15/01/11

"FREUD EM CIFRA" III


(continuação do "Freud em Cifra" II)


Pilares de base


Vamos elucidar agora brevemente os pilares de base do sistema de Freud.


1º) O método terapêutico

A “psicanálise” foi primeiramente uma cura para a neurose, antes de transformar-se numa psicologia (auto-denominada “profunda”) uma antropologia e finalmente uma filosofia da cultura.


A cura consiste essencialmente em esquadrinhar o “trauma psíquico infantil sexual” oculto na Subconsciência e disfarçado nos “sintomas” conscientes; trazê-la á superfície e fazer com que o paciente “contra-reaja ” (“abrectionieren”); ou seja, faça com a luz da razão a distinção do trauma que não se fez ter-se produzido. O trauma foi submergido na subconsciência por obra do “esquecimento activo”; se permanece na consciência, não se produz neurose.

Este esquadrinhamento faz-se por meio de análise freudiana dos sintomas, dos sonhos, dos actos falhados e das associações livres.

A estrutura é bastante conhecida, incluso até pela ironia dos humoristas: o paciente, estendido num sofá, a meia-luz, sem conseguir ver o psicanalista, é convidado a falar em voz alta tudo o que lhe passe pela cabeça, seja ou não fútil, disparatado, grotesco ou indecente; interpondo o curandeiro escassos comentários ou perguntas: estas são as “acções livres”. Por outro lado, o paciente deve contar todos os seus sonhos e actos falhados (ver mais adiante) os quais interpreta o “Freude-freudior” de acordo com os fixos esquemas cruamente sexuais, por vezes nada simples.

Freud anuncia que no curso desta bizarra operação achou por mera experiência o “transfert” ou “transferência” que consiste numa fixação afectiva veemente do psicoanalizado no psicanalista, de amor ou repulsão, que provem de tê-lo identificado com alguma pessoa da sua infância; com o qual afecto deve lutar o mago e acomodá-lo á desejada cura. Súllivan disse que na sua experiência clínica esse dramático episódio não se dá; e quando aparece ao acaso, é mórbido e contra-indicado.

Enfim, Freud nos seus começos estimou que o mero descobrimento da causa dos sintomas, ou seja o trauma sexual infantil, trazia sem mais nem menos a cura; mas depois corrigiu-se, exigindo para isso um esforço de parte do transferente e do transferido, ao que chamou “contra-resposta” (ab-reagieren).


2º) A Libido

Do latim “libido, libídinis”, concupiscência sexual (de donde o castelhano “libídine”) designa em Freud a energia psíquica primordial e abrangente. É indubitável que no primeiro Freud representou-a assim: 1º a raiz das neuroses psicógenas; 2º a chave de toda a vida de relação; 3º o fundo de toda a actividade afectiva; 4º o motor de toda a vida cultural; mas com um sentido amplo que abarca, mais alem da sexualidade normal e adulta (“genital”) também os estados embrionários, paranormais e ainda “subliminados”. Em sua segunda posição Freud admitiu a existência de instintos diversos “os instintos do Ego”; e na terceira elaboração  do seu sistema, conglomerou estes instintos egoístas junto com um outro estranho, “impulso destrutivo” ou “Thánatos”.

Freud nunca admitiu que essa energia sexual multiforme pudesse transformar-se em actividade especificamente diversa e não-sexual (como urgiam os psicólogos “gesthaltistas” do seu tempo) nem sequer por via de sublimação. Foi este “monoinstintivo” ou “pansexualismo” o ponto neurológico dos diversos cismas da escola. Jung transformou a Líbido (enquanto que Adler negava sua predominância) em “energia vital prediferêciada”; ainda que de declinação predominante sexual. De Sanctis, Dalbiez, Súllivan, Von Monakow e outros modernos terminaram por reduzi-la a um dos três instintos fundamentais (conservação, reprodução e domínio); não negando a sua possível preponderância em casos anormais ou nas condições das grandes urbes actuais; ou finalmente no “estado neurótico do nosso tempo…” (Karen Horney).

Na sua tentativa para livrar-se do “pansexualismo” dos freudianos-mais-que Freud (Freude freudiores) os psicólogos esforçaram-se em dilatar cada vez mais o conceito de “Libido”; com definições e denominações nem sempre claras; e assim chamaram-na por exemplo “Instinto cinético” ou “Energia cinética geral” (Régis e Hesnard) “Tropismo vital” (Laforgue e Allendy) “Enlace vital” (Jung) “Vontade” no sentido de Schopenhauer ou “Vontade de poder” (Adler) “Actividade prediferenciada” (Escola de Zurich, Maeder) “Interesse vital” ou “Atracção” (“appás”) Claparéde, etc…

Somente os freudianos-mais-que Freud professam hoje em dia aquela noção de Libido dos começos do seu mestre: o qual, contudo, na etapa final de vida, professa ainda que de algum modo a Libido é essencialmente sexual; ainda que não TOTALMENTE.

“O que antes chamávamos alma, segundo Freud é simplesmente sexo; e a salvação eterna é o que vocês sabem…” – concluiu um rapazinho.


3º) O Complexo de Édipo

A principal façanha do LIVRO (que é a alma da alma) entre outras igualmente surpreendentes, é o Complexo de Édipo, hoje em dia muito afamado.

É sabido que na mitologia grega e no grande drama de Sófocles, Édipo Rei, o herói, mata seu pai e casa-se com sua mãe – sem conhece-los. Mas para Freud Édipo é o Bebé que até agora a humanidade pouco psicóloga teve por comparativo de inocência.

Escutemos melhor o próprio Freud:
“A Psicanálise vê na “identificação” a primeira manifestação dum apego afectivo a outro. Esta identificação faz um papel importante no Complexo de Édipo, nas primeiras fases da sua formação. A criancinha manifesta um grande interesse por seu pai; quisera ser como ele, substituí-lo em tudo. Digamo-lo frontalmente: faz do seu pai um ideal… Simultaneamente com esta “identificação” com o pai (ou pouco depois) a criancinha começou a dirigir à mãe os desejos libidinosos. Manifestam-se então dois tipos de apegos psicológicos diferentes: um apego à própria mãe com objectivo sexual e uma identificação como seu pai, que transformou em modelo. Estes dois sentimentos permanecem algum tempo lado a lado, sem se influírem, sem se conturbarem reciprocamente; mas á medida que a vida psicológica tende à unificação, é aqui que estes sentimentos se contactam, acabam por chocar; e deste choque é que resulta o Comple xo de Édipo normal. A criança dá-se conta que o pai barra-lhe o caminho relativamente à mãe; e sua identificação com o pai toma deste modo um tom hostil acabando por confundir-se com o desejo de substituir o pai, incluso relativamente à mãe…” (Em “Massen Psychologie” Psicologia das massas e Análise do Eu e do “Isso”, sua penúltima obra, irresponsavelmente traduzida para espanhol por Editorial Ercilla, Chile, 1937).

“Tudo na cultura, na ética, na religião e a arte tem suas origens no Complexo de Édipo”, a firma Freud em “Totem Und  Tabú”.

Sonhamos. Desde o ano e meio de idade a criança despida torna-se tão perigosa e sinistra como aquelas raparigas de saia de 3 cm.

Os grande olhos azuis cândidos dos retratos de meninos da escola inglesa! As primeiras carícias de “His Majesty the Baby” tornam-se-nos agora suspeitas e repulsivas – a essas bonitas Ladys que pintou Reynolds, e chamam-se   Mrs. Hoare, duquesa de Devonshire ou condessa Spencer.

Confessemos que os “descobrimentos” de Freud são perfeitamente odiosos, alem de fantásticos.


Em suma, Freud  alvejou e sujou o teológico “Pecado Original” de tal forma que nem o reconheceria seu pai Lutero de quem o herdou, através de Schopenhauer, Hartmann e Moleschott.

(Continuação AQUI)

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