O SANTO LENHO
DA
SÉ DE ÉVORA
por
Mons. José Filipe Mendeiros
Tesoureiro-mor da Basílica Metropolitana de Évora
Sócio Correspondente da Academia Portuguesa de História.
DA
SÉ DE ÉVORA
por
Mons. José Filipe Mendeiros
Tesoureiro-mor da Basílica Metropolitana de Évora
Sócio Correspondente da Academia Portuguesa de História.
A Vera Cruz de Marmelar
Situada a légua e meia da vilha de Portel, a freguesia de Vera Cruz de Marmelar ou Marmelal (distrito e arquidiocese de Évora, embora a frequisia de Marmelar pertença ao distrito e diocese de Beja) ufana-se de ter sido uma das comendas ou bailios mais notáveis da Ordem do Hospital, Crato ou Malta - assim sucessivamente chamada desde o seu estabelecimento em Portugal no séc. XII (1) - graças à veneranda relíquia do Santo Lenho (2), que desde o séc. XIII a tornou célebre.
Pertenciam as terras do Marmelar no século de Duzentos a D. João Peres de Aboim, poderoso valido de El-Rei D. Afonso III, que lhas doara em paga dos altos serviços prestados na conquista do Algarve, concedendo-lhe em 1267 o Senhorio da vila de Portel.
Por sua vez D. João de Aboim fez doação da herdade de Marmelar ou Marmelal à Ordem do Hospital, para nela se construir um mosteiro, em cuja igreja ainda hoje jaz, por baixo do presbitério, da parte da Epístola.
Era então Prior dos hospitalários portugueses a figura relevante de D. Afonso Pires (3) Farinha. Cavaleiro andaluz, depois de ter auxiliado D. Sancho II e D. Afonso III na conquista do Algarve, foi valido deste último monarca, que o deixou como Ministro a seu filhos D. Dinis, juntamente com o Bispo de Évora, D. Durando, e o já mencionado D. João de Aboim.
Sé Basílica Metropolitana de Évora (Portugal) |
Foi D. Afonso Pires Farinha prior da Ordem do Hospital "por duas ou três vezes", como reza a lápide que abaixo transcrevemos. Foi-o, pela vez primeira, de 1262 a 1268 (4), sendo neste último ano que fundou o mosteiro de Marmelar, conforme se lê em latim bárbaro na lápide coea, que depois de ter estado na capela-mór da igreja conventual, se encontra agora na obscuridade da sacristia do mesmo templo. Eis os dizeres da pedra, que mede L. 1,30 x A. 0,80:
(tradução do latim) "Era de 1306 [segundo a era de César, pela qual se contou em Portugal até D. João I, correspondendo a 1268 da era de Cristo] no mês de Abril, Fr. Afonso Pedro Farinha, da Ordem do Hospital de S. João de Jerusalém, sendo da idade de 50 anos, começou a construir-se este mosteiro por mandado do nobilíssimo Senhor D. João Pedro de Aboim, que deu de esmola à Ordem do Hospital a herdade para a fundação deste mosteiro e o enriqueceu com grandes possessões, e fez aí muitas coisas boas; o dito Fr. Afonso foi soldado de um escudo e de uma lança: todavia o pai e os tios dele armaram soldados; e viveu na vida secular antes de entrar para a Ordem 25 ou 30 anos e teve com eles em muitos feitos de armas e escapou na sobredita Ordem e veio a Moura e Serpa que estão além Guadiana, que eram fronteiras dos mouros e viveu aí 20anos e não havia além Guadiana outra vila dos cristãos a não ser Badajoz e Serpa: e fez aos mouros grande estrago e muita guerra e passou com eles em grandes perigos e feitos de armas e tomou-lhes Aronche e Aracena e deu-as a D. Afonso III, Rei de Portugal; e em vida do dito Fr. Afonso foi ganha toda a Andaluzia aos mouros para os cristãos: e ele próprio foi Prior do Hospital duas ou três vezes em Portugal, e passou além mar três vezes e viveu longo tempo e esteve em muitos perigos e feitos de armas: o V. Rei de Portugal [D. Afonso III] e o Rei de Castela deram-lhe muitas honras e outros homens bons que o conheceram: e esteve em muitos lugares estranhos e viu muitas e grandes coisas e viu muitos homens bons que havia naquele tempo, tanto cristãos como mouros: o dito Fr. Afonso passou com os mouros e cristãos por feitos de tal maneira grandiosos que outros não poderia contar: acabou este mosteiro com a idade de 60 anos"...
Foi uma destas viagens "ultra mare", que o historiador maltês José Anastácio de Figueiredo (5) traduz "à Palestina" - porquanto antes dos nossos decobrimentos as grandes viagens marítimas na Idade Média seguiam a rota dos Cruzados para a Palestina - que o valoroso Prior do Hospital conseguiu trazer da Terra Santa uma relíquia insigne do Santo Lenho.
Assistia então a Europa angustiada ao acaso desolador que as Cruzadas combatiam. E a lápide da Vera Cruz testemunha como no sangue ardente deste monge-guerreiro crepitava a chama generosa do amor a Cristo, que o levaria três vezes à Terra Santa, "onde viveu muito tempo e esteve em muitos perigos e feitos de armas". É mesmo natural que, dadas as nossas relações íntimas com a França no tempo de D. Afonso III, houvesse participado na sétima e última Cruzada, organizada por S. Luís, Rei de França, e por Eduardo Plantageneta, Rei de Inglaterra.
Participante desta Cruzada, que viu morrer santamente junto de Tunes, Luís IX de França, e Eduardo de Inglaterra abandonar a Palestina em 1272, ou integrado nos pequenos grupos de Cruzados que, desde 1100 a 1170, se dirigiam frequentemente da Europa à Terra Santa, D. Afonso Pires Farinha não foi só à Palestina para obter a confirmação da doação de herdade de Marmelar pelo Geral da Ordem, Fr. Hugo Ravel, como opina Gil do Monte (6). Foi combater o bom combate de Cristo e, portanto, bem mereceu trazer para Portugal grande porção de Cruz de Jesus.
Jorge Cardoso, celebrado autor do Agiológio Lusitano (7) e o cronista maltês Fr. Lucas de Santa Catarina (8) afirmam que se destinava esta relíquia à Sé de Évora (que o bispo D. Durando acabava de fundar) se não fôra um prodígio que levou o prior do Hospital a mudar de intenção.
(continuação, II parte)
(continuação, II parte)
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