16/12/14

DO CONDE D. HENRIQUE - por D. Fr. Fortunato de S. Boaventura (VII)

(continuação da VI parte)

XIX

Então de quem é descendente o nosso Conde D. Henrique, me perguntarão com certa impaciência os meus leitores! Já tenho respondido, que dos soberanos da Hungria. Mas de que modo, e qual a sua ascendência paterna? Confesso, que não me atrevo a decidir; porém não tenho por ora, nem com que me desvaneça inteiramente da origem borgonhesa, nem com que tenha por demonstra a origem veneziana. Fazem-me grande peso os autores coevos, a saber, Hermano Contrato e Wippo; mas o texto da crónica do primeiro tem sofrido tais interpolações e alterações que só por ele não me julgo em termos para afirmar, que o citei exactamente; e posto que o segundo, até pela sua naturalidade, possa e deva pesar mais na balança, fico todavia perplexo ao ver, que João Pistorio o não seguiu, quando era o próprio editor clássico dos venezianos e suas coisas não achei suficiente clareza para me decidir por uma vez.

Coroa do Rei Sto. Estêvão da Hungria

XX

Mas que faremos (podem continuar os meus leitores) aos dois argumentos fortíssimos, que vêm a ser: 1º que o Rei D. Pedro não teve descendência dos seus dois matrimónios; 2º que os nossos historiadores seguiram o cronista Duarte Galvão, e quando mais a Fernão Lopes, que não haverá testemunho anterior aos dias deste cronista, que nos prove tal ascendência? Em quanto ao primeiro responderei, com os autores alemães e húngaros, de prole nihil constat, (1) o que não é afirmar, que de certo não a houve; e pela narração de Hermano Contrato, que depois de nos contar, o que ele qualifica de perfídia dos húngaros contra D. Pedro seu Rei, acrescenta que depois de serem mortos os que foram leais... variis cum conjuge sua alendum deportat, ao que na edição, que eu pude consultar, se ajuntou à margem uma variante mais difícil de entender, e pareceu-me que filios cum conjugesua alendos deportat poderia ser a verdadeira lição; e quando na Hungria não ficassem vestígios de que o Rei Pedro tivera filhos do segundo matrimónio, creio que não seria esta a primeira vez em que a memória de pessoas, que tivessem deixado na infância o país da sua naturalidade, fosse absolutamente desconhecida neste, e mui vulgar no outro,ou na sua pátria adoptiva. Enquanto ao segundo; se os nossos historiadores tivessem lido o testamento do Arcebispo e heroi português D. Lourenço Vicente, que se guarda no arquivo da Sé de Braga, teriam sido mais comedidos em censurar os cronistas Lopes e Galvão, e não teriam desdenhado do epitáfio, que o Arcebispo D. Diogo de Sousa mandou pôr no jazigo do Conde; pois muitos anos antes de 1512, isto e, em 1397, ao mais tardar, escrevia o louvado arcebispo esta verba em seu testamento: "Mando sepultar e subterrar o meu corpo na capela minha, que ordenei de consentimento do Cabido da dita igreja Catedral de Braga, junto com as paredes da dita igreja, e aí onde jaz enterrada a Rainha D. Teresa e o Conde D. Henrique seu marido, filho que foi de el-Rei de Hungria."

Quem defendeu com a espada nos memoriáveis campos de Aljubarrota o Senhor D. João I era versado nas ciências e letras humanas, e frequentou os liceus de Tolosa, Montepellier e Paris, era assaz digno de sustentar com exactidão e devido conhecimento de causas a verdadeira linhagem dos nossos Reis; e a sua pena é para mim não menos valiosa na presente questão histórica, do que o foi a sua espada nas questões políticas e lides guerreiras.

(continuação, VIII parte)

3 comentários:

VERITATIS disse...

Caro Ascendens,

Em defesa da mesma tese, constato que n'Os Lusíadas, Canto III, 25ª estrofe, está escrito:

Destes Anrique (dizem que segundo
Filho de um Rei de Hungria exprimentado)
Portugal houve em sorte, que no mundo
Então não era ilustre nem prezado;
E, pera mais sinal de amor profundo,
Quis o Rei Castelhano que casado
Com Teresa, sua filha, o Conde fosse;
E com ela das terras tomou posse.


Cumprimentos.

anónimo disse...

Reaccionário,

obrigado por comentar.

Se não estou em erro, num dos números anteriores, Camões foi referido por Fr. Fortunato de S. Boaventura.

Embora Camões são possa servir como referência tão segura, que dispensasse todo o trabalho de Fr. Fortunato, é sempre muito oportuna e ilustrada a transcrição que aqui nos trouxe. Obrigado!

Vote sempre.

anónimo disse...

Aos leitores:

Poderá parecer que a legitimidade de Portugal da-se pela via de D. Henrique. Ou seja, que Portugal fosse um reino nascido de um condado oferecido pelo rei de Leão! Mas, na verdade, a importância do estudo a respeito de D. Henrique está na ORIGEM REAL da primeira dinastia. Portanto, que a nossa primeira dinastia é de sangue real, não por via materna (Leão), mas por via paterna (Hungria).

A pertinente questão do condado, ao contrário do que pode parecer às mentes modernas, coloca fim ao que teimam em dizer que houve uma rebelião contra Leão, porque por parte de Leão houve a OFERTA do condado, o que não se limita ao oferecimento de título transmissível. Claro que este argumento deixaria de ser necessário, se colocada em causa a formação e legitimidade de tal condado.

Para lá da origem do sangue da Casa Real portuguesa, além da discussão da POSSE administrativa, está a posse territorial dos proprietários antigos do nosso território, esta a dispersa mas existente identidade sueva (primeiro povo cristão entre nós), existe a questão da Lusitânia entre outras...

Não teria sentido que D. Afonso Henriques tivesse tentado conquistar terras em Galiza, sem que houvesse um bom e honesto fundamento, podendo ou não estar equivocado. Fazer de tal motivo um capricho, não nos deverá caber sem que para isso haja provas claras!

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