13/08/14

SERMÃO - DE FR. FRANCISCO FOREIRO NO CONCÍLIO DE TRENTO (I)


Sermão de Frei Francisco Foreiro delegado do Rei de Portugal ao Sagrado Concilio de Trento
pregado aos Padres no Primeiro Domingo do Advento
do ano de 1563

Sagrado Concílio Ecuménico de Trento
Sermão que Frei Francisco Foreiro – de Lisboa, da Ordem dos Pregadores, professor de sagrada Teologia, delegado do Rei de Portugal ao Sagrado Concílio de Trento – pregou aos Padres no primeiro domingo do Advento (28 de Novembro) de 1563

Fac cum servo tuo secundum iudicium diligentium nomen tuum.

Ilustríssimos senhores
Santíssimos Padres
Claríssimos oradores

Para que convosco possa falar sobre estas palavras do profeta e sobre o dia do último juízo, como a Santa Madre Igreja hoje nos adverte, para glória de Deus e salvação das nossas almas – antes de atacar o assunto imploremos o auxílio divino por intercessão da Virgem Mãe. Ave Maria etc.

Já que, «sendo vós próprios sabedores» (para usar as palavras do Apóstolo), de bom grado por vezes suportais e ouvis pacientemente menos sabedores e, seguindo o exemplo em uso entre os médicos mais competentes (que nas próprias doenças recorrem aos serviços de oficiais da mesma arte), vos vejo empregar outros homens, posto que de ordem inferior, neste lugar, para vos curar (se for o caso), não posso deixar de me propor, ó Padres, de acordo com a vossa humanidade, que me hajais de ouvir com a melhor das vontades «na minha insipiência», enquanto vos trago o que o Espírito do Senhor me disser. Quanto esteve nas minhas forças, esforcei-me por que de tal modo esta hora fosse gasta por nós que não vos arrependêsseis de aqui vos congregardes e que, junto de Deus, juiz eterno de todas as nossas acções, eu não tenha alguma vez de dar contas de tarefa mal cumprida. Como se fugisse a anunciar-vos o que julgo o próprio Paulo vos diria, se agora discursasse perante vós.

Tendo-me, pois, esta diligência ocupado por não poucos dias e confrontando os meus propósitos com o mesmo Paulo e com os profetas que falaram pelo mesmo Espírito, e tendo com preces rogado ao mesmo Espírito que os inspirou me assistisse, não me veio por fim à mente assunto mais apto e mais próprio do que aquele que a Santa Madre Igreja hoje nos propõe – ou seja, falar do dia do Senhor e do seu juízo. A consideração deste é que me levou sinceramente, a partir de Deus e perante Deus, a pregar este sermão.

Com efeito, vejo que Paulo, quando exorta Timóteo a pregar, emprega estas palavras: «Testemunho perante Deus e Jesus Cristo que há -de julgar os vivos e os mortos pela sua vinda e pelo seu reino – prega a palavra». Este pensamento poderia, pois, fazer com que não só se trate rectamente o verbo da verdade (que, como outrora converteu o mundo a Deus assim poderia fazer outro tanto nestes tempos miseráveis), mas que a vida de todos se organize recta e também cristãmente, e sobretudo a daqueles a quem o pastor dos pastores confiou a salvação dos outros, aos quais por isso Paulo quer que se ajude com orações – porque têm de dar contas pelas almas dos outros.

Por isso é que, ao resolver tratar o dia do Senhor, de início teria evitado esses títulos insignes de «ilustríssimos, reverendíssimos, claríssimos», com frequência mais apropriadamente empregues por outros que entre vós falam, não fosse a novidade do assunto a impedir-me; pois nesse dia ninguém ouvirá tais coisas (a não ser acaso para aumento da pena ou significado da justa sentença). Pois se, ó Padres, hoje vos interpelo com tais títulos, acaso a ocasião que me é dada seja dada a duvidar de que vos venha à mente este pensamento, que nesse tempo tudo isso vos será tirado: que tal pensamento deve imperar perpetuamente em vós é coisa que a fé e a razão aconselham.

Muito temo, na verdade, ó Padres, que as insígnias de tais títulos, com ornato e suavidade expostas aos olhos e marteladas aos ouvidos do vulgo, sejam altamente prejudiciais àquele princípio da filosofia que manda que só por este pensamento (isto é, da inconstância e insignificância de todos os bens que podem ocorrer nesta vida) se deva reflectidamente organizar e quase modificar a vida dos bons (se é lícito chamar assim).

(continuação, II parte)

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