31/08/12

HUMOR, LUCIDEZ, VERTICALIDADE DO Pe. AGOSTINHO DE MACEDO - UMA CARTA



Eis um convite ao Pe. José Agostinho de Macedo, e sua resposta, de censura sobre o Periódico dos Pobres*:

CONVITE:

Manda a Sereníssima Senhora Infanta Regente do Reino, em Nome dÉl-Rei, que a Comissão de censura informe se V. S.ª quer encarregar-se de censurar o Periódico denominado dos Pobres, como requer o seu redactor António José Candido da Cruz, para o que nos manda ouvir a sua resposta, que esperamos. Deus Guarde a V. S.ª


Lisboa, 9 de abril de 1827.

(assinados) Manuel José Pires, Fr. Henrique de Jesus Maria, Fr. José de S. Francisco de Assis.



RESPOSTA:

Eu já disse aos Pobres que querem ilustrar os outros Pobres, que eu, eles e os outros que o são necessitam de esmolas e não de luzes. É verdade que estes pobres redactores, ricos de zelo pelos progressos da civilização e extirpação do servilismo e absolutismo, arreigamento das liberdades pátrias e garantias individuais, são como os nossos amigos antigos aliados e protectores, os filhos da Grã-Bretenha, que para não paralisarem a sua indústria, nem deixarem encher de ferrugem as máquinas das suas fábricas, das chitas de lindas, mas efémeras pinturas a tostão de e seis vinténs... por dez réis, com profundos e sublimes discursos... numa manhã só fazem de cada bacalhoeiro, de cada capelista, de cada fanqueiro um Pitt e um Barão de Turgot em política, e de cada bravo do corpo do comércio e atiradores um Epaminondas, e não há empunhador de cavado e vara na classe de lã e seda que com o Periódico dos Pobres na mão se não estime e assoalhe em legislação mais que um Licurgo e Numa Pompilio, e eu me persuado que a estas horas os Códigos estão feitos em cada loja de breu, cabos e roldanas pelo largo de S. Paulo. À vista de tão conhecidas vantagens eu seria um inimigo da Regeneração e do Legitimismo se me esquivasse ao trabalho de censura do Periódico dos Pobres, e de caminho eu também aprenderia, porque em matérias políticas e em tarefas de publicistas sou uma miséria. Contudo assim mesmo miserável sou algum tanto amigo da verdade, e o Periódico dos Pobres merece que se lhe diga que mente mais do que dá pelo amor de Deus, que é quase o mesmo que vender-se a dez réis, e ainda que a mentira seja a alma dos Periódicos, este mente em corpo e alma. Não há seis dias que nos deu nosso general em chefe das operações, o Ex.mo Sr. Conde de Vila Flor, fazendo passar as divisões das três armas do seu comando da província de Traz-os-Montes para a parte mais setentrional da Beira Alta, lançando pontes sobre o Douro e estabelecendo a linha de contacto com as brigadas e pelotões do general Azevedo, que nos desfiladeiros do alto Coa observa os movimentos do exercito grande dos inimigos, acrescentando que o mesmo Ex.mo Sr. general e digno par, depois da passagem da vanguarda e corpos ligeiros de observação, venha pelo Douro abaixo, a passar alguns dias na cidade do porto e abraçar o seu irmão de armas, o Ex.mo Sr. general Stubbs, e que para isso já tinha partido de voga arrancada e a grande distância o escaler da Ill.ma Companhia do Vinho; e tudo isto nestes termos, quando o mesmo Ex.mo Sr. general em chefe das operações já estava aqui em Lisboa entre nós, no seio da sua família, descansado encostado sobre os seus mesmos louros, que nunca hão de murchar. ora se estas descaradas mentiras se devem tolerar, se este enredo em que estes foliculários trazem o povo se deve sofrer, então eu serei o censor do Periódico dos Pobres. É verdade que eu devia acquiescer ao sentimento emitido na câmara baixa, dos srs. deputados, pelo sr. deputado o sr. Borges Carneiro: "que o Periódico dos Pobres cumpria com o preceito do derramamento das luzes, propalando altas verdades e instruindo a nação toda, que por certo se compõe de pobres." Todavia eu não estou pelo oráculo de tamanha e tão grande cabeça, porque apesar das íntimas, gerais e vastas comunicações que têm os seus redactores em todos os gabinetes europeus, mente sempre, baralha as ideias populares e se se vende a dez réis é dez réis de mel coado, e eu não quero nem estou para ser cúmplice de parvoíces.

Uma comissão inteira pode mais que um homem só. Estou gravemente enfermo, ocupado sempre no exame e censura das contínuas Relações de livros estrangeiros, que se introduzem neste reino sem interrupção, coisa de tanto momento e de tão atendíveis e perigosas consequências. Não é este um pequeno serviço e sem outra recompensa mais que o testemunho interior da minha consciência, que me diz que sirvo a minha pátria com honra, com zelo e com desinteresse. É o que posso dizer e informar a V.ª R.ma

Lisboa, 12 de abril de 1827.

J. A. de Macedo


* Impressa no Museu Litterario, pag, 56. 

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES