31/10/14

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (XX)

(continuação da XIX parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO
Thomas de Kempis
Cap. XX
Amor da Solidão e do Silêncio

1. Busca o tempo necessário para atender a ti mesmo e considera frequentemente os benefícios que recebes de Deus.
Deixa as distracções e as curiosidades, e lê de preferência matérias que mais te sirvam à compunção.
Se te retirares de conversações supérfluas e de passeios ociosos, como também de ouvir novidades e murmurações, acharás tempo bastante para empregar na meditação de coisas santas.
Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, e escolhiam viver para Deus, no Seu reino. 

2. Disse alguém: "Quantas vezes estive entre os homens, tornei-me menos homem." Isto experimentamos muitas vezes, quando falamos muito.
Mais fácil é calar do que, falando, deixar de tropeçar nalguma palavra. E mais fácil é estar metido em casa do que guardar-se, como convém, fora dela.
Aquele, pois, que intenta lograr as coisas interiores, espirituais, importa-lhe que se retire da multidão, como fez muitas vezes Jesus.
Ninguém seguramente aparece, senão o que voluntariamente se esconde.
Ninguém seguramente fala, senão o que voluntariamente se cala.
Ninguém seguramente preside, senão o que voluntariamente se sujeita.
Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente sabe obedecer.

3. Ninguém se pode sentir em segurança sem o testemunho da sua própria consciência.
A segurança dos Santos esteve sempre no temor de Deus.
Nem eram eles menos humildes e cuidadosos em precaver pelo facto de resplandecerem em grandes virtudes.
Ao contrário, a segurança dos maus nasce da soberba e presunção que os trazem enganados.
Nunca te tenhas por seguro nesta vida, ainda mesmo que sejas um religioso ou ermitão devotos e fervorosos.

4. Muitas vezes fracassaram gravemente, por muita confiança em si mesmos, os que eram tidos por melhores na opinião do mundo. Pelo que é bem importante a muitos que não estejam de todo livres de tentações, mas que sejam mesmo torturados por elas, para que se não tenham por demasiadamente seguros, nem se encham de orgulho  por sua suposta perfeição, nem busquem ansiosamente consolações exteriores.
Quem nunca buscasse as alegrias transitórias; quem cortasse pela raiz os vãos cuidados; e somente tratasse das coisas divinas e pusesse em Deus toda a sua esperança – que paz e que descanso lograria!

5. Ninguém é digno da consolação celeste se não se exercitar diligentemente na santa compunção. Se queres arrepender-te de todo o coração, entra no teu retiro, lança fora todo o cuidado do mundo, segundo está escrito: "Compungi-vos nos vossos retiros".
No silêncio do teu quarto acharás o que muitas vezes perdes por fora. A cela continuada causa doçura e pouco frequentada causa enfado. Se no princípio da tua conversão te afeiçoares a ela, e se bem souberes guardá-la, ser-te-à depois companheira amorosa e consolação suave.

6. No silêncio e na tranquilidade, aproveita uma alma devota e aprende os segredos das Escrituras. Ali acha as torrentes de lágrimas com que todas as noites se lave e purifique, para que mais se una ao seu Criador, e isso quanto mais longe vive do tumulto do século.
Aquele pois que mais se aparta dos amigos e conhecidos, mais se chega a Deus e aos seus Anjos. Melhor é esconder-se e cuidar da perfeição da sua alma do que fazer milagres desprezando esse cuidado.
Ao homem religioso é de grande vantagem sair em público raras vezes, fugir de ser visto pelos homens e de vê-los com frequência.

7. Para que queres ver o que te não é lícito possuir? Passa o mundo e a sua concupiscência; os desejos da sensualidade nos arrastam a distracções nocivas; mas, depois daquela hora, que nos resta senão o peso da consciência e intranquilidade do coração?
A saída alegre faz muitas vezes a causa da volta triste, e a alegria da noite causa tristeza na manhã seguinte. E, desse modo, todo o gozo carnal entra com brandura, mas no fim nos atormenta e mata.

8. Que podes ver em algum lugar, que permaneça muito tempo debaixo do sol? Cuidas em satisfazer os teus apetites? Pois não o alcançarás.
Se visses diante de ti todas as coisas, não seria isso mais do que uma visão fantástica.
Levanta teus olhos a Deus nas alturas e pede perdão de teus pecados e negligências.
Deixa as vaidades para os vãos e atende só aos preceitos de Deus. Fecha-te em tua casa e chama a
Jesus, a quem amas. Conversa com Ele quando estiveres sozinho no silêncio do teu aposento; não acharás maior paz.
Se não saísses fora, não ouvirias notícias que perturbam a tua boa paz.
Se queres ouvir novidades, prepara-te para sofrer as perturbações do teu coração.

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES