31/10/14

FLORES DE HISPANHA, EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL (VIII)

(continuação da VII parte)

EXCELÊNCIA I
Europa, a Melhor Das Quatro Partes do Mundo

Primeiramente, Portugal está na melhor das quatro partes do mundo, que é a Europa; que a Europa seja melhor que a África e a América, é coisas clara, ainda que o insigne historiador João de Barros (a) louve muito a África pela parte da Etiópia, somente pela Ásia há poucos fundamento trazidos por Abraham Ortélio e outros autores; (b) mas todos considerados, acharemos em favor da Europa mais fortes razões, porque se na Ásia viveu e morreu Cristo Nosso Senhor para remédio do género humano (que é o maior argumento), aqui na Europa vive hoje no coração dos fiéis, ao contrária da Ásia onde esta muito esquecido. Se na Ásia esteve a lei de Deus, a do Velho Testamento, na Europa está a do Novo Testamento, mais perfeita, e está a suma cabeça da Igreja, Roma: e da Ásia saíram as idolatrias e a pestífera lei de Maomé, contra quem a maior parte da Europa luta continuadamente. Se a Ásia produziu varões fortes, na Europa nasceram o grande Alexandre, os Romanos, Godos, Hispanhois, e outras nações que todo o mundo venceram; se Ásia é maior que a Europa, a pequenês da Europa se suple com seus excelentes qualidades; finalmente, se a Ásia se gaba de ter tido grandes monarquias, olhe a romana, e Hispanhola [Portugal e Espanha] de hoje, e verá como as suas ficam diminuídas e abatidas, e ao fim, bem se vê quanto a Europa em tudo de bom excede a Ásia, pois como diz Gerónimo Cortez, (c) a Europa é terra muito temperada e conveniente para a habitação do género humano, porque é abundante em todo o género de mantimentos, e torna os homens temperados, de grandes entendimentos, e de maior ânimo e esforço que nenhuma outra parte do mundo, e assim Plínio (d) a chama sustentadora da população, vencedora de todas as gentes e avantajadamente a mais formosa de todas as terras da orbe; e Abraão Ortelin, na tábua da Europa, (e) depois de tê-la louvado muito, conclui dizendo que foi sempre tida pela mais excelente de todas as quatro partes do universo: Strabão e Casseano (f) afirmam o mesmo; João Botero (g) prova-o com boas razões: muitas traz João Bohemo (h) em seu favor, e outros autores lhe dão vários títulos que se eu quiser agora referir seria algo demasiado e sairia até do meu assunto: Mas pode-se ver em Volaterrano, Sebastião Munstero, Domingos Negro, Jorge Rithamero em suas geografias; e mais particularmente em Cristoforo, e Anselmo Ceias, Pio II, Gillelmo Gratarolo ao fim do seu livro De regimine iter agentium; Cherubin Stela, Jorge Meiero, e João Herbaceo, que todos tratam de suas coisas e excelências.

[ (a) - Barros dec I lib. 3 cap. ult.;
(b) - Ortel. in Teatro Orbis tab.]



EXCELÊNCIA II
Hispanha [Península Ibérica] é a Melhor Parte da Europa

Depois  disto está Portugal na melhor Parte da Europa, que é Hispanha [Península Ibérica], vencedora do mundo em todas as prerrogativas, e excelências de bondade do céu, fertilidade de terra, virtudes de homens, riqueza de reinos, conquistas, triunfos, títulos gloriosos pelos quais é chamada cabeça da Europa por muitos autores.


EXCELÊNCIA III
Portugal Está na Melhor Parte da Hispanha [Península Ibérica]

Havendo provado que a Europa é a melhor parte das quatro partes do mundo, e que Hispanha é a melhor delas na Europa, digo que Portugal está na melhor parte da Hispanha, o que se prova, porque havendo de considerar-se o princípio e cabeça do mundo donde esta ponta mais ocidental dele, como logo diremos, acontece que o Reino de Portugal está como cabela da Hispanha, e assim na melhor parte de toda ela. Ademais das grandes excelências que deste Reino provaremos no decurso deste tratado, concedem-lhe facilmente o primeiro lugar entre todas as terras.

1. A isto alega-se que somente Portugal, entre todos os Reinos da Hispanha, colocado à orla do mal está mais que os outros, e é parte muito principal e necessária para fazer um Reino excelentíssimo; como a experiência o demonstrou com vários exemplos de poderosíssimos monarcas, que por esta falta [de boa orla marítima] perderam muito nos seus Estados, e foram vencidos por reis mais pequenos, a quem bastou a vizinhança do mar para estarem em maior vantagem, e seus reinos mais enobrecidos; como na Europa vemos, que por esta razão excede nas forças de mar a Inglaterra, Holanda, Veneza, Génova, e o Turco, aos demais príncipes, que têm sua Côrte pela terra adentro; na Ásia os reinos da China, Mongol, o Nisamaluco, e o Hydalean são os maiores senhores que há, e contudo por suas Côrtes não terem portos marítimos são menos poderosos que os reis de Malabar, Dachem, Pan e Joas, e em África que os reinos de Argel, e venceram eles os Xerifes, por serem mais poderosos porque estavam estes metido por terra. Bem entenderam isto os romanos quando não temiam tanto Cartago pela grandeza e força dos cidadãos, quanto por estar aquela cidade junto ao mar, e por isso resolveram no Senado romano que por todas as maneiras se procurasse que Cartago fosse mudada para terra mais interior, (a) porque (diz Lúcio Floro) (b) pouco importava aos Romanos, que houvesse Cartago no mundo, se não estivesse na orla da água, como estava; nem aos próprios cartagineses se escondeu esta verdade, que enviando-lhes a dizer os Consules Lúcio Marcio, e Marco Manilio, que passassem a cidade 3 léguas mais para dentro de terra, mais desejaram morrer que fazer tal; e pela mesma razão os romanos destruíram Capua e Corinto, entendendo bem que só quem tivesse o senhorio do mar lhes podia tirar o império da terra, como o diz Túlio (c). Assim, é grande coisas estar um reino ou cidade em tal sítio. E quando os romanos se contentavam porque os cartagineses ficavam a mais de 3 léguas do mar, tendo-se os cartagineses recusado tanto que mais preferiam ver a sua cidade totalmente assolada, quanto pior é um reino estar com suas cidades, e Côrte, não a 3 léguas, mas 100 léguas, ou mais, terra dentro, longe do comercio marítimo? Elegantemente ficou provado por Manuel Severim de Faria (d), digníssimo Chantre da santa Igreja de Évora, um dos discursos políticos que com grande erudição compôs, no qual traz muitas coisas a este propósito, escusando-me de repeti-las por estarem ali tão bem ponderadas. E outro sim me escusa de alargar-me mais em prova do dito, o insigne testemunho que deu o grande Imperador Carlos V quando, vendo o socorro que lhe foi enviado de Portugal para a tomada de Tunes, e considerando o excelente porto da cidade de Lisboa, disse: "Se eu fosse Rei de Lisboa, em pouco tempo seria Imperador de todo o mundo". (e)

[(a) - Britto Monarch. Lusit. lib. I tit. 13;
(b) - Lucius Flor. lib. 2 cap. 15;
(c) - Tullias de lege Agraria contra Rullum;
(d) - Manuel Severim de Faria discurs. I;
(e) - Fray Nocolás de Oliveira en las grandesas de Lisboa trat. 4 cap. 4]


(continuação, IX parte)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES