19/03/12

S. TEOTÓNIO - PRIMEIRO SANTO DO REINO DE PORTUGAL (V)

(continuação da IV parte)


Sacerdote e Prior de Viseu Floresce na Pureza e Mais Virtudes

1. Ordenado Sacerdote, começou Teotónio a crscermais na prudência dos costumes e madureza da boa conversação, dando proveito a todo o povo de Deus enquanto se adiantava na prática  das virtudes, e o edificava com os mais honestos procedimentos de vida inculpável. Assim pois vivia, que a todos dava bons exemplos em sua conversação e tracto. Exercitava admiravelmente o Ofício da sua Ordem, catequizando e instruindo na Doutrina e mistérios da Fé aos povos rudes; ele os baptizava, e instruídos nas obrigações de Cristãos os incorporava na Igreja Santa. Chamava os delinquentes à penitência; ele os sarava, absolvia, e reconciliava com Deus, aplicando com a mais recta administração dos Sacramentos juntamente a medicina de suas orações e palavras de toda a consolação.

2. Suplicava, e instava com orações a Deus pelos pecados do povo, como bom medianeiro entre Deus e os homens: qual outro Moisés trazia ao povo os preceitos de Deus, como excelente pregador da verdade em que instava e insistia com zelo incansável e espírito verdadeiro Apostólico; e levava a oferecer a Deus as orações do povo, intercedendo pelos pecados do mesmo povo; no altar celebrava os divinos mistérios do Corpo e Sangue de Cristo, hóstia de propiciação, com que aplacava a suprema e infinita Majestade; aí dizia por todos as orações, e benzia os dons de Deus e as oblatas dos fiéis. Sempre cheio de temor, respeito e veneração divina. Permanecia na igreja cumprindo completamente seu Ofício Celestial. Desprezou de todo o fausto e luxo, com as delícias do século, que passam, e servem de ruína aos que as gozam, Não o desvaneciam os louvores, nem com as riquezas se fazia túmido e desabrido, nem a pobreza o abatia e deixava triste; mas, sempre igual no prospero e adverso, nem se ocupava nos excessos de alegria ou tristeza, nem entretinha seus cuidados mais que em Deus, em promover por todos os modos a glória do Senhor, a própria santificação e salvação de todas as almas. Para isto exposto a quaisquer fadigas, esquecido de todo o descanso, nem sentia os ardores do sol do dia, nem a lua de noite o molestava.

3. Louvem outros em S. Teotónio, que nunca buscou novidades, curiosidade ou desejos e delícias da vida; nunca cobiçou honra ou aplauso longe de toda a ambição e de quaisquer outros defeitos: eu mais nele admirei, que em todas as suas acções foi sempre tão circunspecto que fazia resplandecer em seu hábito a honestidade e pureza angélica. Cuidava pois, como se diz, em fugir de todas as suspeitas e ocasiões em que com probabilidade se pudesse fugir o que era menos decente. Por isto em sua casa, ou cela, nunca jamais quis ter, nem admitiu leito, cadeira, banco, ou assento, em que descansasse, ou se pudesse assentar. Isto, como diz S. Gregório, é próprio dos Varões Santos, que para sempre estarem longe das coisas ilícitas se abstêm e apartam de si muitas vezes as lícitas. Portanto para não incorrer alguma culpa pelo tracto de mulheres, nunca com elas admitiu prática, nem ainda confissão particular, se não à vista de testemunhas. E costumava dizer que se tivessem de falar alguma cousa mais em segredo, não haveria alguma tão desumana e intratável que não tivesse uma ou outra mulher, em que se fiasse, para a acompanhar juntamente à confissão. Contudo amava como irmãs a todas as mulheres: mas, como dissemos, as acautelava como inimigo, negando-se de todo à sua familiaridade.

4. Com estas virtudes se fez tão amado não só dos nobres e principais de Viseu, e de todo o povo, mas ainda por toda a comarca e providência da qual muitos de um e outro sexo acudiam a ouvir da sua boca a palavra de Deus, que o respeitavam com o maior afecto, como pai espiritual e Reverendo Mestre, e director de suas almas. Portanto vencido com as súplicas e instâncias de todos os cidadãos de Viseu, e principalmente Gonçalo, Bispo de Coimbra, a quem então, como já notámos, pertencia à Igreja de Viseu, e bem contra sua vontade, como depois mostrou o sucesso, tomou posse do priorado da Sé de Viseu. Ele a ampliou por sua discrição prudente, e fez aumentar muito em bens temporais, em grande número de livros, vestes sagradas, sinos, cruzes, e cálices de prata dourados, em muitos testamentos que por respeito do santo Prior lhe fizeram os fiéis; ele a sublimou admiravelmente ao mais alto grau de honra que ao presente gozar; ele ajudando aos clérigos, dando-lhes toda a honra devida ao seu carácter, fez mui respeitável a sua igreja: e o que é mais que tudo, a enriqueceu com os costumes e exemplos de sua vida a mais pura, casta e santa.

ADICTAMENTO

1. Morreu o pior D. Tedónio no ano 1112, e assim este parece ser o da promoção de seus sobrinhos S. Teotónio na idade de 30 anos ao Priorado de Viseu. A devoção e piedade, que o santo Sacerdote fomentava nesta cidade com seus exemplos e doutrina, fizeram aí florescer o espírito da Igreja primitiva. Cheios seus moradores de caridade, e doçura com os próximos, faziam seus bens comuns aos necessitados. O amor de Deus os unia todos; tendo o mesmo coração e alma: aquela cidade ilustríssima neste feliz tempo só parecia uma casa religiosa, em que se cantavam perpétuamente os louvores divinos: tudo era bem ordenado, e se observou uma grande paz e tranquilidade nos ânimos. E como não seria assim abençoada com espirituais e temporais felicidades, se este Anjo do Senhor falava pela cidade, e lhe impetrava as misericórdias do altíssimo? (Job. XXXII. Si fuerit pro eo Angelus loquens miserebitur ejus). Falava Teotónio como verdadeiro pai de todos, atendia a cada um com mais ternura que a mãe ao filho único de suas entalhas; e como com pastor, qual outro Jacob, deixava fugir o sono de Deus olhos por não os apartar das ovelhas de Cristo, que tinha mui presentes ainda no mais profundo silêncio de alta noite, para rogar a Deus por sua eterna saúde. Os ardores do estio, os gelos do rigoroso inverno, de dia e de noite não o puderam divertir da oração e lição santa, da frequência do coro, da pregação contínua da palavra de Deus, da administração dos sacramentos.

2. Sua penitência causa pasmo e assombro; nem se fizera crível a não ser testificada pelo discípulo, autor digno de todo o crédito, em tudo exacto, sincero e verdadeiro. Este nos assegura que S. Teotónio nem tinha cama, nem banco em que pudesse descansar ou dormir; e assim é evidente que nem se despia, nem tomava algum breve sono mais que sobre a dura terra. Os cilícios, e aspereza do saco, que cingia sobre a carne, e escondia com os vestidos ordinários, era outra penalidade mais disfarçada, mas por ser perpétua não deixava de ser molestíssima. Esquecia-se do sustento; no jejum se gozava de padecer fome e sede por amor da justiça. Crucificado ao mundo, qual o Apóstolo S. Paulo, sua vida escondida em Cristo, não cessava de brilhar sobre a terra; manifestas suas boas obras aos homens pela divina providência, por mais que ele só em oculto procurasse agradar ao Pai Celeste: mas a este se referia todo o louvor dos prodígios e maravilhas, com que engrandecia no mundo a seu admirável e fiel servo, que havia posto sobre sua família, a quem havia dado suas vezes, e fiado o cuidado importantíssimo da salvação das almas. Ao tempo de seu Priorado se devem referir alguns sucessos, que vão nos seguintes capítulos, que parece não observada neles a ordem cronológica, como são as victorias que obteve de mulheres impúdicas; o costume de celebrar missas às setas feiras pelas almas, e nos sábados em obséquio de N. Senhora, e o que passou com a Rainha D. Teresa ou "Taraja"; mas por não inverter, ou deixar de seguir a narração do Anónimo, se vai traduzindo da mesma sorte que vem no original.

(a continuar)

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