17/04/14

BREVE NOTÍCIA DA SAGRAÇÃO DA REAL BASÍLICA DE MÁFRA (I)

D. João V
"No dia 18 de Outubro chegaram a Mafra os cardeais da Cunha e da Mota, os bispos de Leiria, Portalegre, Pará e Nankim, em coches de aparato, seguidos de larga criadagem e de muitas azémolas carregadas e cobertas com reposteiros bordados.

A 19 chegaram o Rei, o Príncipe do Brasil D. José e o Infante D. António, em coches sumptuosos, acompanhados pelos criados da Casa Real. A 20 entrou na vila o Patriarca num coche riquíssimo, ao qual seguiam o de estado e mais quatro com os seus criados.

No dia 21, de manhã, o deão da Sé Patriarcal, revestido de capa de asperges e com mitra encarnada, entre o Rei e a Família Real, realizou a benzedura dos paramentos e das peças litúrgicas, assim como dos paineis dos altares laterais. A seguir, benzeu o convento com todas as suas dependências - noviciado, refeitórios, dormitórios, celas, etc.

À tarde na capela do Hospício, fizeram os arrábidos, com a presença do Rei e da Côrte, as Vésperas da dedicação da basílica, às quais se seguiu uma procissão até à mesma; ao seu desfile assistiu o Rei e a Família Real da varanda De Benedictione.

À noite, numa sala do palácio régio armada em capela, sigilou o Patriarca as relíquias dos Apóstolos e Evangelistas que no dia seguinte devia colocar no altar-mór. Depois, cantaram-se as Matinas dos Apóstolos, com a presença do Rei e da Família Real, que a seguir foram ouvir as do Hospício, cantadas desde a maia noite até às três da madrugada. Este diligentíssimo e fervoroso zelo devoto do monarca deu provas de admirável resistência durante os oito dias seguintes.

Real Convento de Mafra
No dia 22, o 1º da sagração, as funções religiosas começaram às 7 horas da manhã e só às 3 da madrugada tiveram fecho.

No terreiro, cortado por uma rua toldada com panos de brim para passar a procissão, postrou-se em forma, às 5 horas da manhã, a tropa, composta de cavalaria e infantaria. às 6 horas ingressaram os frades no seu convento, onde já estava o Rei com os Príncipes, os quais assistiram à Missa rezada na Sala de Benedictione, depois da qual João V deu beija-mão à Côrte por ser esse dia o seu natalício. Pelas 7 horaschegaram a Rainha, a Princesa, os Infantes D. Pedro e D. Fransicso. Daí a meia hora surgiu a procissão, debaixo de cujo pálio ia o Patriarca com magnífico pluvial branco e mitra recamada de pedras preciosas, seguido pelo Rei, pelas altezas e pelos difalgos da Côrte, cobertos de galas custosas, à compita. Primeiro, o Patriarca deu beija-mão; depois, cantadas uma antífona e a Ladainha de todos os santos, benzeu o sal e a água.

Enquanto fez a aspersão em si próprio, nas pessoas reais, nos eclesiásticos e no povo, cantou-se a antífona Asperges Me.

A disposição do vestíbulo, cujo pavimento estava alcatifado, era esta: À esquerda, sobre 4 degraus, o trono patriarcal com cadeira e docel de tela branca e o do Rei e das altezas com cadeiras e docel de veludo carmesim guarnecido de oiro. Defronte, encostados aos arcos, bancos de espaldares, cobertos de razes, para os cónegos e bancos razes, cobertos também de razes, para os beneficiados. Ao fundo, lado meridional, a tribuna da Rainha, da Princesa do Brasil e das suas damas, À direita uma credência com várias peças: caldeirinha, isope, aspersórios, jarros e pratos, de prata doirada, e sal moido, sobre um escabélo um grande vaso de prata, em concha, com água. Junto dos degraus da porta e sobre uma credência ficava o cerimonial e defronte, o faldistório.

Findo o sobredito acto, ordenou-se novamente a procissão, levando cada beneficiado um castiçal com vela acesa. Durante o rodeio da basílica aspergiu o Patriarca as suas paredes com água benta. Chegada à porta nela bateu o mesmo três vezes com o báculo dizendo "Attolite portas principes vestras...", ao que o diácono do interior respondeu "Qui est iste Rex gloriae?". Retorqui o Patriarca "Dominus fortis et potens inpraelio."


Por mais duas vezes andou a procissão à volta da igreja e bateu à sua porta o Patriarca. À terceira, porém, respondeu ele e todo o clero: "Dominus virtutum ipse est Rex gloriae", dizendo depois em triplicado "Aprite". Então se abriu a porta. Antes do ingresso fez o Patriarca uma cruz com o báculo acompanhada da frase "Ecce crucis signum, fugiat fantasmata cuncta".

Pela nave estavam distribuidos, a distâncias iguais e formando cruz, montículos de cinza, sobre os quais o Patriarca gravou os alfabetos grego e latino, com as letras recortadas em papelão, com o báculo.

Na capela-mór estavam dois tronos, à esquerda, um para o Rei e a Rainha, o outro para o Patriarca. Fronteiras, do lado da epístola, ficavam duas grandes credências - uma com incenso em grão e moído, e sal, em pratos de prata doirada, aspersórios, uma garrafa de prata com vinho branco, duas bandejas com cal e pó de pedra, outra vazia para nela se fazer as argamassa, pratos de prata com o avental para o Patriarca, toalhas para limpar o altar e três velas pequenas, uma taça de prata para a água benta, algodão para limpar os óleos das sagrações; a outra com os castiçais do altar, turíbulos e navetas, caldeirinhas e isopes, de prata, tudo disposto segundo as rúbricas do pontifical romano.

Chegado ao altar-mór o Patriarca benzeu a àgua, a cinza, o vinho e o sal, desceu depois até à porta da basílica e nela com o báculo riscou duas cruzes. Voltando ao altar-mór por sete vezes o rodeou enqaunto cantava o salmo Miserere e o aspergia de água benta. Passou depois a rodear três vezes a basílica, como fizera no exterior, aspergindo-lhe as paredes com a dita água. Aspergiu também o pavimento, em cruz, desde o altar-mór até à porta.

Cantada a antífona Vidit Jacob, de novo aspergiu o chão e o ar, lançando a água na direcção das quatro partes do mundo.

A seguir, pôs o avental e fez o cimento.

Todas estas cerimónias acompanhou atentamente o Rei por um pontifical romano, verificando, como entendido namatéria, que não lhe faltava um gesto, uma palavra.

Posto isto, formou-se novamente a procissão para ir buscar à capela do palácio as relíquias lá depositadas. Assentes estas pelo Patriarca em andor, outra volta à igreja executou o préstito. Depois, todos a póstos nos seus lugares, pronunciou o Patriarca uma elegante e piedosa prática àcerca das excelências dos templos sagrados, lembrando ao Rei, como fundador deste, a obrigação de o dotar a preceito para sua conservação e para subsistência dos seus ministros, os bons frades arrábidos, e lembrando a estes o dever de rogar a Deus pela saúde e pelo feliz aumento de Sua Majestade. Tal pratica foi a meio interrompida pelo 1º diácono com a leitura adequada de dois decretos do concílio tridentino, os quais proibiam, sob graves penas, defraudar os bens eclesiásticos e ordenavam o pagamento dos dízimos à Igreja. Respeitosamente, o Rei de pé ouviu toda a pia exortação.


Fez-se, depois, o benzimento do altar-mór, acto de grande complexidade de cerimónias: antífonas, salmos, unções de óleos santos, aspersões de água benta, incensções, et. Sagrou, também, o Patriarca, as cruzes do altar-mór, do cruzeiro e da nave, e no meio do altar meteu uma caixa de prata dourada com as relíquias dos Apóstolos.

Eram cinco horas da tarde quando acabou esta parte da sagração. Mas ninguém arredava de cansado.

Começou, então, a Missa de Pontifical, que foi cantada com extraodinária imponência, quer pelo precioso dos paramentos quer pela qualidade de sacerdotes e qualidade de cantores. Estes eram os da Patriarcal, vindos de Roma por escolha. O acompanhamento musical era feito pelos seis órgãos. no exterior, os sinos das torres repicavam estrondosamente.

No seu final, o Patriarca subiu à varanda De Benedictione e dali lançou ao povo, que enchia o terreiro, a benção. Depois, eram 7 1/2 horas, retirou-se para descançar, mas o Rei continuou firme no seu posto.


Àquela hora entram no coro os frades para cantar Sexta e Noa, depois do que passaram ao refeitório (não era sem tempo) seguidos pelas Pessoas Reais e pela Côrte. Aí, a iluminação era feita por 30 candieiros de latão de 4 lumes cada um. Antes de se sentarem, cantaram a benção da mesa. Quando sentados, entoou o leitor o 1º ponto da leitura oportuna, depois da qual o Provincial deu o sinal para se servir. Então se viu um espetáculo tanto mais admirável e assombroso de piedosa humildade quão menos esperado. O Rei, o Príncipe D. José e o Infante D. António, depostos chapeus e espadins, começaram a servir os frades, conduzindo os pratos em tábuas redondas apropriadas. À ordem régia, para rápido despacho do serviço, imitaram-nos os Condens de Assumar, de Aveiras, de S. Miguel e de Povolide. Isto causou grande perturbação nos espíritos dos frades, pois ao abatimento da soberania em tão grande acto de humildade se juntava o da mortificação no distribuir tantos pratos, porque eram 320 os convivas.

Acabado o repasto, voltou a comunidade ao coro, cujos cadeirais tinham sido colocados durante esse intervalo, apezar de tal trabalho, a que deu seguro despacho o engenho do italiano Tadeu Luís, mestre da carpintaria, ser considerado quase impossível. Neles também se sentaram as Pessoas Reais. E aí, em descanso, estiveram todos desde as 9 às 11 horas, que este foi o tempo gasto por Frei Fernando da Soledade, ilustre cronista franciscano da Província de portugal, com o seu erudito e substancioso sermão, alumiado por 320 velas. Seguiu-se ao mesmo as Vésperas da dedicação da basilica e, depois, as Completas. À função, porém, ainda faltava o coroamento, que lhe foi dado pelas Matinas de S. João Capistrano, cantadas pela comunidade desde a meia hora às três da madrugada. Só então o Rei e os seus familiares regressaram ao palácio para dormir.

No 2º dia do oitavário ou da sagração foi celebrante o Bispo de Leiria, que sagrou as capelas da Coroação da Virgem e da Conceição. A Fr. José de Beringel, da província da Piedade, coube o sermão.


No 3º sagrou o Bispo de Portalegre as capelas da Sagrada Família e de S. Pedro de Alcântara. Foi pregador o Rev. Fr. Manuel de S. Nicolau, da Província dos Algarves.

(continuação, II parte)

2 comentários:

fcmoncada disse...

Magestoso artigo, tal como o conjunto de actos que descreve. Parece a história encantada de uma outra espécie, num outro mundo. Que as grandezas passadas, como esta, nos ajudem a manter e avivar a Esperança.

anónimo disse...

Obrigado, por Comentar.

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