20/10/14

FLORES DE HISPANHA, EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL (II)

(continuação da I parte)


AO REINO DE
PORTUGAL,
O Autor.
Mui Alto e Poderosíssimo Reino, Soberana Monarquia.

Se Alexandre não consentia que lhe restasse senão o famoso Apeles, nem esculpisse sua figura, senão Lysipo, ou Pirgoteles, escultores insignes, parece que com tanta mais razão deveriam proibir-me retratar vossas excelências, quanto elas são superiores ao sujeito de Alexandre, e eu inferior aos eminentes homens a que seu retrato não era concedido. E se o mesmo Alexandre com haver outros grandes cronistas, e poetas, suspirava por Homero, como que só ele fosse merecedor de cantar seus feitos, e o enviava tanto a Aquiles, com maior causa serei eu julgado por indigno de cantar as notáveis bonanzas dos Portugueses, tão avantajadas às de Alexandre, como umas e outras publicam. Mas, a verdade é que quanto mais levantadas são as coisas coisas, tanto menor pluma basta para escrevê-las; e quando as dos outros são mais humildes, quanto maior engenho será necessário para engrandecê-las; porque escreveu que faz a matéria, e matéria que dá lustre ao que a escreve. As histórias de Alexandre, e de outros célebres antigos, têm necessidade de Lívios, Tácitos, Homeros, e Virgílios, que com sua elegância as ordenem: as vossas honram e enobrecem as rudes línguas que as contam. Da mesma maneira, para retratá-los bastam grossos pincéis, quando outros hão necessidade Apeles, Pyrgoteles, e Lysipos; porque se o pintor for mau, o retrato fica faltoso em algo, que de uma pessoa formosa faz feia: mas aquele que o retrate, ainda que erre em várias partes, bastará uma só na qual acerte e dará à obra tal lustre que, como Sol com sua claridade, cobrirá todas as nébulas das falhas, se bem que estes nunca será necessário cobri-los, pois sempre serão formosos, se segundo o nome de retrato em algo forem parecidos.

Olhadas então estas razões, deitei fora os temores que para sair com este tratado me tiravam o ânimo, confiado em que com tão grandioso assunto minha anserina voz parece cisne: e quando eu não acerte em parte alguma aos vossos louvores, não se me pode a mim atirar culpa, senão a vós, que com tantas e tão esclarecidas excelências fazeis que a oração mais eloquente e composta seja nada a respeito da vossa grandeza, como a semelhante propósito diz S. Cirilo Alexandrino na dedicatória do seu livro da excelência e rectidão da fé, desculpando-se nos louvores da Emperatoris Gala Placidia, e Pulquéria, irmão do Imperador Teodósio, e perdoais se deixada a a excelente língua portuguesa, escrevo na castelhana, porque como a minha intenção é apregoar-vos por todo o mundo, é usado desta por mais universal, e porque também os portugueses sabem estas excelências, e assim para eles não é necessário escrevê-las.

(continuação, III parte)

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