uma total sublevação dos Povos contra os Reis; a Junta Apostólica chama a Nação à rebelião e às armas; a Junta Apostólica quer fazer a guerra àquele mesmo Exército Francês, que ela conserva, e que ela paga; quer destronar, banir, desterrar aquele mesmo Fernando, que ela tem defendido a expensas de seu próprio sangue; a Junta Apostólica quer fazer passar o seu ceptro às mãos de seu Irmão; a Junta Apostólica quer arremessar o jugo da obediência. A Junta Apostólica é a fautora de todos os partidos revolucionários, a promotora principal da anarquia; a Junta Apostólica é uma alcateia de lobos, um covil de ladrões, que querem beber o sangue, e despojar todos os bons Espanhóis da suas sagradas propriedades; a Junta Apostólica abusa do nome de J. Cristo e dos sagrados Apóstolos S. Pedro e S. Paulo para destruir a Religião, cometer Regicídios e parricídios, lançar os Espanhóis no abismo da escravidão, da penúria, da miséria, da ignorância, e do desprezo.
Eis aqui, meu amigo, o que é a Junta Apostólica na boca e na pena dos que cozem as costuras do tal lençolinho." (Cart. 3, pág. 5) [Não é lugar para tratar da Junta Apostólica, mas a respeito dela é oportuno transcrever uma notícia da época: "Ciceron, e Narcia, dizendo-se pertencer à Junta Apostólica, formada no reino de Galiza para obrar contra o sistema constitucional em voga na Espanha, retiraram-se a Portugal, entrando por Valença em 19 de Julho de 1820, onde obtiveram passaporte com o qual chegaram ao Portugal a 4 de Agosto seguinte. O Governo extinto aquém o encarregado dos negócios daquele Reino em Lisboa tinha requerido, mandou-os prender por aviso de 7 do mesmo mês; porém da relação do Porto, a pedido do cônsul espanhol daquela cidade. O presidente do tribunal superior de Galiza tem declarado a entrega dos presos na forma da convenção que observou sempre entre os dois reinos, e é de saber que eles se acham ali condenados à morte, segundo diz em sua informação o Intendente geral da polícia. Todavia a Comissão que não acha documento algum autêntico deste facto não julga possível que o julgado (a existir) se execute sem audiência dos réus, porque eles como ausentes não foram ainda admitidos a defesa." Linda coisas do Triénio Liberal na Espanha, que pretendeu dar fim aos resistentes do "absolutismo", inimigos do Liberalismo e constitucionalismo - onde estavam então os tradicionais e ortodoxos católicos da época se não estavam do lado liberal!? Atenda-se também como em 1827 estes anti-liberais da Junta Apostólica consideravam Fernando VII de Espanha, reinante, em monarquia tradicional, a quem os liberais tinham por "absolutista" (assumam-se primeiro os factos e eis tantos factos, que contradizem a versão hoje difundida por grande parte dos "tradicionais católicos" da Espanha, não apenas; talvez se trata de fenómeno à margem da culpabilidade; já na época os autores portugueses "absolutistas", testemunhos e não teóricos, anteriores à derradeira vitória do Liberalismo em Portugal (1834) deveriam ser ouvidos religiosamente hoje, pelo menos pelos portugueses. É importante ler estes documentos na época, não posteriormente segundo a letra dos vencedores ou seus filhos.
Usa de ironia o Pe. Macedo expondo o que diziam os liberais a respeito da Junta Apostólica.]

"Em sentido nos Reis, nos Gabinetes, nos Ministérios alguma oposição, isto é, quando não podem cavalgar, e sopear ["adular"] os Reis, os Gabinetes, e os Ministérios, gritam que o ouro dos Apostólicos, e Jesuítas os têm comprado para estabelecer o Império do Arbítrio, e apagar as Luzes do Século, frustrando os progressos da civilização. Eu espero ouvi-los gritar às Potências do Norte, que se acautelem, que o General Chaves, e o Vice-Geral Canelas já passaram os Pirenéus, para irem levantar o Estandarte Jesuítico do Absolutismo, e do Arbítrio nas muralhas de Cronstadt, e de Arcangel." (Cart. 7, pág. 5) [E que tal? Um "absolutista" da época que nos conta como os liberais associavam "absolutismo" e "jesuitismo", entre outros e até o "livre arbítrio". Os "absolutistas" aqui apresentados pelos liberais como inimigos das "Luzes" do Iluminismo - é certo. Como veremos, quase todos os nomes aplicados pelos liberais aos "absolutistas" são não neologismos propositados, comportam irrealismo: tão irreais que deveríamos achar-nos perante uma sui generis criação de "lenda negra". Alexis de Tocqueville (1805-1859, França), conhecido pelas sua análises à Revolução Francesa e da evolução das democracias assume que "a Revolução Francesa baptizou aquilo que aboliu" referindo-se à designação e caracterização de "Antigo Regime"... Na verdade, embora com recurso a alguns aspectos reais, nasceram nomenclaturas difamantes, complementadas com o horrível que a imaginação enfermada tende a produzir e introduziram uma má ideologia apresentada como antídoto contra o monstro imaginário que criaram; sendo que, ao fim da linha eram a monarquia tradicional e o pensamento e doutrina católica os alvos.]

"Andam estes regeneradores do Mundo, estes Propagandistas da civilização do Globo, estes zelosos salvadores dos Direitos do Cidadão, prégando em missão aos Povos: "Filhos, nós vimos emancipar-vos, vimos tirar-vos das cadeias do servilismo, despotismo, e absolutismo; vimos apagar as fogueiras da Inquisição; vós não sentireis mais o pesado jugo do Fanatismo."" (Cart. 7, pág. 6) [Como vemos, as sementes dos males do nosso tempo já ali estavam e eram identificadas como malignas pelos "absolutistas" de melhor ortodoxia. A "opressão", a "Inquisição", tudo isto era já tema de "ódio" para os liberais, mas anteriormente pelos Luteranos... O liberalismo, além dos falsos princípios onde assenta, tem também terreno adequado no Protestantismo; lamentável é que Juan Manuel de Prada, teimosamente, radicado no infeliz conceito liberal de "absolutismo" que o tradicionalismo espanhol nunca chegou a expurgar de si por motivo de ódios não ultrapassados em tempos de Filipe V, se recuse a aceitar a existência de vários usos do mesmo conceito na época; e imponha assim o espanhol como único que para todos terá de servir... Lamento, e esperemos que mude de opinião, assumindo que factos são factos e que em Portugal houve outro uso... e que provavelmente na Espanha houve o mesmo quem em Portugal!]

"Lá vai um Apostólico.... diz uma voz, que sai de uma bodega, ou do pescado seco, ou do pescado molhado; chegam todos à porta para verem a nova Phenix, que todos dizem, que existe, e que ninguém viu ainda; já vai... quem é? É aquele Clérigo!! Olha que dinheirama da Junta Apostólica! Lá vai, vamos atrás dele.... lá vai andando com umas botas velhas, com uma sobrancasaca que por cinquenta e sete terças feiras esteve pendurada na Feira da Ladra, com um chapéu, que tem andado por vinte cabeças, direito à Sacristia de S. António da Sé buscar seis vinténs, que estavam esperando por ele em cima do bofete. Pois este miserável, que vai comer atrás da porta de uma escada meio pão com um queijo de Montemor, ou meio arretel de ginjas [230g.], é um Apostólicos nadando em dinheiro, que vai levar o Prel para o inflame Guerrilheiro Vasconcelos; e bem se vê que é um inimigo da Legitimidade, e da Carta, e que quer o Absolutismo, e as fogueiras da Inquisição para viver de abusos, com os válidos, e lisonjeiros, e os outros zangãos do Estado. E quem diz isto é comprado pelo ouro da Junta Apostólica para iludir os incautos com estes papelórios, e chapelórios." (Cart. 7, pág. 9)

"Digam-me, ignorantíssimos, os Apostólicos não são Europeus? Não dizem VV. mm. que os Europeus querem alguma coisas? Os Apostólicos da Espanha, com uma opulência, e profusão espantosa de Tesouros, pugnam pelo Rei, e não querem Rei? Não querem Rei, nem absoluto, nem Constitucional, não querem Rei de sorte nenhuma (só se estes Apostólicos são os do Português), e matam-se e empobrecem pelo Rei, e não o querem? Se querem o Absolutismo, então querem um Rei; e onde irão construir este Absolutismo? Quem o há de exercitar? Ignorantes!! Ou fanáticos da Democracia!" (Cart. 9, pág. 5) [Lembrar que a mente liberal, não acostumada em sujeitar-se à Verdade quando usa da razão sai-lhe racionalismo... nada mais!]

"Em três continuadas, e consecutivas noites, de 24, 25, e 26 do próximo passado Julho, esteve Lisboa em mortal, e lastimosa agitação; e, se as vigorosas providências do Governo não acudissem a reprimir a sedição popular (atiçada pelos agentes da revolução Democrática) com a força armada, e a inevitável a iminente ruína: isto é uma verdade demonstrada; dentre os grupos dos pacíficos Cidadãos, como V. m., e os da Liga lhes chamam, rompiam aterradores, e funestos gritos: "morra este, e morra aquele, porque esta era a humildade, e respeitosa Petição, com que se requeria à Sereníssima Senhora Infanta Regente e re-integração do Ex. Ministro João Carlos de Saldanha, sem a qual o Reino não podia ser Reino, nem ter Governo, nem ter Representação, nem a Nação Portuguesa ser Nação, nem permanecer na linha das Nações, quebrando o jugo do absolutismo, debaixo de cujo jugo tinha por tantos séculos gemido. A estes pavorosos gritos dos Cidadãos pacíficos, e tranquilos se misturavam os insultos, e assaltando-se o domicílio dos Magistrados; e isto com o direito de Petição garantindo na Carta!" (Cart. 12, pág. 2) [A falácia que hoje conhecemos do "lá fora já se faz... lá fora já se aceita..." vem realmente de uma linha de "pensadores" não muito recente. Ainda há dias, uma beligerante guerreira do semi-tradicionalismo distribuiu um "papelinho" com o qual tentava espalhar a ideia de que o Povo era anticlerical em dada altura...; não obstante tamanha caridade distributiva, haveria a mesma incendiária dar outro "papelinho" com este texto do Pe. Macedo, onde vemos que aqueles que do Povo se revoltavam eram presas fáceis dos Revolucionários...; viu-se bem que esta gente gritava segundo pontos estratégicos da ideologia e por aqueles "santos" que desconhecia, estratégicos para a revolução! ... Aos portões de Versalhes também forma protestar ternas mulheres e meigas crianças, as primeiras da frente até bigode farto tinham (homens)...; eis aqui boas mascotes para o travestismo... Claro... no 25 de Abril.... "foi o Povo"! foi foi ... alguns souberam pela rádio, ou meses depois!] 

"Antes de rebentar o Vulcão Democrático de 1820, que se ouviu por muito tempo? Espalhadas murmurações por entre os Povos, queixas do Despotismo, do absolutismo, da arbitrariedade, de abusos, de dilapidações; clamores surdos de que era preciso um Governo enérgico para remediar tantos males; que não podíamos sair da escravidão, sem convocação de Côrtes Gerais, Extraordinárias, e Constituintes para reformar a Constituição da Monarquia. Que as riquezas do Estado eram comidas pelos Mandões, e pelos Zangões. Que os Áulicos, e os Lisongeiros se assenhoreavam de todos os Empregos, e iludiam o Monarca. Que a ilustração do século, o derramamento das Luzes, e os progressos da civilização, faziam conhecer aos Povos que era chegado o momento de reassumirem os inauferíveis direitos da sua liberdade, e viveram só debaixo do império da Lei; e outros que tais palavrões, com que deram agora em explicar tudo, ou em pretextar a revolta; palavrões, que servem para tudo, e com que trazem enredados, e confundidos os Povos, dispondo-os assim para fantásticos melhoramentos, imaginadas reformas, e quiméricas inovações, fontes de todos os bens, e de todas as venturas;"(Cart. 12, pág. 6) [É normal que hoje os da "Monarquia" Liberal e os da República disputem o título de colocadores da democracia em Portugal, ovo posto pelo mesmo espírito que os levou aos dois. Que fique o registo de que a febre democrática é que os chocou a ambos e a "igualdade" mostrou-nos a pena do comunismo... Mais uma vez, Agostinho de Macedo faz-nos uma pequena caricatura do pensamento dos opositores do "absolutismo".]

"A Gazeta Constitucional, sem eu haver bolido com ela, (porque eu nunca fui agressor) começou gritando contra mim muito constitucionalmente; continua a gritar, e a descompor com uma raiva verdadeiramente canina; e o tema para as infames descompostudas, ou ataques pessoais, é a Junta Apostólica, que existe, depois que os Senhores Pedreiros Livres começaram a sentir que o género humano já cansado, e enjoado, começou a mostrar que já não podia aturar tantos desaforos, chamados derramamento de luzes, progressos da civilização, liberdade, emancipação, e melhoramentos das humanas Sociedades, oprimidas com o Absolutismo, Despotismo, Fanatismo, Servilismo, Jesuitismo, Apostolicismo, Fogueirismo, Inquistorismo, e todos os ismos mais; mas não tanto como com o Pedreirismo." (Cart. 14, pág. 1) ["Pedreirismo", portanto é a Maçonaria, os "Pedreiros Livres"]

"É verdade, que eu já estava com pena de ir deixando tão pouco espaço nesta Carta para zurzir como merece este o maior, e o mais dementado de todos os Hipócritas que aparece tão contraditório em seus escritos para melhor ser conhecido. V. m. terá reparado que desde que os Foliculários Priodiqueiros começaram a assoprar a revolta, a baralhar as ideias, a enredar os Povos, e a dispor, ou desenrodilhar as armas para a mais patifa de todas as revoluções, que vem a ser levantar a Democracia sobre as ruínas da Monarquia, tem andado sempre em cena, o velho Marquês de Pombal, Sebastião José de Carbalho. Se querem exagerar o Despotismo, o Absolutismo, e o Fogueirismo, vem o Marquês de Pombal; se lhes convém invectivar os Ingleses, com quem se enganaram, apesar dos vivas, e foguetes do dia primeiro deste ano, vem o Marquês de Pombal, e a rebatida, e já nauseante história da Bahia de Lagos." (Cart. 17, pág. 4) [Há tempos, ouvi uma novidade: começa-se a dizer em Portugal que a nossa tradicional Monarquia é democrática, quando os documentos da época nos mostram como a democracia era tida como um desprezível recurso, deixado apenas a menor importância quando não podia ser melhor. É tão fácil provar o contrário e mostrar que tipo de gente é que anteriormente tentou esse tipo de ideia ... !!! A tentativa de abandeirar o Marquês de Pombal, contra quem não queria o novo modelo de "monarquia" (Liberal) era uma tentação dos liberais, que no fundo acabavam por dar algum caso em que o Rei tivesse mandado muito pouco, ou quase nada! (D. José)]

"A ideia do Absolutismo é nova entre os Portugueses. Esta infernal palavra, nunca por tantos séculos entre nós ouvida, é o grande, e o mimoso pretexto de todas as Revoluções, havidas, por haver, e sempre intentadas, e prosseguidas nas sociedades secretas, que juraram guerra exterminadora aos Altares, e aos Tronos. O Despotismo Asiático, o Absolutismo Sultânico, nunca foi a partilha dos Chefes da grande família, ou sociedade Europeia, mas com o fim único dos trabalhos das sociedades secretas é a dominação geral dos Povos, como só a isto aspiram, como temos visto, ocupando eles só os primeiros lugares; o meio mais próprio, e mais apto para o conseguirem, é persuadir os Povos, que até agora têm sido dirigidos, e governados com um poder arbitrário, e absoluto; e que os Reis, a quem chamam Tiranos, os têm reduzido a abjecta, e desgraçada condição de escravos; e que a coisa, que mais devem aborrecer, é o Absolutismo, que vem a ser o exercício da própria vontade, e do princípio arbítrio, sem respeito, e sem consideração alguma às Leis, aos foros, e aos pactos sociais feitos na origem das Monarquias, entre os Governantes, e os governados. E para que inspiram os Povos este horror a este fantástico e suposto absolutismo nos Soberanos da Europa? Para os disporem às Revoluções a títulos de melhoramentos úteis, e de reformas necessárias." (Cart. 26, pág. 10) [A semelhança com o que hoje dizem é pura coincidência ...!]

"Por muito superficial que seja qualquer homem observador, por menos atenção que haja dado aos horríveis acontecimentos, de que temos sido testemunhas desde 1820 até o dia de hoje 20 de Outubro de 1827, terá visto que ainda até este momento a praga Periodical não se tem calado com o Absolutismo, e com a reforma dos abusos provenientes, dizem eles, do Absolutismo. E que querem com isto estes Pregoeiros das Sociedades Secretas? Querem que ao Governo Monárquico suceda a Democracia, ou o Governo Republicano; para isto pressupõe sempre demonstrada a máxima absurda, e monstruosa, que o Poder governativo existe essencialmente na família, e não no par da mesma família. Para isto parece-me que era preciso demonstrar primeiro que o Absolutismo, nome, com o qual tanto querem assustar os Povos, pode existir em um, que governe, e nunca em muito, mais absolutos que os próprios Sultões, que usurpem o Governo, a si mesmos se chamem a Côrtes, façam para si Constituições, e ditem Leis, de que eles zombem, exercitando tiranicamente o Poder, que sacrílega, e revolucionariamente roubaram. Não tem havido Periodiqueiro por mais miserável que seja, desde que o Inferno vomitou sobre Portugal este flagelo, que não haja gritado contra o Absolutismo, e na sua abolição para o sagrado fim das necessárias reformas dos abusos do mesmo Absolutismo. Em França fizeram os revolucionários a coisa mais sumária, levaram Luís XVI ao cadafalso; em Portugal, falemos a verdade, porque está escrito, e está impresso; e se lhes custa a repetição, não o dissessem, não o imprimissem, clamaram "Desfaçamo-nos deles". As Secretas Sociedades querem fazer detestar o Monarquismo, e para isto procuram fazer aborrecer, e abominar o que eles chamam "Absolutismo" que nunca existiu, nem pelas Instituições do mesmo Reino desde a sua origem até este momento, em que as mesmas Instituições estão instauradas, e reformadas, pode existir. Se este pregão contínuo do Absolutismo não andasse sempre na boca pestilente dos Periodiquieiros, as revoluções, e as conspirações nenhum efeito teriam, porque os conspiradores sempre contam com as disposições dos Povos, e estas disposições são obras dos Periódicos, que tão claramente dizem que o Absolutismo anda essencialmente unido ao Monarquismo; dizem que é preciso o Governo representativo, mas a seu modo, e não como agora o temos, e sempre tivemos, ainda que com diversas fórmulas; mas o representativo dos revolucionários é o primeiro degrau do Republicanismo, ou Democracismo, como vimos em 1820. Tirar um Rei de repente, era arruinar a sua mesma obra ["sua" deles, do inimigo]; não têm os Periódicos tanto poder, que de repente arrancassem do coração de todos os Portugueses a adesão, e o amor, que sempre tiveram, e ainda conservam aos seus Monarcas; fizeram do Rei um Ente, que não tinha acção própria, os seus movimento tinham impulsão estranha; não se iluda Portugal, o Poder Executivo, que aqueles monstros deixaram ao Rei, não é Poder, porque executar o que se lhe manda não é livre exercício da vontade própria, é cumprimento do que determina a vontade alheia; neste caso ter Monarquia, e não ter Monarca vem a ser o mesmo. Monarca é o que manda só; e eles mandavam ao Monarca "Mande-se ao Executivo", como diziam eles." (Cart. 29, pág. 3) [Destaca-se a influência da propaganda para fazer acreditar que a monarquia tradicional era "absolutista", ao mesmo tempo que se fazia propaganda a uma nova ideologia social (liberal e democrática, republicana ou um intermédio para chegar à República); evidentemente que hoje se faz o oposto: dizer que a monarquia tradicional é o que nunca foi e que a absolutista não é a tradicional...]

"Desesperados por verem arrancar do Santuário o sinal de abominação; que a impiedade revolucionária ali tinha levantado, vingam-se com o desprezo, e perseguição daqueles, que mostraram, seguindo o Rei, a sua adesão ao Trono, e o seu respeito ao Altar. Chegou a tanto este insulto público pelo espaço dos já passados quinze meses, que muito honrados Portugueses, para evitarem novos insultos, e talvez que um princípio de motim com tanta ânsia provocado, esconderam a mesma Medalha, ao menos quanto pelas obrigações da existência, e subsistência se viam obrigados a entrar no centro da Cidade chamada baixa, e atravessarem os fatais arruamentos, ou as Academias destes ilustrados Publicistas. Mosteiros há, onde por amor de dois, ou três Orates, um Tecleiro, e outros Picadores, se não pode ainda entrar com a Medalha, sem correr o mesmo risco. Esta Medalha, dizem eles, é um sinal, ou pregão permanente de que levou o Diabo o nosso adorado, e adorável Sistema regenerador, de tornarmos outra vez da liberdade para a escravidão, e da sublimidade do Democratismo para a voragem do Absolutismo. A isto chamo eu o mais execrado, e punível de todos os insultos; a memória do Rei lhe vilipendia, a fidelidade dos Portugueses reputada um crime. Se todas as Medalhas de Condecoração são dadas pelo Rei, porque só o Rei as pode conceder como prémios de serviços, como são as mesmas de Campanha em seus diferentes graus, porque não insultam eles todas estas, e unicamente aquela? Porque estes feros Republicanos não querem, e protestam não querer nunca um Rei livre, mas um Rei escravo; não querem um Rei com os direitos da Soberania, mas um Fantasma despojado deles. Não querem um Rei que os governe a eles, querem uma Autómato, que eles governem, e tiranizem. Em quanto eu tiver esta espada na mão, dizia um Padre Cívico, não há de aqui entrar um Rei com "Veto". Tão insensato me pareceu sempre o tal Padre, que nem o que quer dizer Veto ele entendia. Só uma coisa me admira, que, levando Malco uma orelha cortada, este Malco as quisesse cortar aos outros." (Cart. 30, pág. 6) [... graduações em número de 33!?...]

"São inumeráveis as Histórias, que existem já impressas, e publicadas, da Revolução Francesa, e sendo um só objecto, e única a matéria, por todos é tão váriamente tratada. Nós os Portugueses, sobre tudo indolentes, muito mais o temos sido sobre a nossa [entenda-se "nossa" para identificá-la como tendo ocorrido em Portugal, e não como coisa própria portuguesa] Revolução Democrática de 1820: ainda não apareceu nem um esboço ligeiro deste acontecimento tão único, como escandaloso em nossos Anais. Será isto delicadeza em nossos Escritores, que não quererão ofender as virtudes, e sobre tudo a exemplar, e conhecida modéstia dos Autores da mesma Revolução ainda vivos, e permanecentes entre nós? Parece-me, que é muito fora de tempo, e de lugar esta melindrosa delicadeza, em nossos Escritores, porque os mesmos Corifeus da Revolução nunca quiseram deixar seu escrito em mãos alheias, começaram eles mesmos desde logo a se chamar Pais da Pátria, Salvadores da Nação, que por um heróico, e violento impulso de Patriotismo quiseram arrancar do abismo da desgraça os infelizes Portugueses, dizendo-lhes, que não podiam subsistir por mais seis dias com aquele Pacto primordial e com aquelas leis com que tão gloriosamente tinham permanecido por seis contínuos séculos, prometendo, que vinham, com suas sábias instituições, por o Povo Português na linha das grandes Nações, donde nenhuma grande Nação, nem todas as Nações grandes juntas o haviam tirado. Disseram com fraqueza mais que Republicana, que se muito tinham feito a Portugal D. João I em o livrar da violenta posse, que dele queria tomar o Rei Castelhano, desbaratando-o em uma memorável batalha campal; e se muito tinha feito a Portugal ElRei D. João IV livrado o Reino de uma dominação estranha, que havia durado sessenta anos, aceitando a Coroa do mesmo Reino; muito, e muito mais faziam eles em livrar o mesmo Reino do mais pesado, e ferro jugo do Absolutismo, em que os seus Monarcas com seus Cortesãos, e lisonjeiros o conservavam. Disseram ainda mais de si, e não deixaram mentir ninguém; disseram que com sua sabedoria vinham dar uma nova face à Nação, abrindo, e desentupindo todos os canais donde lhe podia correr, e comunicar-se-lhe todo o seu bem, e ventura, começando pela Instrução Pública, coisa até desconhecida neste Reino, porque eles para serem, como eram, tão exímios Doutores tinham com dispendiosas viagens, e reiteradas fadigas, ido estudar, e aprender fora deste Reino, que sempre tinha sido a Séde principal da ignorância, e da barbaridade, assim como da superstição, e do fanatismo, insuperáveis obstáculos para o derreamento das Luzes, e progressos da civilização! Que eles vinham promover a cultura da terra, a navegação dos mares, a actividade do Comércio, o aperfeiçoamento das Artes, e das Ciências, e sobre tudo fazer adiantar a Indústria na criação das Fábricas com que nos tirassem da vergonhosa dependência das produções, e manufacturas estrangeiras. Prometeram ainda mais, e eles mesmos o disseram, que vinham simplificar o Culto Religioso, livrando-o de todo o peso, e aparato da magnificência, e majestade externa, reduzindo-o a puro acto intelectual. E sobre tudo nos afirmaram que o motivo mais poderoso, que os obrigara a vir daqui tantas léguas, uns a cavalo, outros em calças, e alguns em liteiras, fazendo marchas forçadas, sem pararem, e se demorarem senão nos Colégios, e conventos de Coimbra, e em Alcobaça, foi unicamente acudir ao lastimoso estado de Finanças, ao qual as tinha reduzido a malversação dos Empregados pouco experientes, e a indiferença da Regência, que pintavam indolente sobre este sagrado objecto; coisa que com efeito à risca cumpriram, distribuindo de tal arte o dinheiro todo, que nunca mais se soube onde ele parava, a não ser nas mãos dos novos, e ilustrados Financeiros, que desceram do Céu para limpar a Terra. Sem ninguém lhes perguntar, eles mesmos disseram que vinham nivelar as condições humanas, reduzindo tudo à perfeitíssima igualdade natural, pois eles nem tinham, nem conheciam outra diferença, que não fosse aquela, que davam os talentos, e as virtudes, e que só às virtudes, aos talentos, e ao pessoal merecimento, e nobreza, eles mesmos vinham dar os lugares honoríficos, e lucrativos, e não aos Aulicios, e aos lisonjeiros, desterrando para sempre o patronato; e na verdade eles tinham afilhados de sobejo!"  (Cart. 32, pág. 3) [fala um testemunho da época não um teórico, muito conhecedor da sociedade de então e que tivesse escrito antes de 1827... Aqui está resumido o programa ideológico que até aos nossos dias tem vindo a ser implementado pelos vencedores do Liberalismo em diante, em tão poucas linhas, apenas como testemunha do que se ouviu da boca do próprio inimigo e com um acerto tão grande que parece estarmos perante uma profecia. Eis uma maravilha documental de valor incalculável, mas que só poucos reconheceram antes de terem visto concretizar!]

"Em que melhorou este Reino com semelhante revolta de 1820? Com ela se abriu a porta a todas as calamidades. Compare-se o Portugal dantes com o Portugal depois!! Prometiam Liberdade, nunca estiveram mais atulhados de Cadeias. Prometiam justiça direita sem suborno, sem patronato, nunca as Terras de degradados viram dentro de si mais gentes, que não conheciam. Nunca os segredos tiveram inquilinos forçados por mais tempo; nunca houve tantas denúncias, nem mais rigorosa inconfidência, nunca passearam metendo a cabeça por todas as portas, os espiões mais descarados, e impudentes; nunca os homens de bem viveram mais assustados, nunca houve um Povo mais infeliz, e miserável, nunca o Reino todo sofreu mais perdas; e uma palavra, nunca o verdadeiro absolutismo, e despotismo pesou mais sobre os Portugueses, nunca foram mais escravos, e nunca se chamaram mais livres, nunca deles se fez mais afrontosa zombaria; nunca a Religião sofreu mais descobertos ataques, e insultos, nunca os senhores do engenho, e seus moleques, do que foram tratados por meia dúzia de Bacharéis aqueles nobres, grandes, e magnânimos Portugueses, diante dos quais na África, e na Ásia tremiam os Poderosos do Mundo, obrigando-os a trocar a magnificência, pompa, e esplendor de seus antigos vestidos, e ornamentos honoríficos em saiotes, balandraus, e roquelós de pano da serra, e azeitada saragoça até no pino do vetão, verdadeira pantomina, ou impostura. Fique para sempre este desengano, e nunca mais se aturem, ou se conheçam tais Framengos à meia noite. Este fermento ainda não acabou de todo, porque talvez ainda hajam hipócritas, que dando vivas ao novo estado de Governo Político, que temos, o mais justo, e o mais aproximado pela matéria, e pela forma, às nossas primordiais Instituições, conservam na alma o fanatismo, ou aventesma de uma República, entre o Governo Monárquico da Europa, o que tem dado a conhecer." (Cart. 32, pág. 11)

(continuação, II parte)

12/08/16

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 27 (IV)

(continuação da III parte)

Pormenor de um dos palácios do Cardeal Patriarca de Lisboa, hoje tristemente abandonado e votado à ruína!!!
Texto

"Quiseste ditar a lei às Côrtes de Portugal, exigindo censura prévia nos escritos em matéria de Religião!!! Até que ponto, amado filho, te conduzirão os perniciosos conselhos do ignorantes Senado que te cerca, e dos teus Jansenistas disfarçados, cujos oráculos e prestígios te fascinaram! Se a história dos séculos mais pura do Cristianismo estivesse aberta diante dos teus olhos, verias, amado filho, que o Apóstolo das nações em lugar de exigir restrições na liberdade de escrever, disse que eram necessárias heresias: Oportet et haerere esse. Verias que Santo Hulário demonstra que à proporção que os erros e perversas doutrinas atacam a Santa Religião Cristã, a Igreja, invencível no dogma e na moral, ganhou todas as vitórias, e os seus inimigos não tiraram senão confusão. A liberdade, que tiveram os inimigos de impugnar a Religião, devemos os Fiéis as decisões dos primeiros quatro Concílios gerais, onde nossos Pais, presididos pelo Espírito Santo, desenvolveram as luzes que o Céu nunca pode negar à sua Igreja. Se lesses a História das variações das Igrejas dos Protestantes do sábio Bossuet, verias, amado filho, que este sábio Bispo nunca teria ocasião de desenvolver o espírito de sabedoria de que o Céu o dotou, se não tivesse havido a liberdade de escrever; verificou-se o oráculo do Apóstolo: Oportet et haereses." ["Também deve haver heresias"]

Censura

Ora aqui temos um parágrafo tão abundante de proposições erróneas e absolutas, que faz desnecessário e supérfluo todo o cuidado de o refutar. Devia o Eminentíssimo Cardeal Patriarca deixar que os Pedreiros Livres deitassem os braços de fora, atacassem impunemente o Cristianismo, fizessem prosélitos, e outras habilidades do mesmo jaez, porque deste modo facilitava novos triunfos à Religião Católica, e seria causa de que ela resplandecesse mais e mais na derrota dos ímpios: Oportet et haereses esse. Cuidávamos nós que seria melhor que não houvesse reformadores, nem seitas nascidas e propagadas no séc. XVI; e muito embora o imortal Bossuet aplicasse os seus talentos a outro destino... Cuidávamos nós que teria sido melhor que nunca houvesse Constituição Democrática neste Reino; e muito embora ficássemos sem o triunfo que a Monarquia legítima alcançou nos primeiro de Junho. Foi engano, que padecemos; e o atilado escritor do Censor Lusitano, que vê as coisas em ponto grande, quer pestilências gerais onde brilhe a ciência dos Médicos, e ruínas políticas onde se manifeste e desenvolva a ciência dos Pedreiros: Oportet et haereses esse. Estávamos nós crentes de que as heresias eram verdadeiras calamidades, e só concordávamos em que sendo bem custoso de uma parte à Santa Igreja o ver despedaçada por aquele monstro às vezes milhões de prezas, nem por isso deixava ela de conhecer, e aplaudir por outra parte, que luzia então mais que nunca a firmeza e constância de seus verdadeiros filhos, e que então vocejavam nos seus campos as verdes palmas do martírio; porém nunca entendemos aquela passagem da Escritura como a entende o Censor, e a entendeu um Paradoxista Alemão, que fez um tratado singular: Que as perseguições são uma felicidade para a Igreja.

Não me posso ter que não acrescente duas palavras no tocante ao Jansenismo, de que são arguidos os Ministros e Sacerdotes, que rodeavam Sua eminência. Os Jansenistas costumavam pensar em matérias Eclesiásticas assim pelas ideias do Censor. Não costumam ser tão avessos à autoridade civil que acometam facilmente as suas mais descaradas usurpações. Os Jansenistas fizeram a Constituição Civil do Clero Francês em 1790; e nada mais é preciso para confirmar o que eu acabo de dizer... Sua Eminência sabe perfeitamente que as doutrinas actualmente ensinadas ao seu Clero no Seminário de Santarém, bem longe de serem, ou parecerem Jansenistas, são pelo contrário tão alheias ao Espírito da Seita, e da formal resistência às Bulas Dogmáticas do Sucessor de S. Pedro, que mereceram as honras de uma denúncia no tempo constitucional. Provera a Deus que em todos os Seminários Episcopais deste Reino se tivesse ensinado sempre uma doutrina igualmente sã, igualmente pura, e sem a criminosa pérfidia de nivelar o Sucessor do Príncipe dos Apóstolos com os utros Bispos, deixando-lhe apenas umas sobras de Primado!!!!

Texto

"Graves danos ameaçavam outra vez a Nação Portuguesa levantada do abismo a que o despotismo a reduzira, se admitisse Censura prévia em qualquer objecto, pois que tendo de passar todas qualquer obras, e escritos pela Censura, a ver se contém doutrinas que ofenderam o artigo privilegiado, retardadas e inúteis ficavam as vantagens da liberdade da imprensa, sem a qual absoluta e libérrima não pode existir a Constituição. Em matérias de Religião só teme a liberdade da imprensa o Eclesiástico ignorante, Bispo ou Pároco, que não sabe a doutrina, e não é capaz de defendê-la, ou Eclesiástico, e Secular fanático, que só preza os abusos, e o nome de Religião. Enquanto a nós, amado filho, não tememos que os ímpios impugnem o dogma e a moral da Religião de J. C., porque ele, que assiste à sua Igreja até à consumação dos séculos, nunca a há de desamparar, nem faltar à sua promessa."

Censura

O que aqui vai de erros e delírios! E a darem-lhe sempre com o maldito despotismo, que em frase maçónica existe todas as vezes que os Irmãos Veneráveis não dirigem o leme dos negócios. Baixassem muito embora do Céu os próprios Anjos para governarem qualquer império, de certo incorriam na censura de déspotas, porque não eram, nem podiam ser Pedreiros Livres. Tudo vai mal quando tudo, o que é bom, lhes não cai nas mãos. A fazenda nacional está perdida, quando eles não podem roubá-la. O Exército é de Guardas Pretorianas, quando atira com eles ao Inferno; bem entendido, que só constava de Heróis, de Brutos, Cássios, e Catões, quando quxiliava o Sistema!!! Que belas, que genuínas ideias de liberdade de imprensa!!! Sem ela absoluta e libérrima, confessam eles que não pode existir, nem medrar o Sistema! Isso já nós sabíamos há muito, que a liberdade de sentir mal dos Dogmas Católicos, de os impugnar, e de fazer sair à luz Cidadãos Lusitanos, Retratos de Vénus, e Superstições descobertas, eram a quinta essência do Liberalismo... Lá isso de se perderem almas aos centros pelas más doutrinas é bagatela; perder um Reino inteiro, e sua antiga crença, é outra bagatela: e não sei para que os antigos e modernos defensores do Cristianismo se afadigam tanto para combaterem o erro, e sustentarem a verdade.... Segundo a opinião do Censor, fizeram mal; podiam estar quietos, e dormirem a sono solto, porque Nosso Senhor Jesus Cristo há de assistir à sua Igreja até à consumação dos séculos. Sim, tresloucados Pedreiros, há de assistir-lhe, servindo-se de meios humanos, de Apóstolos, de Mártires, e Doutores para a conservar, assim como se serviu deles para a estabelecer. Quando aparecem as seitas inimigas do Evangelho, como é a vossa, então é do dever pastoral a mais aturada e infatigável resistência a tudo o que visivelmente se destina para semear e propagar falsas doutrinas. Resistiu-vos por esta causa o Eminentíssimo Cardeal Patriarca; no vosso estimado Catecismo de Volney já lhe tinhei metido pelos olhos o que se devia esperar do sistema. Conheceu-vos a tempo, obstou quanto nele era às vossas tão ímpias como desesperadas tentativas. Por isso foi tão criminoso aos vossos olhos, quanto louvado e acreditado para com os nacionais e estrangeiros, que amam a virtude, e prezam os triunfos e exaltações do Catolicismo...

Já me aborreço de tal enfiada de destemperos. Bem lastimosa devia ser para os Mações a penúria de bons escritores; que os seus, coitados, nem português sabiam, e nem sequer aprenderam que é necessário acomodar as palavras ao carácter, génio, situação, e mais circunstâncias da pessoa, em cujo nome falamos, e a quem atribuímos certos discursos. Fazem dizer ao S. Padre, que se ele Patriarca não desse providências sobre a nomeação de Vigário Geral, então a Igreja Lusitana congregada legítima e validamente o faria. Desta arte induzem um Pontífice a acender os brandões do cisma, a a ter como legítimo e válido o que os Mações apenas se contentam de prometer, e que não se lembram de executar depois que observaram como falou nesta parte o seu Mestre Napoleão!! Passemos em claro dois parágrafos, que além de não serem dos mais notáveis, me obrigariam a nomear pessoas de que eu fujo quanto é possível. Demorar-me-hei alguns instante no final desta fictícia, e desconchavada Bula.

Texto

"Temos pena, amado filho, que sofras por tal motivo; pois que os teus sofrimentos, se tivessem por objecto os direitos da Igreja, e unicamente a conservação do dogma e da moral, grande seria o teu merecimento. O Pai das misericórdias, e Deus de toda a consolação, que recebe benigno todo o que volta a ele do caminho do erro, te possa iluminar, para que seja tal o teu procedimento, que a Nação te perde e receba em seus braços. Tal deve ser o objecto das tuas preces, às quais ajuntamos as Nossas, e com elas a Bênção Apostólica para o teu rebanho. Dado em Roma em Santa Maria Maior a 9 de Fevereiro de 1822.  - Pio PP. VII."

Censura

Ah que sem dúvida foi grande o merecimento de quem tão denodadamente pugnou pelos direitos da Igreja, e pela conservação do dogma e da mora! Que refulgente coroa não perderia ele, se a troco de voltar para os seus, a quem ama extremosamente, e de ser outra vez metido de posse da alta Dignidade Patriarcal, e mais que tudo, de vir enxugar as lágrimas a seus súbditos, franqueasse um só momento? Embora ele se visse desamparado, até de quem, tomando aos ombros parte da sua cruz, lha fizesse mais leve e mais suave, e lançando os olhos à sua vasta Diocese, talvez já tarde soubesse que jazia nos cárceres de Lisboa um só imitador do seu exemplo (foi o Prior da Igreja de S. Pedro de Óbidos, a quem deve tocar na história desta perseguição da Igreja Lusitana o lugar imediato ao seu Pastor), nada o quebrantou, nada o fez soçobrar. Somente Portugal Católico poderia ter encantos para ele; Portugal desmoralizado, ímpio, ou constitucional, que é tudo o mesmo fazia-lhe vencer a justa saudade da sua Pátria, e de outro lado a unção da Graça Divina lhe fazia cada vez mais ligeiro o peso da sua cruz... Pressentimentos bem fundados lhe mostravam já próximo um futuro o mais risonho, e o mais consolador. Os fiéis Transmontanos pressão-se a levanta o grito de lealdade. Os ímpios tremem... Seu trono balanceia... Uma Regência é proclamada... O ilustre desterrado vai ser colocado à frente de um Governo Cristão, e verdadeiramente Nacional! A espada do Senhor já se recolheu na bainha... Portugal torna a ser o que dantes era, e um dos primeiros cuidados do Monarca, restituído ao seu Trono, é chamar do desterro quem merecia acções de graças e louvores por ter sido a coluna, sobre quem se firmou e descansou a Igreja Lusitana... Ao silêncio forçá-lo, que se guardara no trânsito de Sua Eminência para o seu desterro, sucedem agora os vivas e aplausos sem conto, para se mostrar que os Povos estão ansiosos de suprimirem desta vez o que lhes faltara da outra, pelo terror honrará o mais fiel de seus vassalos no dia 25 de Julho, não honrará menos o mais heróico defensor da Religião Católica... e a soleníssima e triunfal entrada de Sua Eminência na Capital do Reino, é muito superior à decantada pompa do triunfo entre os Romanos; é um dos prémios temporais, com que o Deus Omnipotente costuma galardoar os Atanásios e Crisóstomos, que voltam de um penoso desterro para a companhia de seus filhos em Jesus Cristo.

Conclusão

Robert de Lamennais
Aprendam os Bispos, os Sacerdotes, e os Fiéis todos, no exemplo do Eminentíssimo Senhor Cardeal
Patriarca, de que modo se tratam e defendem as verdades Católicas. A fim de se autorizar mais e mais um tão nobre exemplo, transcreverei para remate de tudo uma passagem tão atilada, como veemente, de um sábio Escritor francês (De La Mennais Reflexions sur L'etat de L'Eglise en France. Paris 1820, pág. 497 e seg.).

"A franqueza de carácter, que é hoje a doença dos homens honrados, tem ligação com o enfraquecimento da Fé. Treme-se diante da força do homem, e não se ousa acreditar nem a força da verdade, nem a força do mesmo Deus, que sustenta a sua Igreja. Daí procedem tantas concessões lastimosas, que têm por seu único efeito aumentarem a audácia dos inimigos, que se trata de amaciar. Quem capitula está quase para se render. O Cristianismo, nem cede, nem capitula nunca. Falais nas contemplações, que importa guardar para com os homens, e esqueceis-vos das que se devem à verdade. Ah! Deixai-no-la defender, e defendê-la toda inteira; não cedamos nem uma só polegada. Homens pusilânimes, que não ousais combater os combates do Senhor, saí de nossas fileiras. Ide, se vos agradar assim, negociar na sombra com as paixões; levai-lhes em segredo os despojos da Igreja, tirados furtivamente a esta Esposa do Rei dos Reis; fazei tratado com o século, fazei a vossa paz (separada). A nossa é aquela que o mundo não dá, mas que nos dá aquele que disse: Sereis oprimidos neste mundo; porém alentai-vos, eu venci o mundo."

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Senhor Redactor do Punhal dos Corcundas.

Lisboa 16 de Novembro de 1823

Tendo eu remetido ao Redactor da Gazeta de Lisboa a carta constante da cópia Nº 1 com as originais Nº 2 e Nº 3, pedindo-lhe a sua publicação; e havendo nisso dúvidas, como o mesmo Redactor muito atenciosamente me informou; volto-me para o seu interessantíssimo periódico, e lhe peço o particular obséquio de nele publicar todas as três, pois me acho a isso comprometido. - Sou com toda a sinceridade - O seu muito atento venerador

José Acúrcio das Neves.


Nº 1

Senhor Redactor da Gazeta de Lisboa.

Lisboa 21 de Setembro de 1823

Não devendo ficar esquecidos nesta época, em que respiramos livres debaixo do Governo suave de ElRei Nosso Senhor, os rasgos de fidelidade e patriotismo valoradamente praticados nos calamitosos tempos em que a tirania demagógica fazia calar até os mais fiéis e resolutos vassalos de Sua Majestade, porque qualquer expressão que indicasse amor e adesão à Real Família, eram tidas como um crime: rogo-lhe queira publicar as duas cartas, de que lhe remeto os originais, para crédito do seu Autor, que não tenho a honra de conhecer, cujos sentimentos porém fiquei respeitando desde que recebi a primeira das ditas cartas. Se eu lhe merecer este obséquio, como espero, irei remetendo mais algumas da mesma natureza; o que me persuado que concorrerá muito para a consolidação da mais justa das causas, em que toda a parte sã da Nação se acha empenhada - Sou etc.

José Acúrcio das Neves



A tão injustiçada Rainha D. Carlota Joaquina

Nº 2

Peniche 7 de Janeiro de 1823

Ilustríssimo Sr. Desembargador José Acúrcio das Neves

A acertada eleição de V. S.ª para Deputado às Côrtes de Portugal foi de todos os bons Portugueses estimada com tanto aplauso, que geralmente devemos dar à Nação Portuguesa os parabéns pela sua incomparável nomeação; pois nela proporcionou a grandeza e autoridade do lugar com os merecimentos de V. S.ª, os quais há muito tempo eram conhecidos; e mais que nunca agora vistos na justa defesa da nossa Soberana a incomparável Senhora D. Carlota Joaquina: é nesta ocasião que V. S.ª tem adquirido a maior estimação de todo o Povo Português, assim como das pessoas instruídas e bem moralizadas; e fique certo que o futuro fará justiça ao seu merecimento, e vingará qualquer insulto que a impiedade possa presentemente cometer. Quiseram-me dilatar em assunto tão fecundo; porém julgo indiscreto este meu desejo, quando a pública voz da Nação tomou a seu cargo o elogio devido à sua respeitável indicação. V. S.ª ouça, e principie já a gozar da imortalidade que espera o seu ilustre nome, e não se esqueça igualmente dar exercício à minha prontíssima obediência com os seus honrosos preceitos. Deus guarde V. S.ª por muito anos - Seu atento venerador e criado.

João Leal Moreira


Nº 3

Peniche 26 de Agosto de 1823

Ilustríssimo Senhor

Tendo eu a felicidade de me não iludir com as falácias e promessas dos intitulados regeneradores, que há pouco tiveram influência nos destinos de Portugal, de que a Divina Providência nos livrou; tive por este motivo a glória de escrever a V. S.ª uma carta pouco depois da sua sempre lembrada indicação a favor da nossa imortal Soberana, em que, segundo os meus pequenos conhecimentos, dava os devidos parabéns à Nossa Portuguesa por gozar naquela infernal Sinagoga, chamada Congresso, de uma pessoa adornada com todas as qualidades próprias de homem de bem, Cristão, e Português, as quais se encerravam em V. S.ª: nunca tive resposta desta carta; persuadi-me da falta dela por dois motivos, primeiro o não receber V. S.ª a dita carta; segundo, no caso de a receber, ditar-lhe a prudência o não responder. Agora que vi em uma Gazeta um certificado de V. S.ª a respeito de uma igual carta de Juiz de Fora de Portalegre, importuno a V. S.ª para me fazer a honra de dizer, em reposta a esta, se recebeu a minha carta dirigida de Peniche na forma que acima digo, assinada pelo meu nome. Não pretendo este documento pelos motivos que o dito Juiz de Fora pretendeu; nem para o fazer público em papel algum, pois felizmente a minha conduta no passado sistema não precisa de justificação alguma para provar a minha adesão ao Governo absoluto de S. M. F., assim como um ódio inalterável aos inimigos da Religião Católica Romana. - Sou com toda a consideração de V. S.ª - Atento criado e venerador.

João Leal Moreira.

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LISBOA: NA IMPRESSÃO RÉGIA. 1823

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