20/08/15

"EU NÃO SOU UM REBELDE" - Com Crítica (I)

EU NÃO SOU UM REBELDE
ou
A QUESTÃO DE PORTUGAL EM TODA A SUA SIMPLICIDADE:

Oferecido
aos
Políticos Imparciais,
e aos 
Homens de Boa Fé

por
António Ribeiro Saraiva,
Emigrado Português

impressa em Paris em 1828
traduzida em português
por um amigo do Trono, e do Altar.

LISBOA, 1828


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António Ribeiro Saraiva
"Se o Rei, que temos proclamado, tinha um direito legítimo para o ser; o dever dos Súbditos era seguí-Lo, e obedecer-Lhe" (Manifesto autêntico da Nação Portuguesa à Europa em 1641, na ocasião de se subtrair ao intruso domínio da Espanha).


PREFÁCIO

Todo o Escritor que defende a justiça por amor dela mesma, e quando esta justiça é de toda a evidência, pouco trabalho, e nenhuma dificuldade tem para dispor os Leitores em seu favor; por isso o que unicamente exijo e peço é, que se pesem bem, e imparcialmente minhas razões. Nós, os realistas portugueses, havemos sido incomodados, constrangidos, desprezados, e exulados pelos Governos Legítimos. Eu mesmo, pessoalmente, fui obrigado a sair de Paris para uma residência forçada na distância de 60 léguas da capital de França, e isto em um momento que me achava de cama grave e perigosamente enfermo; e assim mesmo obedeci. Ah! apesar disto, como somente me dirijo por princípios, e não por interesses particulares, jamais deixarei de ser sempre o amigo da legitimidade, e dos governos legítimos. Os jornais franceses, e estrangeiros têm anunciado o meu desterro, bem como o de outros emigrados portugueses; um certo se dignou ocupar-se mais particularmente a meu respeito, e tem publicado as circunstâncias que agravavam minha posição. Muitas pessoas me reputaram um homem perigoso, ou um criminoso; mas o motivo claro e justificado do meu desterro não era outro, senão o de me impedir e desviar (a requisição do Embaixador de Inglaterra, e do Encarregado dos Negócios de Portugal) de falar ao Príncipe Senhor D. MIGUEL, quando passasse por esta capital: com tudo nada mais tinha a dizer ao meu Príncipe, do que quanto aqui digo a todo o mundo: eu mesmo pedi a quem tinha o poder de o conceder, que me fosse permitido falar ao Senhor D. MIGUEL na presença mesmo do Embaixador de Inglaterra, se ele tinha nisto algum interesse; e como eu não tinha a dizer, senão a verdade, estava pronto com todo o gosto a falar diante de quem quer que fosse. Agora (18 de Fevereiro de 1828) que o Príncipe Senhor D. MIGUEL não pôde ouvir-me antes de chegar a Portugal, e proceder ali como for do Seu agrado, seja-me permitido dizer altamente a verdade: se esta não pode agora servir para reclamar aqui mesmo respeitosamente na presença do meu Príncipe os direitos da minha pátria, e para Lhe expor quanto, apesar da opressão, esta prática reconhece, respeita, e estima os do Sucessor Legítimo do Senhor D. João VI, do qual ela implora um socorro, que só Ele pode trazer às desgraças da nação, que O viu nascer, e que O adora; espero ao menos que esta voz da verdade encontrará ouvidos para a atender, e coração para a amar. [a causa central é a da legitimidade de D. Miguel ao Trono de Portugal e as perseguições feitas em favor do ilegítimo D. Pedro de Alcântara seu irmão mais velho. António Ribeiro Saraiva teve a infelicidade de só ter em conta a legitimidade dos reis e não e não a ilegitimidade dos novos sistemas "monárquicos" (liberais-constitucionais) face à monarquia tradicional.]

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EU NÃO SOU UM REBELDE:
ou
A QUESTÃO DE PORTUGAL
Em Toda a Sua Simplicidade

Direi ainda alguma coisa antes da Questão

Toda a Europa sabe o que nós temos feito, nós os realistas portugueses, que mais exactamente deveriam chamar-se patriotas portugueses [mas a questão da legitimidade de D. Miguel é pouco para conferir título de "patriota"] de que o mundo virá a convencer-se, como espero. Havemos recusado obedecer a um soberano, que não reconhecemos como nosso, por ser excluindo do Trono Português pelas nossas Leis, assim como por suas próprias convenções [mesmo um soberano ilegítimo quando está no poder deve ser obedecido no mínimo necessário nas coisas que não são conta a Lei legítima e o bom costume, permanecendo a nossa obrigação de devolver o legítimo Rei ao seu lugar], nós nos temos julgado, e nos reputamos ainda os defensores da legitimidade, e aos mesmo tempo dos privilégios e direitos do Povo português [Clero, Nobreza, Povo; pelo que seria melhor ter dito "portugueses"]. Todos os Governos da Europa nos tem tratado de rebeldes. Sem discutirmos agora os motivos da justiça, ou da injustiça, que se nos tem feito, procuraremos, em boa fé, ver quem se engana, quem é injusto, nós, ou a política?

Mas apresentaremos à reflexão de nossos leitores doze questões simples, antes de entrarmos no exame da principal.

Espero que não será chamado Rebelde aquele que defende o Governo Legítimo da sua Pátria? [esta causa apenas tratou da legitimidade do Rei, e não do governo. Mesmo que D. Pedro de Alcântara tivesse permanecido com o direito ao Trono de Portugal, a sua governação seria ilegítima por romper com a Monarquia Portuguesa que é tradicional.]

O Governo Legítimo não é aquele que tem as qualidades requeridas pelas Leis? [Depende do que está a entender por "lei", e não apenas pela "lei", pois as leis são muitas vezes a sistematização de costumes, pelo que se haverá de concluir que a lei pode não bastar para resolver certos casos atípicos.]

As Leis que regulam e determinam estas qualidade, não são as Leis Fundamentais das Nações, onde existem? [A pergunta não deveria ser "as leis que regulam e determinam estas qualidades..." mas sim "as leis que devem regular e determinar estas qualidades", pois um Reino pode ter leis más, e estas não são realmente legítimas nem devem ser assentamento para nada: depois de um princípio mau seguem-se más e erradas consequências. As leis más, devem ser mais rapidamente "depostas" que os maus reis.]

Não tem a Nação Portuguesa Leis Fundamentais, que regulam e determinam a natureza de seu Governo, assim como a ordem de sucessão à Coroa deste Reino?

As leis fundamentais, que regulam e determinam a ordem de sucessão à Coroa Portuguesa, não consistem nas disposições das Côrtes de Lamego, e nas disposições das Côrtes posteriores, que aquelas se referem, principalmente as de 1641? [Sim, e também a notícia dos costume nos demonstra que essa é lei nossa]

Pode-se pois ser Rei Legítimo de Portugal contras as disposições das sobreditas Côrtes, sem que o Rei legítimo tenha feito legalmente uma mudança nas mesmas disposições?

Não há por ventura um modo único e legal, estabelecido para fazer mudanças disposições fundamentais do Reino? [o que está em causa não pode ser alterado por mera vontade do Rei nem das Côrtes, tal seria uma ocupação ou uma destruição]

Acaso terão sido legalmente mudadas estas Leis depois da morte do Senhor D. João VI?

Segundo as disposições das Leis Fundamentais de Portugal, o Imperador do Brasil não está excluído da sucessão ao Trono Português, e por conseguinte a Coroa não devolve aos Senhor Infante D. MIGUEL?

10ª
A Europa não tem acaso reconhecido legítima a ordem de sucessão à Coroa Portuguesa, estabelecida em Portugal pelas Côrtes acima mencionadas?

11ª
Não tem pois a Europa sido injusta em nos chamar Rebeldes, a mim, e a meus honrados compatriotas, que temos defendido os direitos, a independência, e a liberdade de nossa Pátria, e de nosso Príncipe?

12ª
Os Governos da Europa são por ventura dispensados de serem consequentes consigo mesmos?

Eis aqui bastantes perguntas, às quais os partidistas do Senhor D. Pedro seria difícil responder alguma coisa, que  lhes seja favorável! Eu também os desafio a entrar em discussão, e mostrar ainda uma vez (na Gazeta oficial de Lisboa, pouco depois da chegada da Carta Brasileira, se publicou uma refutação das razões, que os defensores da verdadeira Constituição da Nação Portuguesa alegavam contra os pretendidos direitos do Senhor D. Pedro [estas constituições não são legítimas - porque o governo de Portugal sempre foi feito por um mecanismo diferente: perante as necessidades eram encontradas as soluções adequadas tendo por Lei irrevogável a Doutrina e a Lei de Deus, e o conjunto de aplicações, costumes, e novas leis dali derivados são um conjunto orgânico que não são constituição mas fruto dela, por assim dizer. No fundo, sempre tivemos constituição, e a tentativa de fazer uma nova constituição não pode menos que levantar suspeitas]. A mais forte razão dada nesta apologia oficial da Gazeta, era "que D. Pedro não podia ter perdido os direitos à Coroa de Portugal por ser Imperador do Brasil, do mesmo modo que Afonso V os não havia perdido por fazer a Guerra em África, e tomar o título de "Africano" por memória de suas victorias ali alcançadas." Todo o mundo, nos dispensará de responder, não tinha o escudo de Aquiles para cobrir os direitos do Senhor D. Pedro) a futilidade de suas razões.

Quanto a mim, teria muito que responder a cada uma destas questões; mas, além de que as respostas por si mesmas se apresentam a quase todas as minhas doze perguntas, como não quero embrulhar ou confundir uma coisa clara e simples de sua natureza, ocupar-me-hei unicamente com algumas proposições, que não serão muito agradáveis aos amantes de Constituições ou Cartas importadas de país estrangeiro: contudo é para os obrigar a ser razoáveis, que eu passo o meu tempo com estes meus Senhores.

(a continuar)

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