(continuação da I parte)
O Santo Lenho - escreveu Fr. Lucas de Santa Catarina (9) - "recolhido numa grande caixa de prata, que incluía em outra de pau, defendida de chapas de ferro, com uma decente coberta, vinha sobre uma mula bem ajeazada" (10)
O prodígio é contado assim por Jorge Cardoso (11) com a prudência de quem relata a tradição:
"É certo, que vinha esta Relíquia dirigida à Sé de Évora, e chegando ao lugar da Fonte-Santa, nunca a mula que a trazia quis passar diante, até que lhe foi tirada a sagrada carga. E para que não servisse em profanos usos, estalou de repente, com a admiração de todos, que ali se achavam. E para ficar mais famoso o milagre, brotou a terra um canal de água, que hoje persevera, com o título de Fonte-Santa (12), e o Arreiro metendo na terra a vara com que picava a mula, em continente se viu um formoso pinheiro, de que ainda há memória, por mais que os romeiros o levem em Cruzes, pelas quais obra o Céu grandes maravilhas (13). Tudo isto corre por conta da Tradição, à qual nada acrescentamos nem diminuímos".
Achou D. Afonso Pires Farinha serem prodígios sinais do Céu para que o Santo Lenho ficasse em Marmelar.
Ocorre agora perguntar: quando veio a relíquia de Jerusalém já eistiria o mosteiro de Marmelar, ou foram os factos prodigiosos ali sucedidos que determinaram a sua fundação, como pretendem Fr. Lucas de Santa catarina (14) e o Pe. António Franco (15)?
Considerando o silêncio absoluto da lápide da fundação do mosteiro, acima transcrita, sobre a vinda e as circunstâncias que acompanharam o Santo Lenho, parece-nos ser anterior o mosteiro.
Outro documento relativo ao mosteiro de Marmelar aparece-nos a 16 de Abril de 1274 (era de César 1312), em que D. Afonso Pires, novamente Prior, obtém do Bispo D. Duarando e do Cabido eborense a isenção do mosteiro de Marmelar e seu termo, confessando-se gratos por terem recebido "gratias et honores, subsidia ac beneficia multiplicia et in multis locis" de D. João Peres de Aboim, Senhor de Portel, de sua mulher D. Martinha e de seu filho Pedro Anes e "a religioso uio frente Alfonso peti Farina Priore hospitalis Sancti Johanis Hyerosolimitani in Regno Portugalliae [...] et fratre Alfonso Petri, ad petitionem e instantiam ipsorum" quiseram isentar como "gratiam specialem, in Monasterium de Marmelar quod idem Dominus Joanes et predicat uxor sua contulerunt in elemosinam Ordini hospitalis sancti Johanis Hyerosolimitani (16)".
Neste documento nenhuma alusão se faz ao Santo Lenho, que provavelmente só terá vindo para Marmelar depois de acabado o mosteiro em 1278.
Lugar onde se guarda o Santo Lenho em Vera Cruz do Marmelar |
Do Marmelar irradiou a devoção ao Santo Lenho para a própria Côrte de Lisboa, onde El-Rei D. Dinis o mandou ir, como se sabe pela seguinte cláusula imposta aos seus testamenteiros, entre os quais se contava a Rainha Santa Isabel, ordenando a restituição de tão precioso tesouro à Vera Cruz:
Igreja dos Hospitalários em Vera Cruz de Marmelar |
"Pero que tenho por bem e mando que torne logo ao Marmelar a Cruz de ligno domini que eu mandei filhar emprestada, cá a mon filhey eu senom por devoçom que em ela avia e com entençom de a fazer tornar um ante fija" (17).
Assim se explica a devoção de El-Rei D. Afonso IV para com o Santo Lenho durante o perigo iminente da reconquista da Península pelos mouros, que culminou na retumbante vitória do Soldado.
(continuação, III parte)
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