(continuação da III parte)
Mas ainda o Soberano Congresso, segundo os desejos do Independente, tivesse projectado a extinção das Religiões [entenda-se: expulsão das ordens religiosas], não seria contra a lei, antes seria em virtude da mesma lei da Liberdade da Imprensa, expor sentimentos opostos, enquanto isto estivesse só em projecto; pois para se discutirem as opiniões interessantes à Nação é que ela se estabeleceu; e só o que afinal se decreta e decide é que nos obriga a obedecer e calar. Desta liberdade é que se serviu o Independente para dar os seus conselhos posteriores aos dos projectos da Comissão, sem que ninguém o acusasse de ter infringido a lei. Se pois, opinando contra os projectos já existentes, não há informação da lei enquanto não estão decretados; muito menos a pode haver, opinando a favor dos mesmos projectos contra quem os impugna, como no caso presente.
O Autor deste artigo na verdade não trata com melindre os Mações: porém eles que se queixem. Se os há, e se julgam ofendidos, apareçam eles no Tribunal dos jurados para denunciar o Autor, que só contra eles é que fala: e se os não há, para que fim é tomar a sua defesa, e acusar quem os não lisonjeia? Demos que a sua existência é suposta e imaginária: mas é inegável que muita gente diz que os há, e que são tais como o Autor os representa: é invejável que os Supremos Pastores da Igreja têm declarado por excomungado todo aquele, que o for; e que a nossa Legislação ainda bem modernamente estabelece rigorosas penas contra as suas associações.
Vós todos, Srs. Juízes, conheceis bem a propriedade do Acusado: há longo tempo sois testemunhas da sua conduta, tanto Civil, como Religiosa: tem sido sempre manifesto, e até espectável o seu patriotismo: nada certamente tereis notado de repreensível em seu comportamento, ou considereis na ordem política, ou na moral. É pois só por não respeitar uma seita, ou não existente, ou proscrita pela Igreja, e pelo Estado, que será condenado um Português, que com tanto prazer acha nas Bases da Constituição que a sua Religião é a Católica Apostólica Romana, que esta seita pretende destruir? Se é um crime pensar, falar, e escrever segundo o espírito e o preceito das leis eclesiásticas e civis, que nos governam, o Autor é criminoso. Mas é só este o crime de que aqui pode ser acusado, e não de outro algum.
Por quanto, em suma, do que se trata unicamente (pois é só este, e nenhum outro, Srs. Juízes, o objecto da vossa reunião), é saber, e declarar se o Autor do Maço Férreo Anti-Maçónico está incurso, como diz a Denúncia do Promotor do Tribunal dos Jurados de Lisboa, na primeira e terceira espécie de artigo 12 da lei, que é: Abuso da Liberdade da Imprensa:
1.ª Excitando os Povos directamente à rebelião;
3.ª Atacando a forma do Governo Representativo, adoptado pela Nação.
3.ª Atacando a forma do Governo Representativo, adoptado pela Nação.
Ora do que fica dito mostra-se que não pode achar-se nas expressões do Autor excitamento directo à rebelião, como era absolutamente necessário para incorrer nas penas da primeira espécie do artigo 12 da lei; porque excitamento directo, segundo os Códigos Constitucionais mesmo, é chamar formalmente os Povos à revolta com proclamações, ou escritos que provoquem positivamente a insurreição contra o Governo; o que aqui não há; e a Denúncia está em contradição consigo mesma, enquanto acusa o Autor de excitamento directo à sedição, sendo-lhe preciso fazer raciocínios e tirar conclusões das expressões do Autor, ainda mudadas e transtornadas a seu jeito, para mostrar que há excitamento directo à sedição: quando das próprias e genuínas expressões do Autor nem excitamento indirecto se pode mostrar; e ainda que se mostrasse já não incorria as penas da lei, por não ser directo.
Porém não só não há excitamento directo nem indirecto à sedição, mas antes pelo contrário há um excitamento indirecto à obediência, dizendo-se aos Povos que a Constituição é respeitável até no nome; e tão boa, que proibindo ela os crimes, os malévolos, cobertos com a sua capa, fazem dela um sacrilégio abuso para ficarem impunes. Portanto não há infracções da primeira espécie do artigo 12 da lei.
Mostra-se igualmente que se não ataca a forma do Governo Representativo, porque a reforma ou extinção das Religiões não tem nada com a forma do Governo adoptado pela Nação; que é o objecto da terceira espécie do mesmo artigo. Nem mesmo se atacam as determinações do Soberano Congresso, ou Governo Representativo:
1.º Porque o ponto em questão à cerca das Religiões [ordens religiosas] não está ainda decretado, mas só em projecto; e bastaria isto para que o Autor não infringisse a lei, ainda que falasse contra ele, da mesma sorte que a não infringiu o Independente, e outros muitos, em iguais, e mais melindrosas circunstâncias;
2.º Porque este projecto do Soberano Congresso é de reforma, e não de extinção; não podendo de sorte alguma aplicar-se ao projecto de reforma o que o Maço Férreo diz dos conselhos de extinção dados pelo Independente; porque
3.º e muito principalmente, não só se não atacam as deliberações do Governo Representativo; mas são estas mesmas deliberações, são estes mesmos projectos de simples reforma que tacitamente se objectam aos péssimos conselhos de extinção dados pelo Independente; com isto é que o Maço Férreo os impugna; e faria um inepto argumento, se não julgasse bons aqueles projectos de reforma.
Portanto não há também infracção da terceira espécie do artigo 12 da lei; antes pelo contrário, dos mesmos períodos denunciados se mostra o respeito e submissão que o Autor deles consagra ao Governo Representativo, e o quanto o seu modo de sentir é conforme às ideias e intenções do Congresso Nacional.
São tão claras, tão palpáveis, e tão evidentes estes raciocínios, que eu espero, Srs. Juízes, do vosso bom senso e integridade que declareis o Autor do artigo denunciado plenamente absolvido da acusação que se lhe fez; e para que seja patente a todo o mundo a rectidão e justiça com que o absolveis; devem estas razões juntar-se aos autos.
Desta arte promoviam os corifeus da Justiça Constitucional aquela pretendida igualdade diante da lei, com que nos vieram aturdindo desde o Porto até Lisboa!! Podiam eles a seu salvo infringir as Bases Constitucionais, prescindir inteiramente das restrições da Liberdade da Imprensa, que tudo que era lei se entendia somente obrigatória dos Católicos e Realistas.... Bem de perto nos levaram do quid ultimum in servitute, de que tanto se horrorizava o Historiador mais filósofo da antiguidade.
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LISBOA, NA IMPRESSÃO RÉGIA. 1824
Com licença da Real Comissão de Censura
Com licença da Real Comissão de Censura
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