31/10/14

FLORES DE HISPANHA, EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL (IX)

(continuação da VIII parte)

EXCELÊNCIA IV
Portugal Parece Cabeça do Mundo

Alem disso, Portugal está colocado em tal sítio e lugar no mundo que aparece como cabeça de todo ele [Europa]; que prevendo Deus na criação do mundo as grandes excelências que havia de ter este Reino, o quis fazer cabeça do mundo e dar ao mundo tal cabeça (não falo em Roma, que como cabeça da Igreja não entra nesta discussão). Prova-se o que digo, porque a cabeça do mundo há-de ser aquele princípio dele, que está a Oriente, ou é outra parte, que é ocidental, que são os dois extremos da terra, dos quais uns países, e outro cabeça deste corpo, que imaginamos; que seja cabeça aquela parte oriental, não pode dizer-se, pois ainda que lá comece o dia, e possam considerar-se outras razões, Cassaneu (a) aponta; não devemos consentir que tão bárbaras terras sejam cabeça de tão formosa máquina, nem que tão doutos idólatras, como os daquelas partes, tenham por pés tão polidas gentes, como os destas nossas. Por donde é necessário confessar, que a terra na qual o Culto Divino floresce, as gentes são em tudo tão excelentes, e as restantes coisas tão avantajadas, aí é a cabeça, e a principal parte do mundo, como com boas razões conclui o mesmo Cassaneu; o que parete ter querido dizer Plínio (b) (sendo assim, que por gentio não sabia das muitas razões, que concorrem por nossa parte a respeito da nossa Sagrada Religião) quando disse que é o princípio do mundo desde o o caso do Sol, e assim não sem particular consideração, querendo fazer uma descripção do universo, começa por Hispanha [Península Ibérica], ainda que parte ocidental, e depois vai decorrendo pelas restantes províncias, até chegar ao Oriente. Pois assim sendo, que do Ocidente há-de tomar-se o princípio ao mundo,e considerar sua cabeça, manifesta coisa, é ser esta Portugal, que é a ponta mais extrema ocidental de toda a orbe, e onde, ainda que ocidente, parece, que começa a terra.

[(a) - Cassan. Cathal. glor. mundi p.12 consid 13;
(b) - Plin. nat. hist. lib. 2 in procemio.]


1. Pelo menos a cabeça da Europa é chamada pelo nosso grande poeta Camões, dizendo (c):

Eis aqui quasi cume da cabeça
De Europa todo o Reino Lusitano.

Manuel de Faria e Sousa (d) chama a Hispanha [Península Ibérica] frente da Europa, e a Portugal grinalda dessa fronte, e Julian de Castillo na história dos reinos Godos (e) descreve a Europa e pinta-a com figura de uma mulher vestida, dizendo que Hispanha [Península Ibérica] é a cabeça desta mulher, e que Portugal é a coroa da cabeça; na qual dá Portugal a maior honra, porque se bem há cabeças que honram as coroas, habitualmente as coroas honram as cabeças.

[(c) - Camões Lusiad. cant. 3 est. 20;
(d) - Faria Epit. 4 p. c. 4 n. 11;

(e) - Castillo hist. de los Godos lib. 1 discurs. 1 y lib. 2 discurs. 2.]

2. Entre aqueles que tratam das coisas naturais, houve uma disputa sobre se deveria ser tida por rainha das aves a águia, o pavão, o papagaio ou o galo; e ainda que a opinião dos autores tenha dado sentença em favor da águia, (f) Nicefero Calisto (g) chamou ao papagaio a mais perfeita das aves, mas não faltou quem desse seu voto ao pavão, e outros ao galo; e o principal fundamento que os moveu foi constatar que o pavão tem na cabeça uma pluma, diadema, ou coroa, e o galo tem também algo como coroa, com a qual parecem mostrar-se como reis das aves. Pela mesma razão o leão, que chamam real com suas crinas [juba] em vez de coroa (não sem contradição do cavalo) é tido por rei dos animais quadrúpedes; e o basilisco, pelo diadema que na sua cabeça tem, é julgado por rei dos venenosos, (h) e a coroada granada [é tida] por rainha das frutas; porque a todos estes não é justo negar dignidade, a quem a natureza deu insígnias de rei, a quem a natureza deu coroa, bem se pode dizer que Portugal é rainha de todas as outras terras, visto que a natureza, ou melhor dizendo, Deus colocou em tal parte que não apenas fica como coroa mas como cabeça coroada perante o mundo, como fica mostrado; e assim a Europa é a melhor parte da orbe, Hispanha [Península Ibérica] como cabeça é a principal da Europa, e consequentemente de todo o mundo.

[(f) -  Plin. nat. hist. lib. 10 c. 20 Diego de Funes, e mendoça na Hist. de aves, e animaes lib. 1 c. 1 e c. 27 28 e 42;
(g) - Nicephor. Calix. lib 23 c. 16;
(h) - Diego de Funes no dito tratado lib. 8 c. 16 e 21 e ibi Licença de Huerta nas anotações.]


3. Da descrição de Portugal tratam largamente os autores (i) que vão citados aqui nas anotações, do qual eu não falo, por não pertencer à nossa matéria mais do dito.

[(i) - Strabão lib. 3 Plin. nat. hist. lib. 3 in procem. e lib. 4 c. 21. Juan Botero nas relaciones del mundo. Vaseu in chron. Hispan. cap. 8. Abraham Ortelius in teatro orbis tabula Portugal. Marineus Siculus de reb. Hispan, lib. 2 tit. Lusit. Marius Aret de Hispan, situ Mariana hist. Hisp. lib i c. 4. Julian de Castillo hist. de los Godos lib. 2 disc. 1. Anton. Nebriss. de gest. Reg. catholic. in discri. pt. Lusit. Resende antiquit. Lusit. lib. 1. Camões Lusiad. cant. 3. Duarte Nuñes de Leon na descripción de Portugal. Brito Monarch. Lusit. lib. 1 c. 15. Anton. de Vasconcelos in descript. Lusit.. Manuel de Faria epit. de las histor. Port. p. 4 c. 5.]
(continuação, X parte)

2 comentários:

Anónimo disse...

Estas publicações estão muito boas. Ainda mais no nosso tempo que os portugueses não conhecem Portugal realmente, nem sabem o que cá têm. Bom trabalho. Aguardo as próximas publicações! Cumprimentos

anónimo disse...

Caro Anónimo,

Obrigado por comentar.

Sim... Sem dúvida há falta de leitura destas obras. Confesso que há poucos anos eu não dava qualquer importância a ser português, nem sabia bem o que isso era.

Voltes sempre.

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