12/10/19

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 32 (III)

(continuação da II parte)


Sentença dos Juízes de facto de Coimbra, que vem na folha 45 do Processo

(Importa que eu renda as devidas graças ao Bacharel Zacharias Alves Faia, Advogado nos Auditórios de Coimbra, que fugindo ou esquivando-se outros de fazerem papel em uma causa, que tratada legalmente os privaria de mercês e graças do Patriarca dos rebeldes, por isso mesmo, como verdadeiro Cristão e bom Realista que é, aceitou gostosamente o encargo de me defender.)

O Conselho dos Juízes de Facto, consultando a convicção de sua consciência, entende que o impresso acusado não contém o abuso de que é arguido, nem o acusado é criminoso. Coimbra 11 de Setembro de 1822. - Alexandre Dias Pessoa - Pedro Paulo de Figueiredo da Cunha e Melo - António Honorato de Faria e Moura - António de Vasconcellos e Sousa - João Pedro Corrêa de Campos - António Joaquim Bajona - António da Cunha e Sousa - Manuel Dias de Sousa - Agostinho José Pinto de Almeida - Nicolau Soares Barbosa - Bento Joaquim de Lemos.

À vista da declaração dos Juízes de Facto, julgo ao réu inocente da denúncia contra ele dada, e não incurso na lei da Liberdade da Imprensa: pelo que mando que se lhe relaxe o sequestro, e que o mesmo réu goze da sua liberdade. Coimbra 11 de Setembro de 1822 - Pedro Henriques de Castro.

Passemos aos escritos mais notáveis sobre a minha causa - Apenas o Redactor da Gazeta Universal foi inteirado da denúncia, publicou o que se pode ver na Gazeta Universal Nº82.

Seguiu-se em Coimbra o meu oficialíssimo defensor o Reverendíssimo Padre Mestre Doutor Fr. João Huet, Cronista Mór do Reino, e Lente Substituto de Teologia na Universidade, que tratou os meus negócios, talvez com maior desvelo de que se fossem próprios, e que prescindindo generosamente de se indispor com esses Mandões, perante os quais ficaria apontado como inimigo do sistema, ou fautor dos Realistas e do Catolicismo, e por isso incapaz de exercer lugares públicos, fez tirar a lume cem exemplares de uma defesa que apresentou aos Juízes de Facto, e é a seguinte.

Defesa da Acusação feita no Tribunal dos Jurados contra o Doutor Fr. Fortunato de S. Boaventura, oferecida por um seu amigo aos Srs. Juizes de Facto da Comarca de Coimbra.

São dois os periodos do Artigo Maço Férreo Antimaçónico da Gazeta Universal N.º67, denunciaados no Tribunal dos Jurados da Cidade de Lisboa, como puníveis pela lei da Liberdade da Imprensa, e inclusos na primeira e terceira especie do artigo 12 da mesma lei por conterem excitamento directo à sedição, e ataque ao Sistema Constitucional; julgando-se procedente a denúncia pelos Juizes de Facto.

O primeiro diz: - Ah! Constituição, Constituição! Quantos malévolos, e quantos ímpios se cobrem com o teu respeitável nome, para fazerem  mais declarada guerra ao Catolicismo, e para levarem ao cabo os laminados fins dessa hidrópica sede de ouro, que os atormenta!

O segundo diz: - Foi jurada (que o sei) nas hediondas e lobregas cavernas do Maçonismo a extinção das Ordens Religiosas, que oferecem um abundante pasto à insaciável cobiça para o género humano!) carecem ainda dos meios necessários para consolidarem a facção dos Trolhas em as quatro partes do mundo. - E aludindo a uma passagem do Periódico intitulado Independente (Suplemento ao N.º45), que quer que Ordens inteiras sejam reduzidas a um só Convento, diz: - Veio já tarde (o Independente) com esses péssimos conselhos, que depois de turbarem o sossego de muitas famílias respeitáveis, acabariam por atear neste Reino as vorazes chamas da discórdia e da guerra civil.

A denúncia, que tem por objecto estes períodos, diz:

- No N.º67 ataca-se o Sistema Constitucional, e a Constituição, enquanto se diz que acolhe e encobre os ímpios, que têm declarado guerra ao Catolicismo; e se chama a Nação à discórdia e guerra civil, ou sedição, logo que apareça a reforma dos Conventos, tendo-se dito que esta reforma está decretada nas hediondas e lobregas cavernas do Maçonismo: e eis aqui um excitamento directo à sedição, e um ataque ao Sistema Constitucional para entrar na primeira e terceira espécie de lei no artigo 12.

Pela simples leitura dos sobreditos periódicos, e confrontação com a denúncia, parece que esta devia ser rejeitada in limine como improcedente, visto que ela acusa o Autor pelo que ele não diz: porquanto 1.º acusa-o por ele dizer: Que a Constituição acolhe e encobre os ímpios, que têm declarado guerra ao Catolicismo; quando ele pelo contrário diz; Que os ímpios é que se acolhem à Constituição, e se cobrem com o seu respeitável nome. 2.º Acusa-o de chamar a Nação à guerra civil logo que apareça a reforma dos Conventos; e de dizer que esta reforma foi decretada nas hediondas cavernas do Maçonismo; quando ele não fala de reforma, mas de extinção, porém só diz, conjecturando que ela excitaria a discórdia e guerra civil. É pois preciso inverter e transtornar inteiramente as expressões do Autor para achar nelas ataque à Constituição, ou excitamento à sedição contra as determinações do Soberano Congresso, quando tais imputações nem por sombra se fundam nas palavras ou mente do Autor (onde deviam expressamente fundar-se para proceder a denúncia), antes o contrário se mostra pela análise dos períodos denunciados. 

No primeiro período tão longe esta de se atacar ou inculcar por má a Constituição, dizendo-se que à sombra dela os ímpios e maléolos, cobertos com o seu respeitável nome, procuram fazer guerra ao Catolicismo, e encher-se de dinheiro; que antes isto é o maior abono e louvor que se pôde fazer à Constituição, pois supõe (como assim é), que ela proíbe estas maldades, as quais só por abuso se podem cometer à sombra desta boa Constituição (da qual até o nome é respeitável) contra o que ela determina e quer.  Querendo chamá-la boa em um grau eminente, ninguém saberia expressar-se mais energicamente de outro modo. Eu apello para vós mesmos, Srs. Juízes: quantas vezes tendes lido, tendes ouvido, e talvez dito, que à sombra da Religião (muito mais acrescentando-lhe o epíteto de Santa, ou Respeitável) se praticam grandes abusos; veio-vos nunca à mente que se atacava a Religião, que se tinha por má? Que se excitavam os Povos directa ou indirectamente a sacudir o seu jugo? Ou que tínheis incorrido (se assim o escrevêsseis) nas penas desta mesma lei da Liberdade da Imprensa?


Sustentai, Srs. Juízes, eu vo-lo rogo pelo bem do género humano, sustentai a boa inteligência deste modo de falar, ou estabelecei-nos um novo modo de nos expressamos: aliás daqui a dois dias não nos entendemos uns aos outros; porque a nova inteligência que na denúncia se quer atribuir a esta expressão, não pode ainda servir-nos de lei, nem fazer-nos responsáveis pela tomarmos na acepção em que toda a gente a tem tomado até ao dia de hoje.

No segundo período diz-se: Que foi jurada nas cavernas do Maçonismo a extinção das Ordens Religiosas. Isto é um facto. Querer-se-há pois negar este facto? Quando ele não tivesse transpirado dessas cavernas para nossas próprios ouvidos, não se lê ele repetidas vezes nos escritos dos Corifeus da Seita Maçónica! Não se lê ele em Linguagem Portuguesa nesses papeis que a mesma Seita tem ultimamente espalhado, para ver se realiza os votos de um dos seus Patriarcas (Diderot) de enforcar o último Rei com as tripas do último Sacerdote? Mas que tem a Constituição, com aquilo que fez o Soberano Congresso, como o que se decreta nas cavernas do Maçonismo? Acaso tem o Congresso Nacional decretado a extinção das Religiões [ordens religiosas]? Nada ainda tem decretado a este respeito: têm sim decretado que se deve fazer uma reforma nas Ordens Religiosas. Isto é outro facto: e tão longe está de ter decretado, ou querer a sua extinção, que no projecto, ainda o mais rigoroso, apresentado pela Comissão Eclesiástica ao Soberano Congresso para este fim, se propõe conservar mais de metade dos Conventos de cada uma delas.

A este facto é que o Autor alude, quando diz ao Redactor do Independente, que veio já tarde com os seus péssimos conselhos de reduzir Ordens inteiras a um só Convento; por ter já saído o projecto da Comissão, de conservar maior número de Conventos de cada uma delas, do que os que se deveriam suprimir. Porque, numa palavra, o que o Esclarecido Congresso intenta é uma reforma; e o que se tem decretado nas lobregas cavernas é a total extinção; esta, e não aquela, é a que perturbaria o sossego de muitas famílias respeitáveis; e não é muito dizer-se que então se atearia a chama da discórdia, e talvez a guerra civil. O exemplo dos nossos vizinhos nao nos deve fazer recear que sucedesse o mesmo em nossa casa?

Sendo pois certos, mas tão diferentes, estes dois factos; como é que a declaração contra um se pôde julgar um ataque feito ao outro? Extinção e reforma são contradictórias e opostas: uma exclui necessariamente a outra; porque a extinção tira todo o objecto da reforma; e a reforma não se pode fazer senão em objecto persistente. Ora o que se afirma de um de dois contradictórios, não se pode dizer afirmado do outro senão pela lógica mais inexacta e absurda; portanto afirmando-se neste período que nas cavernas do Maçonismo se têm decretado a extinção das Ordens Religiosas, e que com isto se perturbaria o sossego de muitas famílias respeitáveis, e se atearia a discórdia e a guerra civil, não se diz senão uma verdade, já bem sabida, que os Mações não quererão talvez que se diga, mas que é impossível que ofenda o Soberano Congresso, pois o que ele tem projectado é o contradictório desta extinção.

E é mais impossível ainda o poder-se concluir sem absurdo que se chama a Nação à guerra civil, logo que apareça a reforma das Religiões [ordens religiosas], intentada pelo Soberano Congresso, por se dizer: Que a total extinção decretada pelos Mações atearia a discórdia e guerra civil: porque do caso mesmo desta extinção o Autor só diz, conjecturando que se atearia a guerra civil; e isto não é excitar a ela. No caso porém da reforma projectada pelo Congresso Nacional, o Autor tanto não diz nem conjectura que isto excitará a discórdia e guerra civil, que antes por julgar racionáveis qualquer dos dois projectos de reforma propostos pela Comissão Eclesiástica, é que ele os contrapõe aos tardios conselhos do Independente, que contariam o sistema destes projectos.

Apesar desta oposição do Independente aos projectos da Comissão, já existentes e públicos, ninguém o acusou de atacar o Governo Representativo, nem as suas deliberações: e aquele, que aprovando o sistema destes projectos, os opõe e lança em rosto ao Independente, é acusado de atacar o Governo Representativo, ou as suas deliberações? Isto é incompreensível!.. Quem ataca o Sistema Constitucional, e o desacredita, são aqueles que pretendem fazer passar as sentenças do Independente, e de outros Escritores desta categoria por decisões do Congresso Nacional; querendo que se repute um ataque feito ao mesmo Congresso tudo o que se diz contra as opiniões destes Escritores de esquentado cérebro.

(continuação, IV parte)

2 comentários:

Anónimo disse...

Graças a Deus que o ASCENDENS está de volta. Este blog faz muita falta à Tradição.

anónimo disse...

Obrigado/a

Na verdade não é um regresso, nem houve partida. As publicações passaram a ser mais raras.

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