19/04/15

OS NOTÁVEIS DESACATOS OCORRIDOS EM PORTUGAL (IV)

(continuação da III parte)

Empregadas todas as diligências para o descobrimento dos delinquentes, ficaram compreendidos quatro. Francisco Rodrigues, Manuel da Silva, João Baptista Cardoso, e José António da Luz. Foram sentenciados por Acórdão de 17 de Maio de 1780: os primeiros três a serem arrastados com braço e pregão até ao Campo de Santa Ana, e ali serem-lhe cortadas as mãos em vida, e queimadas, e depois morrerem de garrote, e ultimamente serem seus corpos queimados, com perda de todos os seus bens para a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia, onde cometeram o delito. O último réu, que tinha ficado fora a vigiar armado, em quanto se fazia o roubo, foi condenado a ser enforcado, e cortada a cabeça, para ser posta no lugar do delito, e em cem mil réis para as despesas da Relação.

A Rainha Fidelíssima, a Senhora D. Maria I, imitando a piedade e zelo dos seus Augustos Predecessores, deu muitas providências para o descobrimento dos delinquentes; e, para desagravar a Jesus Cristo, ofendido na sua mesma Divina e Adorável Presença, fez muitas demonstrações, e actos religiosos de sentimento.

Ordenou ao Senado da Câmara que assistisse a uma Procissão de Desagravo, assim como toda a Côrte, e que se observasse um rigoroso luto para nove dias, cujos se acabaram no dia da Procissão, a que foram Suas Majestades (Aviso de 23 de maio de 1779).

Ordenou que a Igreja Matriz da Vila de Palmela se cantasse anualmente uma Missa em Desagravo do Santíssimo Sacramento pelo desacato ali cometido (Aviso de 11 de Maio de 1781).

Igreja Matriz de Palmela
Aqui [se verá] que no decurso de quatrocentos e dezassete anos, que tantos vão desde 1362 até 1779, só se viram em Portugal cinco desacatos. Feliz Reino, ditoso Povo, onde a Religião, e a impiedade não impera!

Não é possível na brevidade do meu intento dar ao público uma exacta notícia de todos os desacatos cometidos neste Reino desde 1779 até ao presente; porque têm sido tantos, e tão frequentes, que por si somente fariam um grande volume. Mas não deve admirar-se, se nos recordarmos que tudo isto são efeitos da primeira explosão da impiedade no Reino de França. as doutrinas anti-religiosas e anti-sociais, que tanto se têm propagado, a desmoralização dos povos, e o fanatismo da liberdade, são a origem funesta de tantos crimes, e tão horrendos atentados contra a Religião, e contra aquilo que nela há de mais sagrado.

Contento-me pois em dar ao público a notícia dos três últimos, acontecimento no decurso de poucos meses; e com isto fecharei a boca à torrente da impiedade, que raivosa, e exasperada por ver os frequentes actos de Religião, com que os verdadeiros Portugueses pretendem desagravar a Jesus Cristo, quer persuadir às almas piedosas, e simples - que a história dos desacatos é falsa, e que são invenções do fanatismo para iludir os povos, e fazer-lhe criar ódio contra o Rei, e seus Ministros.

Desengane-se pois o Mundo todo, de que a impiedade e filosofia do século só no meio da intriga, e da cavilação pode propagar suas ideias, e concluir seus projectos. Vejamos pois a história dos desacatos.


Na noite da antevéspera de Natal do ano passado de 1824 foi roubada a Igreja da Colegiada de Santa Maria de Alcáçova da Vila de Monte-mór o Velho, situada no centro do Castelo da mesma Vila. Entraram os malvados pela torre, subindo aos telhados pela parte mais baixa; arrombaram algumas portas do interior, e a do Sacrário, donde tiraram o Vaso Sagrado, despejaram as Sagradas Formas sobre o Altar, e as cobriram com a toalha; levando ao mesmo tempo uma rica Imagem de Jesus Cristo Crucificado, que estava na Sacristia. Não se sabe por ora quem foram e quantos os cúmplices deste delito, apesar das devassas, e averiguações que sobre este facto se têm feito.

Igreja de Sta. Maria da Alcáçova, dentro do castelo de Montemor-o-Velho
Informado disto, D. Fr. Joaquim da Nazaré, fez convocar os Párocos e Eclesiásticos daquela Vila e suas vizinhanças, e os Pais de família com seus filhos desde oito até doze anos, e fez uma pública Procissão de Penitência, acompanhando ele mesmo este acto com os pés descalços, e hábitos de humilhação!!! Ao outro dia se fez uma Festa de Desagravo, em que o mesmo Religioso Prelado fez uma Homilia análoga às circunstâncias; subindo ao púlpito o seu Secretário, que prégou sobre o mesmo objecto.


Sucedeu na noite de vinte e dois para vinte e três de janeiro deste ano na Igreja de S. Pedro de Queimadela, Arcebispado de Braga. Arrombaram os agressores o Sacrário, donde levaram o Vaso de prata, em que estavam as partículas consagradas, sem que aparecesse uma só, assim como uma Hóstia consagrada em maior forma, que ali ainda se conservava, depois de ter servido para a Exposição na Festividade de S. Sebastião, no dia 20 do mesmo mês de Janeiro. Roubaram igualmente dois Cálices, um todo de prata, e outro só com a cúpula dela, duas Patenas, uma Colherinha, e Chave do Sacrário, e duas Coroas de prata de Imagens de Nossa Senhora, que tudo estava fechado num armário na parede da Sacristia.

ElRei Nosso Senhor, cuja piedade é bem pública e notória, querendo desagravar a Divina majestade ofendida, e castigar os iníquos agressores de tão horrendo desacato, ordenou ao Corregedor do Crime da Cidade do Porto fizesse as mais exactas averiguações, prometendo prémio a quem denunciasse os criminosos (Carta Régia de nove de Fevereiro de 1825).


Na tarde de 7 de Março do corrente ano, das seis para as sete horas, na Capela de Nossa Senhora da Lapa, sita no Campo de Santa Ana da Cidade de Burgos, onde tinha estado Exposto naquele dia o Santíssimo Sacramento em Lausperene, no momento em que o  Sacerdote tirava da Custóodia a Hóstia consagrada, para a depositar no Vaso sagrado, e recolher ao Sacrário; quando o povo todo de joelhos fazia em profunda reverência a sua adoração, foi vista com geral espanto ser lançada uma porção de lama ou imundicia em direcção ao centro do Altar, que manchando em parte os Corporais, a Toalha do Altar, a Murça e Sobrepeliz do Sacerdote, a Sacra do lado do Evangelho, uma parte da Banqueta, e Cortina do mesmo Altar, não chegou a tocar, e ofender contudo, pela Divina Providência, nem a Hóstia sagrada, nem a Custódia, nem o Caso sagrado.

Um tão sacrílego, inaudito, e horroroso atentado tocou vivamente o coração de todos, e o do nosso amável Rei, que para descobrir o malvado e nefando autor de tão enorme sacrilégio, ordenou aos seus Ministros que procedessem a todas as diligências possíveis para o castigar como merece (Carta Régia de 16 de março de 1825).

A tal ponto tem chegado a impiedade, a ireligião, e o desprezo daquilo, que a nossa Santa Religião tem de mais respeitável!

Apesar disso ainda existem neste Reino verdadeiros Católicos, e amantes da Religião. Sucessivamente, depois destes desacatos, se têm observado por toda a parte públicas demonstrações de sentimento, para desagravar a Divina Majestade ofendida; sobre tudo nesta Capital, onde se tem observado, para confusão dos ímpios, repetidas Provisões de Penitência, Tríduos, e Festas de Desagravo, tendo eu mesmo sido por muitas vezes o intérprete dos sentimentos do público, prégando em diversas Igrejas desta Capital, sendo uma delas a Paroquial Igreja de Santa Isabel Rainha de Portugal, onde, no dia 17 de Abril, préguei os seguinte Discurso:

(continuação, V parte)

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