22/05/14

CONGAR - A NOVA ECLESIOLOGIA (I)

CONGAR,
OU A NOVA ECLESIOLOGIA.

(Os Percursores do Concílio Vaticano II)
Cadernos "SEMPER"

"Ainda me recordo da surpresa que tive ao ler aquela carta, contra o Pe. Congar. (...) Durante muitos anos, tinha sido posto de parte por causa das minhas obras teológicas. "Eles" exilaram-me, primeiro em Jerusalém, depois em Roma, e finalmente em Cambridge. (...) O Vaticano foi muito severo comigo. Eis a razão pela qual eu não conseguia acreditar que tinha sido nomeado para o Concílio como perito". (1)" 

I
A Paixão Pelo Ecumenismo

Nascido no dia 13 de Abril de 1904, Yves Congar entrou em 1925 para a Ordem dos Irmãos Pregadores (Dominicanos). A condenação da Action Française em 1926, levou-o a voltar-se para o catolicismo liberal (ele pertencia à família maurrassiana). Foi ordenado sacerdote no dia 25 de junho de 1930, e nomeado em 1931, professor de apologética na Faculdade dominicana do Saulchoir (na altura, retirada na Bélica). Em 1932, os seus superiores decidiram mandá-lo assistir às aulas da Faculdade de teologia protestante. "Estais a atirá-lo para os braços da apostasia", tentou avisar um dos religiosos mas ninguém o queria ouvir. No mesmo ano, o Pe. Congar participou na fundação das edições "du Cerf", e da revista "La Vie Intellectuelle", fundada pelo Pe. Bernardot para lutar contra a influência maurrassiana. Juntou-se então aos padres Chenu e Boisselot, os quais muito admirava.

Em 1937, fundou a coleção "Unam Sanctam" (nas edições du Cerf, especializada em assuntos de eclesiologia). Será então a ocasião para publicar livros do Pe. Lubac (2) ou do pré-modernista alemão Mölher (a difusão do seu livro "L' unité dans l'Eglise" será aliás proibida pelo Santo Ofício). Também se ligou ao teólogo protestante Karl Barth.

O Pe. José Ratzinger (Bento XVI), e o Pe. Y. Congar
Em1937, no seu livro "Crétiens désunis, principes d'un oecuménisme catholique" (primeiro volume da coleção "Una Sanctam"), o Pe. Congar explicava o que era o ecumenismo ao qual iria consagrar toda a sua vida:

"A palavra "ecumenismo", de origem protestante, designa actualmente uma realidade bem concreta (...). Ela não é o desejo ou a tentativa de reunir numa só Igreja considerada como a única verdadeira, grupos cristãos considerados dissidentes. Ela começa quando consideramos que nenhuma confissão cristã possui, no seu estado actual, a plenitude do cristianismo; e que, mesmo se uma delas é verdadeira, não possui no entanto, enquanto confissão, a totalidade da verdade, mas existem outros valores cristãos fora dela, não só nos cristãos confissionalmente separados dela, mas nas outras confissões ou nas outras Igrejas enquanto confissões ou Igrejas". Em que medida este ecumenismo seria compactivel com o ensinamento da Igreja? É o que o Pe. Congar se esforçou por estudar aqui. Mas antes de o seguirmos no seu estudo, é necessário esboçar de uma forma breve a génese do movimento "ecuménico".

1. Unidade católica e ecumenismo protestante.
Desde sempre, a Igreja Católica rezou pelo regresso dos heréticos e dos cismáticos à unidade católica. Pois considera ser esta a única unidade possível: a unidade fundada sobre a Verdade (necessáriamente única) que foi revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo que é Deus, ensinada pelos Apóstolos que Ele escolheu, e instituiu, e pelos seus sucessores. Esta unidade só pode ser mantida por uma autoridade única, a do Pontífice romano, sucessore de Pedro sobre quem foi fundada a Igreja.

Para a Igreja, não existe nenhuma preocupação intelectual com a unidade dos cristãos: o sentido desta unidade está perfeitamente definido, e os meios para a alcançar também. Trata-se da submissão à Fé única -porque a unidade da Igreja é, antes de tudo, unidade em Jesus Cristo e por conseguinte unidade de Fé - e de obediência ao Pastor único, instituído por Nosso Senhor. Esta serena certeza não é um fechar-se sobre si própria: mas pelo contrário, tem sido a origem de uma imensa corrente de missões e apostolado, que se perpetua desde os primórdios da Igreja, e conheceu os seus momentos altos nos séc. XVII.

Esta certeza serena, aliada ao zelo missionário heróico de milhares de Padres e Religiosos tem atraido continuament novas almas para a Igreja; o séc. XIX conheceu uma onda de conversões dos judeus ao catolicismo (nomeadamente Ratisbonne, o Pe. Cohen, o Rabino Drach, os irmãos Lemann, o Pe. Libermann), que continuou no séc. XX (o Rabino de Roma Israel Zolli, que se converteu em 1945, e quis tomar no baptismo, o nome de Eugénio, que era o de Pio XII, para testemunhar do seu agradecimento ao grande Papa a quem devera a sua conversão); as conversões dos judeus ao catolicismo foram numerosas nos Estados Unidos e na Inglaterra, até 1960. Este número decaiu após o Concílio Vaticano II. Constatamos o mesmo movimento no sentido da unidade com a Igreja romana da parte dos anglicanos de Oxford; e que permanecerá estável até ao Concílio Vaticano II, após o qual decairá drásticamente) e da parte dos protestantes de todas as obediências (nos Estados Unidos converteram-se, antes do C. Vaticano II, em média 170.000 almas por ano. Depois do Concílio, já não chegam sequer ao milhar).

Para os protestantes, pelo contrário, a questão da unidade dos cristãos revela-se sem solução: se não se admite outra verdade para além da verdade da Bíblia, como conciliar estão entre si diferentes interpretações da Bíblia? Seria necessário reconhecer uma autoridade insituida por Deus para dar esta interpretação- e é justamente contra esta autoridade que Lutero e Calvino se revoltaram no séc. XVI.

No entanto, existe uma palavra do Evangelho que continuamente os atormenta: "Que eles sejam apenas um... haverá apenas um só rebanho e um só pastor" (João XVIII, 21 e , 16). Como realizar esta frase, não querendo no entanto reconhecer a Igreja Católica e o Papa? É necessário então conceber uma nova forma de unidade, que já não seja unidade na Fé (unidade na Verdade à qual aderimos), mas unidade no sentimento: acreditamos de forma diferente, mas vamos tentar passar por cima das diferenças e considerar-nos irmãos apesar delas, e reunir-nos à volta do mais pequeno denominador comum (a crença na existência de um Deus e de um Cristo, por exemplo). Assim é o espírito do falso ecumenismo.

E tem como particularidade fazer passar a preocupação da união entre os homens, antes da união com Deus. Tomaremos por exemplo o caso da Santa Eucaristia: a Igreja ensina-nos que Jesus está substancialmente presente no lugar do pão após a consagração (já não existe pão, existe Jesus Cristo sob as aparências de pão); quanto aos protestantes, encontram-se divididos sobre a questão. alguns admitem uma certa presença corporal de Cristo, mas no interior do pão (para eles, existe ao mesmo tempo a realidade do pão e a realidade do Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo), outros falam de uma presença espiritual, para outros ainda não passa de um símbolo. No entanto, todas as pessoas vão tentar reunir-se e orar juntas - evitando discutir entre si os assuntos que as separam, e portanto sobre a Presença Eucarística de Nosso Senhor; para eles, o facto de poderem estar localmente juntos é mais importante que a adoração devida a Nosso Senhor na Eucaristia. Estão prontos a sacrificar a Verdade revelada por causa de fazer um agrupamento meramente humana.

(continuação, II parte)

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