Em 2007, fomos "deliciados" com o programa televisivo "A Força do Espírito", transmitido pela RTP1 desde a actual Basílica da Santíssima Trindade (no Santuário de Fátima). Foram os intervenientes: Card. Patriarca de Lisboa (D. José Policarpo), o Card. Saraiva Martins, D. António Marto (Bispo de Leiria-Fátima), o Dr. Mário Soares, e o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa. A transmissão foi feita em directo, a 13 de Maio. A entrevistadora foi Fátima C. Ferreira.
Estamos perante um "documento" significativo, que tive a oportunidade de registar em vídeo (depois, verter para texto).
Apenas os leitores conhecedores da doutrina e pensamento tradicional católico poderão entender com facilidade que aqui é clara a coincidência dos falsos valores da maçonaria com os do clero actual. Mas não só: o facto de que este aviso tenha que ser feito, é sinal de que também a sociedade já está impregnada destes falsos valores.
Apenas os leitores conhecedores da doutrina e pensamento tradicional católico poderão entender com facilidade que aqui é clara a coincidência dos falsos valores da maçonaria com os do clero actual. Mas não só: o facto de que este aviso tenha que ser feito, é sinal de que também a sociedade já está impregnada destes falsos valores.
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Fátima C. F. –
Boa noite. Raras vezes temos oportunidade de reunir, no mesmo debate,
notáveis da Igreja e outros ilustres da sociedade. Este é um momento
histórico para o santuário de Fátima. A recente inauguração da Igreja da
Santíssima Trindade é uma oportunidade para reflectirmos nas relações
entre a Igreja e a sociedade, numa altura em que polémicas como a das
capelanias ganham espaço na actualidade. Há ainda a importância do
diálogo inter-religioso, ou mesmo entre religiosos e não religiosos ou
entre os crentes e não crentes. E vale também a pena debater o futuro da
Igreja numa Europa integrada e cada vez mais alargada, a influência da
raiz cristã na cultura europeia.
Por
último, no séc. XXI, o que significa “a força do espírito”? Que
importância tem nas sociedades contemporâneas, nas religiões e na paz?
Estamos aqui, junto ao templo mais recente do país, a igreja da
Santíssima Trindade, no santuário de Fátima. A meu lado tenho os
cardeais D. José Policarpo, D. José Saraiva Martins, o bispo de
Leiria-Fátima D. António Marto, e ainda Mário Soares, presidente da
comissão da liberdade religiosa, e Marcelo Rebelo de Sousa.
Muito
obrigada meus senhores por terem acedido dar estas entrevistas, que
serão um pequeno debate, um pequeno diálogo num momento histórico, como
disse, para o santuário de Fátima.
Ora bem. Senhor D. José Policarpo, começo por si.
Na próxima
quinta-feira vai ser assinado em Portugal o tratado constitucional
europeu, que tem sido bem acompanhado pela Igreja, desde já há longo
tempo. Ora em Dezembro passado o Papa Bento XVI visitou a Turquia e,
juntamente com o Patriarca Ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I,
assinou uma declaração conjunta de valorização de do caminho da
unificação europeia, traçando também a noção da essência dos direitos
humanos e do diálogo inter-religioso.
O senhor
pensa que estes direitos inalienáveis da pessoa humana, como assim ficou
registado nesse documento, estão bem salvaguardados no texto deste
tratado constitucional?
D. José Policarpo –
Eu deva reconhecer, para honestidade com os nossos ouvintes, que não
tive oportunidade de ler o novo texto do tratado europeu, que pelos
vistos vai ser assinado em Lisboa e que
ficará com o título de “Tratado de Lisboa”. Mas, tendo em conta que as
alterações, em relação ao antigo tratado, consta-me que são de pormenor e
não de fundo, eu diria duas coisas: Primeiro, que este tratado é
importante para o futuro da comunidade, na medida em que os tratados
anteriores que estão em vigor, quer o Tratado de Nize quer o Tratado de
Maastricht, não respondem já a toda a problemática de uma comunidade
alargada a 25 membros, com uma tendência que eu não sei o que o futuro
nos reserva, mas com uma tendência que é nova na União Europeia, que é a
da União se identificar cada vez mais com a Europa, e aí temos
problemas muito específicos, estou a pensar nos problemas com a Rússia,
em que recentemente participei num simpósio organizado pelo Pontifício
Conselho para a Cultura em colaboração com o Patriarcado de Moscovo que,
alias, fez-se representar por uma delegação de alto nível, e onde foi
possível nós adquirirmos os pontos comuns e os pontos de divergência que
há entra a chamada União Europeia, que é o nosso universo, e o resto da
Europa que está fora da União.
Bem… e
respondendo à sua pergunta “em que medida estes valores estão a ser
respeitados”. Repare, em todo o processo histórico das democracias
ocidentais nós temos que ter a sabedoria de distinguir entre a afirmação
de princípios fundamentais, e esses estão completamente adquiridos nos
textos constitucionais dos países e nos valores protagonizados nas
“igrejas” quer até pelas outras forças não crentes, laicas, que se
identificam com a democracia e não propriamente com a Igreja. Esses
valores fundamentais são, o respeito pela pessoa humana, a liberdade,
sobretudo a liberdade de consciência, das quais faz parte a liberdade
religiosa, que é uma das suas expressões paradigmáticas e privilegiadas,
e essas são respeitadas, mas o problema é o terreno, ou seja, a
implantação desses valores na pratica social, que até escapa às
políticas directas desses governos. E aí todos nós, penso que seria
também esconder a cabeça debaixo da areia desconhecermos que estes
valores fundamentais, a não-violência, os direitos humanos, o respeito
pela dignidade das pessoa humana, o respeito pela vida, a própria defesa
das liberdades fundamentais, muitas vezes são postas em questão pelo
pragmatismo da vida das sociedades e no dia-a-dia das sociedades. E
portanto a luta, hoje, e que eu penso que esse é um dado positivo do
mundo em que vivemos, não é já apenas uma luta da União Europeia mas é
uma luta globalizada, de todo o mundo. A luta é – como passar da
afirmação fundamental dos princípios que são defendidos. E que inspiram,
digamos assim, uma sociedade digna do homem, para a sua prática na vida
social, na vida política, na vida de todos os dias. Aí, penso, que a
União Europeia tem um caminho a andar embora penso que a Europa, e aí
pesa o seu passado cultural, a sua ancestralidade cultural, a Europa,
como em muitos outros momentos da história, tem um papel, chamar-lhe-ei
profético, simbólico, ponto de referência nesta caminhada do mundo para o
pôr em prática estes valores fundamentais.
Fátima C. F. –
Para si não era condição absoluta, não haveria uma necessidade absoluta
de constar num preâmbulo, por exemplo, a raiz cristã da Europa?
D. José Policarpo –
Repare, ai põe-se, antes de mais, uma questão técnica – penso que o
Prof. Marcelo Rebelo de Sousa é aqui, neste grupo, a pessoa que poderá
esclarecer essa questão. Eu penso que o preâmbulo nasceu numa altura em
que este tratado era concebido para uma constituição. Depois tomou-se
consciência de que não era propriamente uma constituição que…e...
Fátima C. F. – Era um Tratado Constitucional ...
D. José. Policarpo -
…de qualquer maneira, optaram por um modelo anglo-saxónico de
constituição com um preâmbulo que inspira, digamos assim, os valores
fundamentais do tratado. Bem … e eu acho bem.
Uma vez
que no preâmbulo se quis fazer uma referência à matriz cultural da
Europa e, como sabe, isso é hoje uma questão em discussão, por exemplo
no parlamento europeu, por vezes surge a tese de que não há uma cultura
europeia e há várias culturas europeias. Penso que há uma cultura
europeia, que é a convergência de diversas matrizes culturais na Europa,
mas, uma vez que se pôs este problema, em termos de técnica de análise
cultural isso não é um problema confessional. Para os jornais saltou uma
questão como Igreja querendo dar uma dimensão de confessionalidade ao
tratado europeu. Não é nada disso. É que se se fala de cultura nos temos
que fazer a análise da origem das estruturas culturais tendo em conta
que a mutação cultural pode fazer evoluir essas estruturas. E olhar para
a Europa e desconhecer que o cristianismo, o judaísmo, em sua parte o
islamismo, foram matrizes absolutamente decisivas nos valores que depois
fundamentaram a democracia, porque a própria democracia, as democracias
europeias, os grande valores democráticos, são valores que na sua raiz
são valores cristãos. E portanto … agora queria que ficar muito claro
que esse não é um campo de batalha prioritário, agora. Para mim é mais
importante como as “igrejas” e os “cristãos” se vão comportar na
constituição da Europa e no mundo do futuro.
Fátima C. F. –
Duas questões, Sr. Dr. Mário Soares, que uma o Sr. D. José Policarpo
acaba de lançar: Seria importante para este tratado constitucional
reflectir esta matriz judaico-cristã da Europa (matriz cultural)? – por
um lado – e outra, a outra tem justamente a ver com o facto deste
tratado reflectir ou não, também, valores inalienáveis de direitos da
pessoa humana.
Mário Soares – Bem. Esse problema é realmente um problema que foi muito discutido no parlamento europeu.
Mas eu
quero começar pela sua pergunta inicial. Eu acho que ainda não há
tratado porque enquanto não for assinado o tratado o tratado não existe.
Existe a partir do momento em que ele for assinado pelos 27 membros da
Comunidade Europeia. Aquilo que se sabe do que vai ser o tratado é
pouco, porque é um mandato que foi tornado público pela senhora Merkel
que deu ao governo português. Eu não tenho dúvida que o governo
português fez, e continua a fazê-lo, para que este tratado venha a ser
aprovado, venha a assinado e passe a ser um tratado que eles chamaram
“reformador” mas que será o “tratado de Lisboa” se ele vier a ser
assinado em Lisboa, como se espera.
Fátima C. F. – Como o Sr. Dr. Sabe, o texto já está na Internet. É público.
Mário Soares –
Está o texto mas não estão as assinaturas. Não foi discutido. Um dia
eles podem recusar-se a assinar e portanto o texto não vale nada.
Eu ainda
acho que há dificuldades que não estão ultrapassadas, julgo eu. Mas não
tenho informação suficiente para poder afirmar isso. Gostaria muito que
fosse, embora não goste do tratado; devo dizer. Mas porque é que eu
gostaria que fosse? Por uma razão pragmática. É porque isso representa
um passo em frente na Europa, e eu sou “europeísta”. Eu sou a favor de
uma Europa política, uma Europa a favor dos cidadãos, uma Europa
federal. Eu sou a favor daquilo que é, digamos, o conceito fundamental
da União Europeia que é talvez a experiência política, POLÍTICA, mais
importante do séc. XX e talvez póstumo. E vai ser um marco na nossa
civilização, porque realmente, pela primeira vez, países que estavam
desavindos sempre, que tinham dado origem a guerras mundiais, fizeram a
paz. Portanto, o objectivo principal da constituição europeia é a paz. E
esse continua a ser o grande objectivo.
Depois
põem-se outros problemas visto que há, evidentemente, uma Europa destas
há as grandes dificuldades que resultam de 27 culturas diferentes. Há
culturas na Europa. Há um conjunto, e é o problema que colocou o senhor
Cardeal há pouco, há um problema conjunto de certos valores, certos
princípios que são de natureza a unir e a poder chamar de “uma cultura
europeia”? Eu acho que sim. E acho que sim porque andando pelo mundo eu,
nas Américas, não me sinto americano, sinto-me europeu.
Fátima C. F. – Qual é a matriz dessa cultura para si, Sr. Dr. ?
Mário Soares
– Bem… É difícil explicar. A matriz são, fundamentalmente, grandes
valores. E um dos valores é a laicidade. É um valor importante, para…
porque foi… Evidentemente que há raízes, visto que há raiz
judaico-cristã, é incontestável, na Europa. Mas também há a grega,
também há anterior aos gregos, mas também aqui estiveram os fenícios, os
bárbaros, estiver muitas civilizações que passaram pela Europa. Tudo
isso deixou as suas raízes, mesmo em Portugal. Portanto, nós não podemos
dizer que a única raiz é a judaico-cristã. Não podemos dizer isso. E
depois há todos aqueles estrangeiros que vieram para a Europa e vivem
aqui. Há muitos muçulmanos, há muitos budistas. Nós em Portugal, antes
da revolução do 25 de Abril. Não tínhamos praticamente pessoas de outras
confissões de peso importante aqui, nem sequer judeus. Agora temos
realmente muitas “igrejas” que coexistem aqui em Portugal e é muito
importante que coexistam em paz.
A Europa
é, portanto, antes de mais nada, um projecto político e um projecto de
paz, e só depois é um projecto económico e financeiro. Ora, há países,
como por exemplo o Reino Unido, que entende a Europa não como um
projecto de paz, ou projecto político, mas como projecto económico de um
livre-câmbio com os países europeus, e ficam-se por aí.
Eu acho
que, porque o tratado fez conceções graves, nesse aspecto eu não sou um
grande apreciador desse tratado e sou muito crítico. Queria mais.
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(a continuar)
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