12/08/14

EXORCISMOS CONTRA PERIÓDICOS E OUTROS MALEFÍCIOS (I)

Pe. José Agostinho de Macedo

EXORCISMOS;
CONTRA
PERIÓDICOS
E
OUTROS MALEFÍCIOS

"Fugite Partes Advereae."

(Pe. José Agostinho de Macedo)

LISBOA
1821

(Com Licença da Comissão de Censura)


EXORCISMOS

Costuma-se chamar flagelo, ou praga tudo aquilo que consigo traz calamidades para os povos, para os indivíduos, para os campos, paras as sementeiras; ninguém ignora o dano que o pulgão causa às vinhas do alto, e do baixo Douro, e de toda a parte: não só se empregam homens, e mulheres na extinção da lagarta, mas a piedade de muitos povos deste Reino recorre a um poder sobrenatural, e espiritual, que é o raio da excomunhão, pedindo aos seus respectivos Curas que de sobrepeliz lisa, hisope, e caldeirinha, acompanhados de seus competentes sacristães (e bastava só a presença, e a vista deste) vão excomungar o pulgão, intimando-lhe que se retire, e que se quer comer, que deixe as parras, e vá para as charnecas ao tojo, e à carqueja "Fugite partes adversae". Contra as trovoadas também há exorcismos contra o flagelo da peste, há exorcismos contra as coisas más que aparecem, e infestam, e inquietam as casas. Serve-se a Divina Justiça destes açoites para punir os crimes dos homens. Assim o vemos praticado contra os egípcios, mandando-lhes o Senhor  o flagelo dos gafanhotos, que lhes codeassem as searas todas, e o das moscas que pela sua infinita multidão importunassem, picassem, inquietassem homens, e animais brutos. Esta justiça vingadora proporciona as pragas aos tempos, aos sujeitos, aos costumes, aos caracteres, e até à isoles dos séculos; e ao século da política, que outra praga se devia adoptar que não fosse a dos periódicos políticos? Sim, saiu dos arsenais da ira celeste esta praga sem fim, sem modo, sem jeito, e sem juízo, para atormentar os homens desde as margens do Oby, e Roristhenes, até à grande levada da rua de S. Bento, que precisa de um cano para a gente e não afogar. Os portugueses, gente tão fiel, tão pacífica, e tão devota, não escapou também da maçada. Como é certo que o Senhor até nos seus mesmos Anjos encontra iniquidades, e manchas nas suas estrelas!! Fosse qual fosse o crime dos portugueses, o castigo é visível. Eu não me posso persuadir que fosse a ideia do nosso melhoramento, porque na efeméride o remédio é de justiça, e o crime não está em o aplicar, está em o desprezar. Quem duvida de nossas enfermidades, e mazelas políticas? Quem não via a fazenda mal administrada, e a justiça mal distribuída? Não, não é, nem pode ser esta a causa da praga periodical: aqui anda carta encoberta, alguma tínhamos nós feito, ou estamos para fazer. Portugal está coberto, alastrado, entulhado de periódicos, como o Egipto, e mais que o Egipto de rãs, de gafanhotos, de moscas, de diabos. Apareceu um astro maligno, ou de maligna influência, que multiplicou as chuvas, as cheias, as inundações, as tempestades, os soltos vendavais dos periódicos, dos flagelos, das pragas que nos apoquentam; não há forças humanas que se oponham, e contrastem os lastimosos estragos desta febre amarela; não há cordão que lhe vede a passagem, não precisas forças sobrenaturais, exorcismos com eles "Fugite partes adversae". Eu não sou Cura, mas às vezes arvora um soldado em Ans-

...

pessada tal, e qual eu vou excomungar este pulgão devastador, seja a pena o hisope, o tinteiro a caldeirinha, a razão, e o amor da Ordem o Exorcismo "Fugite partes adversae". Conta-se nas crónicas, em que tudo se conta, que os padres da Companhia [de Jesus], excomungaram no Brasil as formigas que lhe davam cabo de suas rosas, e plantações; e os Franciscanos, não sei onde, os ratos que lhe iam, ou aos melões da cerca, ou aos motrecos do toucinho, que conservam na despensa (daqui a pouco não terão esse trabalho, porque os periodiqueiros não querem nem Franciscanos, nem ratos, nem toucinho, nem despensa, querem eles só comer tudo). As formigas, e os ratos desaparecerão por virtude do exorcismo, e diminuirá a praga dos periódicos? Terão ao menos os tristes censores um bocado de tempo para comer, e para dormir? Não sei: mas a razão deve exorcizar este flagelo, e pôr um dique a esta cheia real "Fugite partes adversae".

Com efeito é triste a condição das coisas humanas! Não há um bem puro sem a mistura de algum mal! Não há direito sem avesso! A nobre obra da intentada regeneração veio unida à praga dos periódicos. Já ninguém se entende. A multidão dos faladores fez parar a majestosa obra da Torre de Babilónia: onde todos falam, ninguém se entende. A confusão das línguas deitou aquela grande fábrica a perder, um oficial pedia tijolo, o servente levava cal; o falatório era de alto a baixo, e como ninguém se entendia, todos desampararam o edifício até que se abateu de todo, e aparecem alguns pedaços dispersos, que ainda o ano passado disse a Gazeta parda de Lisboa, que de lá trouxera um tijolo um viajante antiquário inglês. Calem-se diabos "Fugite partes adversae". Olhem que se malogra a obra da prometida ventura aos aportuguese. Mas quem são os periodiqueiros! É preciso conhecer o género, ou a casta de diabos para se lhes fazer o competente exorcismo. No Evangelho se fala de um género de demónios, que não se iam embora senão com o jejum; e eu creio que o jejum, ou a barriga vazia é quem acarretou sobre as nossas cabeças a nuvem periodiqueira. A fome, e só a fome. "Fugite partes adeversae".

Tinha eu observado com mágoa do meu coração, pesquisando o mundo miúdo, onde há muito que estudar, que muitos indivíduos desamparavam, e abandonavam seus ofícios embandeirados com acesso à Casa dos Vinte e Quatro, e de cuja massa se tirava o muito honrado, e o seu competente escrivão, com estrada aberta para as mais pingues capatásias, e se davam a empregos bem alheios da sua honrada instituição: por exemplo, abraçavam a profissão de Malsins, cujo corpo nem é, nem foi, nem deve ser inviolável; porque as merecem, e as levam a todo o instante, e ainda não ouvi no acto da tunda a cidadão nenhum honrado, outra palavra, que não fosse esta "É bem feito, nunca as mãos te doam". Outros se metem a homens da vara, que não poucas vezes são varejados. Outros dão em cómicos, vida folgazã, e divertida, ouvem assim é, o estrépito do bordão, mas é ao longe, eu ali os conheci na minha mocidade de todos os ofícios: sapateiros muitos, ou quase todos, livreiros, passamaneiros, cabeleireiros; e aqui parávamos até agora, e a quem lembraria, que no momento em que Portugal necessitava de mais luzes, mais ciência, mais conhecimentos, que coadjuvassem a mais árdua, e difícil empresa, os martelos, as enchóz, os formões, as sovelhas, as tripessas, as cadeiras, os bancos, os burís, as forjas, os foles tudo seria desamparado, e que os seus cultores se converteriam em periodiqueiros? parece que para a grande arte de escritor senão necessita de outra coisa mais que saber formar bem ou mal, tortos ou direitos os caracteres do alfabeto "Fugite partes advversae". Boileau dizia a um que se metia a poeta "Sê antes pedreiro" assim o leio na Arte Poética. Fugi diabos, ide para as vossas oficinas, tornai para a enchó, para os sarrafo. Se podes fazer bem uma cadeira, para que te metes a fazer tão mal um periódico? Quero ilustrar a nação: com desejo é esse, eu to louvo, eu o aprovo, tomara eu fazer outro tanto; mas cada qual no seu ofício, e neste pode ilustrar a sua nação; as artes fabris, que em nosso velho estilo chamávamos mecânicas, também ilustram a pátria. Tão pouco a ilustram os artistas italianos no macarrão fino, na letria, na estrelinha, e no salame? Que coisa de mais lustre que o verniz inglês? Olha para essas botijas de graxa corrosiva como faz durar umas botas pelo longo espaço de oito dias! Que lustre para aquela nação termos aqui pelo nosso dinheiro aquelas botijas com as marcas, e sinetes dos seus autores para se não adulterarem, e para se evitar o contrabando naquela importantíssima fazenda da primeira necessidade, e inevitável importação? Sê artista constitucional, faz cadeiras, lustra madeiras, pule, e repule metais, mas periodiqueiro! "Fugite partes adversae".

Ora, se é praga deixar o próprio ofício, para ser periodiqueiro, ainda é mais flagelo não ter ofício, para ser periodiqueiro, ainda é maior flagelo não ter oficio nenhum, senão o de periodiqueiro. Viva um ocioso pelos cantos dos botequins, desde que eles se abriram, até que se fechavam, deste pilhava a torrada, daquele o jantar, nunca se sabia onde morava, nem onde dormia; o calote o vestia, o calote o calçava; e de repente salta ao meio do mundo com um periódico "Fugite partes adversae". Que quer este diabo, com a folha diária, ou semanal? Ilustra a nação. Como? Copiando muito mal da aluvião dos periódicos castelhanos, (muitos são vem escritos) retalho aqui, fala acolá, reflexão além, mas tudo sem ordem, sem uma ideia dominante, sem um fim, e quando este devia ser fixar a opinião sobre um objecto único, grande, público, vantajoso à causa, não faz mais que desvairá-la de tal maneira, que ninguém se entende, nem sabe de que freguesia é. Se este fôra só o mal, era grande, mas não era muito funesto. O pior é abrir a porta às correspondências, ou reais, ou fantásticas, e transcrever quantos desaforos lhe enviam, ou fingem que lhe enviam. Que vantagens tem tirado a nação desta praga periodical desde o dia 24 de Agosto, em que se deu o primeiro, e premeditado passo para a regeneração politica deste Reino? Talvez que maiores males, do que bens. Seque-se a uma mal entendida liberdade de falar uma mais mal entendida liberdade, de pensar, e obrar. Anunciar-se, e prometer-se a liberdade civil em uma Constituição, que ou marque, ou restrinja os direitos do Soberano, e os do cidadão, não é arrojar, ou arremessar todo o jugo de obediência social de que resulta a harmonia, e a ordem do Estado, e desta a prosperidade pública, e particular, "Fugite partes adversae". Demónios, eu esconjuro, deixai Portugal, ide para as áreas gordas. Manda-se no exorcismo às trovoadas que vão cair para os matos incultos para as charnecas maninhas, para os areais desertos, que deiem os semeados, que não caiam onde façam dano ao gado, aos homens, aos edifícios; eis aqui o que eu vos mando, ó manada de copiadores "Fugite partes adversae".

A causa é uma só, há já, e sobeja só um periódico que a anuncie, com aqueles incidentes, ou acidentes que lhe são análogos, e que com ela tenham relação, ou analogia, ou que dela dependam, ou a ela se encaminhem, que faça conhecer a nação qual seja o seu estado actual, qual possa ser o se estado futuro; o que deva fazer, o que deva esperar, como deva sem ingerência respeitar o Governo; para isto basta meia folha de papel, e não seja muito cara, porque sendo os tributos necessários não só no Governo Monárquico representativo, mas até no mais extremo, e puro Republicanismo, sem que o Estado utilize, há 681 anos de existência política, ainda Portugal não sofreu um tributo mais pesado do que o preço da praga periodical "Fugite partes adversae". Todos a dizerem o mesmo, e todos a dizerem nada. É preciso ilustrar a nação, isto é, levar as luzes liberais a todas as classes, todos são iguais diante da lei, todos devem conhecer os seus deveres, é preciso que o Povo conheça o que se faz, para aprovar o que se faz. Convelho, e ninguém está mais convencido desta necessidade do que eu, nas actuais circunstâncias, porém os meios são os periódicos? Basta qualquer diabo, que deixando a ferramenta, ou a ociosidade do botequim, e o calcadouro do Rossio, pegue na pena, e escreva um periódico, dando-lhe um título extravagante, e ridículo, Mnemosine, Astro, Amigo, Sentinella Liberal, Constitucional, Indagador, e o último diz o mesmo que diz o primeiro; e todos com uma linguagem avessa; e há tal mestre de grego, ou hebraico, que nele fala, e não em português, porque não escreve quatro linhas, que não falte às regras mais gerais da sintaxe portuguesa, ou que não diga uma parvoíce em política; e todos eles não dão a conhecer, com o pretexto de ilustrar a nação, mais do que o estímulo da fome, que lhes devora o bandulho. Eu não gosto de lhes ouvir chamar patifes, desenvergonhados, hipócritas; nada disso eles têm, fome, e nada mais que fome. Eu os tenho observado em todas as nossas vissitudes, que não são poucas, nem pêcas, são verdadeiros camaleões, tomam a tintura do ar em que respiram: nove meses os vi franceses da gema, nunca falavam de Napoleão que não viesse o trambolhão "o Grande" clamando, que devia ser coroado pela Academia o discurso, que fez no Alentejo um Juiz de fora louco a favor da teologia francesa: pois este mesmo periodiqueiro apenas aí apontaram os ingleses, parecia um cidadão de Londres; compôs logo para o Teatro nacional dois Elogios dramáticos, o primeiro com este título "Dos Triunfos Bretões se apraz Diana" bonito!! nele eram os ingleses opostos nos céus, e os franceses nos infernos: o segundo com este "o Nome" coisa tão escandalosa em louvores de ingleses, que nem o mesmo elogiado o quis ouvir. Como isto são factos públicos, eu os repito para fazer conhecer a igualdade de carater dos periodiqueiros, a fome, e só a fome. Pois os governadores passados! Isso na boca dos periodiqueiros, não só eram águias, eram Sulys, eram Turenas, Monchs; Anjos, Arcanjos, Santos, Bem-aventurados, isto se ouvia no Teatro, nas trarjas das luminárias, nas praças, nos emblemas, nas estampas que de todos se abriram. Ora até o Coronel da polícia, que se chamava Canavarro, homem de dias, segundo me lembro, foi assim pintado por um periodiqueiro "Canavarro genti que Heitor pareces" Isto está impresso... "Fugite partes adversae". Este mesmo periodiqueiro dis no Nº ... do seu papel "Gemiamos debaixo do jugo do poder arbitrário". Alexandre da Rússia, Francisco d'Austria, Frederico da Prússia, jorge de Inglaterra, eram na boca, e nos impressos deste periodiqueiro homens descidos do céu, para fazerem a felicidade da Terra, e darem a liberdade aos povos: hoje no seu periódico não "Esses tiranos sacrilegamente aliados, vacilantes nos seus ímpios Tronos"... "Fugite partes adversae". E não aumentam estes periodiqueiros prodigiosamente o volume do dicionário das grimpas, que se publicou em França para notar, e dar a conhecer ao mundo estes e outros que tais? "Fugite partes adversae".

Quem não conhece o peso desta praga devastadora, e exorcismada, quando pela manhã logo, e muitas vezes ainda não é o Sol nado, abre a sua janela, ou se vê obrigado a ir á rua cuidar na sua vida? Uma nuvem de rapazes, ministros executores da prega, levanta as desconcertadas vozes, e grita ... (aqui soa o estalo do açougue da cólera celeste). Quem leva o Astro! Quem vem ao Liberal! Quem quer o suplemento a dez réis! Quem se tenta com o Constitucional! Quem me acaba meia dúzia de Menemosines! Quem leva o resto do Amigo! Quem quer a peso o Artista! Quem compra o Indagador! isto em todos os becos, em todas as alfurjas, às portas de todas a tabernas! "Fugite partes adversae". Dissipai-vos tempestades, retirai-vos enxames de vespas, e zanganos, deixai em paz o mundo, dai um dia de respeito à miserável Lisboa.

As Côrtes, dizia um periodiqueiro, não devem ser formadas, nem do Clero, nem da Nobreza, nem do Povo, porque o Clero é um pelotão de Clérigos, a Nobreza é um pelotão de Fidalgos, e o Povo é um pelotão de homens fatigados e pobres "Fugite partes adversae". Vem cá praga, pois se os deputados não devem ser tirados, nem dos Clérigos, nem dos Nobres, nem do Povo, depois destas três classes que constituem a maça total da nação, que te resta, que te fica, onde os hás de ir buscar! "Fugite partes adversae". Há praga como esta? Há! que até o exorcismo não tem força para a afugentar!!

E que dizem estas pragas, estes priodiqueiros? Todos aflux o mesmo, que não haja "frades". Esta gente, que se não fossem os periódicos, andaria pelas portarias dos frades, não têm irmãos, não têm cunhados, não têm primos, não têm sobrinhos, não têm parentes? E não poderão ser tudo isto, eles dos frades, e os frades deles? Donde vieram, onde nasceram estes frades? São acaso os Lazaronis que vieram para a Trafaria fazer chapéus de palha com mortes às costas!? Não: são portugueses, aqui nascidos, filhos de portugueses, irmãos de outros portugueses pelo sangue, e pela pátria. Que fizeram!? Perderam o direito de cidadão!? Porque delitos!? Ah! Periodiqueiros!Quantos de vocês foram "frades"? Têm rendas. Pois que hão de comer, pedra! Deram-lhas, aumentaram-nas, eles com sua indústria, e trabalho: o homem observador, em vendo fazenda bem cultivada, charneca bem roteada, já não pergunta de quem é, é dos "Frades", porque não são tolos, sabem fazer valer o que tem, rendem-lhe, e contem se vendem os frutos, eles não semeiam se vendem os frutos, eles não semeiam arroz, não pescam bacalhau, não fabricam manteiga, não se vestem de folhas de figueira como Adão, e Eva; tudo isto compram com o dinheiro que fazem nos frutos que colhem da sua lavra; são verdadeiramente lavradores, e de tudo param direitos. Mas os Franciscanos, e Capuchinhos, que não têm real de seu? Isso é verdade, porque S. Francisco foi o maior político do Mundo, parece que desde logo se viu, que aquela ordem devia dar à luz um Cisneros, um Xisto V e um Ganganelli. Não lhe deu propriedade alguma, pegou numa sacola de pano de linho, e disse, "ide pedir de comer", e isto basta, substituem noventa mil homens, sem real na manga. Pedem, assim é, mas servem. Oh! se em um dia de chuva tempestuosa um periodiqueiro saísse do canto do botequim, e fosse por esses campos, e por essas aldeias, veria os verdadeiros coadjutores dos veneráveis párocos. Saem os tristes Capuchinhos de madrugada, um vai dizer Missa dali a uma légua, outro dali a duas, e ajudar o Cura de tal nas confissões, outro a assistir a um moribundo. Então como vão eles, a cavalo? No cavalo dos capuchos. Vão a pé como os cães, atascados em lama, alagados da chuva, e talvez voltem com a barriga vazia. Se esta praga de periodiqueiros famintos, malévolos, e ociosos não pôde ir tão longe, (porque estão ocupados na sublime tarefa de ilustrar a pátria espalhando luzes) vá ao menos de tarde até Enxabregas, veja na sacristão Presidente, como um Sargento de Brigadas a fazer o detalhe das patrulhas, um vai para Braço de Prata a um enterro, outro para Palma de cima, ou Palma debaixo, aí vão trinta homens com cara de fome, enlameados, e pingados por quatro mil réis, e uma torcida. Eis aqui a que os periodiqueiros chamam o peso da sociedade, os corpos de mão morta opulentíssimos. Ora pois venham acompanhar para casa os dois enterros; que acham para cear no refeitório? Linguados de cerca, que vem a ser umas ervas migadas como quem faz salada para perus; e se arde a santa, meio quartilho de vinho mais aguado, e desenxavido que um periódico. Que riquezas estas para o Estado, dizem os periodiqueiros! Esqueceu isto ao autor da Economia Política!! mas os Bentos! Os Bentos cultivaram o Minho, muito antes de haver Reino de Portugal, e contribuíram sempre para a prosperidade, e abundância daquela grande província, o que tem é seu, e a muitos mosteiros foi dado pelos reis suevos que antes ali dominaram. E os Bernardo? Esses são os Cressos, e os Lucullos da fradaria. Enganam-se, senhores periodiqueiros, filhos da fome, talvez que esses bernardos o tirem há muitos anos de si para o darem ao Estado; e a respeito desta respeitável Congregação, são mais as vozes, que as nozes. Chega ElRei D. Afonso Henriques ao alto de um outeiro: onde ainda está um padrão, e diz "se eu tomar Santarém aos mouros, darei a S. Bernardo todos esses matos, e brenhas que daqui se avistam até ao mar"; por então ainda aquilo era dos mouros, e do pão de meu compadre grande pedaço ao meu afilhado. Mas que pedaço! Matagais onde havia ursos: e que fizeram os frades? Os coutos de Alcobaça, o retalho mais fértil, e mais bem cultivado do Reino. Ora não merecerá isto um pão para estes homens comerem? Começou a Congregação a compor-se dos homens mais ilustres de Portugal, um irmão do primeiro Rei ali vestiu a Cuculla, assim continuou sempre, foi o asilo dos filhos segundos das famílias mais nobres, e não só são beneméritos da pátria pela cultura das terras, mas até pelas armas no lance da mais perigosa restauração. para a victoria de Aljubarrota, talvez contribuisse mais o D. Abade Geral de Alcobaça (lugar de que senão dedignou o Cardeal Rei) com a sua gente, que toda a ala dos namorados, que com sua Madresilva nas bandeiras, e o seu Men Rodrigues, fugiam como lebres. Isto foi um acaso. São beneméritos da pátria epal sua literatura? Literatura!! Sim senhores escomeados, e mostrem-me vossas mercês (e mostrem-me com verdade) um corpo de história mais completo, mais farto, mais trabalhado, que a Monarquia Lusitana! Isto não se fez nos cafés, onde vossas mercês morriam de fome, e agora impam de políticos. Ingratos contra os frades! Se querem aprender, e estudar, pegarão nos livros clássicos, e no frontespício acharão sempre um "Frei" antes do nome do autor. Fr. Heitor Pinto, Fr. Amador Arrais, Fr. João de Ceita, Fr. Luís de Sousa, Fr. Roque do Soveral, D. Basílio de Faria, Fr. João dos Santos; e frades sem Frei, acharão António Vieira, Baltazar Teles, etc. etc. etc.. Se não fossem os frades, e os clérigos, que coisa seria a literatura portuguesa? Periodicos não fizeram eles "Fugite partes adversae". Os frades portugueses foram assombrar o mundo cristão, e não cristã, com a sua literatura. Vocês franchinotes periodiqueiros que não sabem português, saberão as línguas orientais, hebraica, árabe, siríaca, grega, caldaica como Fr. Jerónimo d'Azambuja, e Fr. Francisco Foreiro? Saiu do botequim político Fr. João Soares, Bispo de Coimbra, e Fr. Gaspar do Cazal, Bispo de Leiria, e Diogo de Paiva de Andrade, irmão de Fr. Tomé de Jesus, criados pelos frades da Graça, para serem os árbitros no Concílio de Trento! Pois não comam estes homens nem uma assorda, tudo para o Estado, e venham três vintêns pela folha do papel, porque alguns mereciam ser açoitados "Fugite partes adversae". Deixem os frades, que os que têm de seu, cultivam as terras, e são lavradores com zelo, e com juizo, cultivaram ainda mais as letras, foram úteis ao Estado, reduziram as conquistas a cultura, alderam milhões de tapuias; e se quiserem considerar os frades em geral, verão prodigios de saber, verão em França cabeças de frades bentos, rapadas por fora, isso é verdade, mas muito cheias por dentro. Serão os periodiqueiros tão doutos como Fr. João Mabillon, ou Fr. Bernardo de Montfaucon? Serão como Fr. Paulo Sarpi, ou como Fr. Jacinto Gerdil, ou como Fr. Henrique Noris, ou como Fr. Honufrio Panvini? Todos estes frades foram um milagre de saber, e não teologia só. mas tudo o que se chama ciência humana, e com efeito o tal Fr. Henrique Noris compôs, desenterrando raríssimas medalhas, uma história, que se chama "Épocas Siro-Macedónicas"coisa tão original que fará sempre pasmar todos os séculos, se apesar da força destes exorcismos, não se fizerem todos os séculos periodiqueiros "Fugite partes adversae".

(continuação, II parte)

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