24/10/18

O MASTIGÓFOTO - ("Côrtes")


Côrtes - Definidas pelo Pe. Bluteau [católico inglês], são um "Ajuntamento geral dos que têm voto nas matérias concernentes ao bem comum do Reino, e particular do Rei" [Vocabulário Português e Latino, 1712-1721] . O seu compendiador, e adicionador Morais, sem contrair o defluxo que lhe podiam trazer facilmente os ares da América Inglesa, juntou a devida explicação de que era voto consultivo, e não decisivo, de maneira, que as Côrtes foram instituídas para aconselhar e propor, e não para governar, e decidir [no dicionário da língua portuguesa, 1789]. Assim o provam uma infinidade de documentos históricos, desde as primeiras Côrtes em Lamego, no séc. XII até às ultimas em Lisboa, no séc. XVII. Muito boa coisa eram tais ajuntamentos [… portanto, consultivos], enquanto a funesta revolução, produzida pelos erros de Lutero, não alienou os espíritos, e fez caminhar o género humano atrás das supostas delícias de uma independência toda fantástica, que o constitui mais infeliz, e mais escravo, que de antes era. A França como habitada por esses excelentes vassalos, que em 1585 a quiseram fazer um estado republicano, e que no Século seguinte fizeram guerra formal ao seu Príncipe, que se viu obrigado a levá-los por força de armas, forçando-lhes o seu baluarte de Rochella, desistiu das suas Côrtes, que chamava Estados Gerais, muito mais cedo do que nós, que ainda as tivemos no fim do séc. XVII. Ora quando os homens são bons, tudo se faz bem…. Logo, que se lhes volta a cabeça, e o mais insignificante advogado, começando de repetir com ênfase os nomes de Vatel, Mabli, e Rousseau, tem lá para si, que é um consumado Legislador … que se deve esperar de tais ajuntamentos? O que temos visto há poucos meses neste rancho de homens Luzentes, ou ilustrados, que se reuniam numa grande Sala, para darem cabo de todas as nossas instituições, e ainda em cima dá cá esses 4$800 réis diários, que te faço grande favor, em te levar tão pouco! É pena que estejamos condenados a aturar um Século, que não admite senão luzes, e talentos, e já ninguém faz caso de virtudes!! pois trabalhem quanto quiserem, que sem estas não se podem fazer, nem Côrtes, nem mudanças [verdadeiramente] úteis, nem reformas [realmente] saudáveis. Nunca se me tirará uma espinha que eu conservo, e que só por morte me poderá sair. Que muita gente caísse… esperançada em Côrtes não admira, mas que sendo elas convocadas pelo governo, que nos deixará ElRei Nosso Senhor, não fossem queridas, nem aprovadas, é caso bem triste!! E que lindas Côrtes não surdiram das forjas Maçónicas! Que inaudita série de vilezas de toda a marca! Que horrendas profanações dos lugares santos, quando se faziam as tais eleições!! Houve descomposturas, houve murros, houve facas arrancadas, e por bem pouco, não houve mais alguma coisa!! No meio porém da intensa mágoa que nesse tempo me oprimia, e acabrunhava, deu-me vontade de rir, quando vi que tínhamos reproduzido o Convite de Mr. de Brienne aos homens sábios, para fazerem mais vivas as luzes desses choradores pelas desgraças públicas!!! Também cá me chegou esta sinalada honra, que logo me fez entrar na honrosa classe dos Suspeitos. Côrtes velhas foi o meu voto, e o da maioria dos consultados… porém o GRANDE ORIENTE quis outra coisa, e não houve remédio senão fazer-lhe a vontade…. De Côrtes Portuguesas, nem fumos tiveram essas que tão despejadamente se alcunharam deste modo! Eu tenho lido as cópias fieis de muitas em diferentes reinados, e agora mesmo eu tenho sobre a mesa onde escrevo, os transumptos das celebradas pelos Senhores D. Afonso IV e D. Pedro I, e examinando o que se passou nelas desde o princípio até ao fim, nenhuns visos encontro de outra soberania, que não seja a DelRei. Queixam-se os povos de Lisboa, do Porto, de Évora, e de outras Cidades, ou Vilas notáveis, e ElRei defere como lhe parece melhor, e tudo se acaba na paz do Senhor, sem gritarias, nem usurpações da autoridade real. Tomara eu que os nossos Jurisconsultos se incumbissem, ou na imperfeição do andamento dos negócios judiciais naquelas eras, ou antes na falta de muitos Tribunais, que depois se instituíram, uma das causas principais da frequência daquelas reuniões em tempos de mais antigos, pois olhando eu para o trabalhos, e competências da maioria dessas Côrtes, parece-me que ainda hoje estou vendo nas Relações do Porto, e de Lisboa, umas Côrtes permanentes, sem muita diferença das antigas. Parece-me, não é decidir, e antes que me enxotem com o Ne sutor ultra crepidas, tornemos à vaca fria…. Tenho observado que os Mações trazem muito na boca as primeiras Côrtes, e as primeiras do reinado do Senhor D. João IV, e é necessário, que eu não pareça estranho, e hospede nestes dois memoráveis acontecimentos. Muito se comprazem os tais heróis daquele - Não queremos, ou queremos que este ou aquele reine sobre nós, e guisando isto a seu modo, empurram-nos um pacto social, da fábrica de Rousseau, e assentam que ficou demonstrada a soberania do Povo Lusitano. Ora pois vamos por partes - Que era o Senhor D. Afonso Henriques antes da batalha do Campo de Ourique? Um Príncipe Soberano, e absoluto do que então se chamou o Condado de Portugal; e um cento de monumentos daquelas eras assim o mostram clarissimamente… Ora pois o Exército aclamando-o Rei, não lhe deu a Sabedoria, que já era de seu Pai, e lhe foi transmitida por herança. Logo o Exército nem se quer sonhou, que tirava as suas prerrogativas, antes lhas engrandeceria se necessário fosse…. Porém os grandes, os Prelados, e os Representantes da nação, parecem cortar-lhe os seus poderes com aquele "Queremos, ou não queremos". Ah pobre gente, Maçónica, que pelo que eu vejo tens de andar sempre às escuras! Quem chamou estas Côrtes foi ElRei, quem as presidiu foi ElRei, e tudo quanto nelas se tratou de mais importante, foi em pró de ElRei. Tratou ele de segurar a Coroa nos seus descendentes, de impedir que ela passasse nunca a um Príncipe Estrangeiro; e de obstar aos desejos ambiciosos de algum Príncipe natural destes reinos, onde facilmente se podia renovar as cenas lastimosas, em  que fôra envolvido um D. Garcia, Rei de Portugal, e fez adoptar por aquele Congresso todas as medidas que ele traçara de antemão, e que ora fazia executar na Cidade de Lamego.

Passando às Côrtes do Senhor D. João IV, é necessário distinguir o ajuntamento de 1641, da obra do Doutor Valasco de Gouveia. Não se encontra naquele uma só expressão, que favoreça os Pedreiros, mas é forçoso confessar de pleno, que o Doutor Valasco é o seu escudo, o seu autor e o seu desperdiçado. Têm eles sobeja razão para se aplaudirem; de que um Jurisconsulto dos nossos roubasse as alvissaras ao cidadão genebrino, porém cometendo a fraude de chamarem nacional a doutrinas de um livro mais filho das circunstâncias, que das verdadeiras e sólidas doutrinas, que devem seguir todos os defensores da realeza, dão a entender, que será essa a doutrina corrente daqueles dias, e por isso ousaram escrever pregar e imprimir não só que a Soberania é atributo essencial do povo, mas também, que:

o Senhor D. João VI perdeu o direito de governar imediatamente em Portugal, durante a sua residência no Rio de Janeiro, depois da paz geral…. E saiu em letras gordas, e não faltou, quem dissesse já nesses tempos que eram irmãs gémeas as letras do Autor em matérias políticas! Foi esta obrinha como o segundo filho do Doutor Valasco, que o primeiro alcunhou-se manifesto da Oficialidade dos regimentos que vinham do Porto, saiu dos prelos da nossa Atenas, muito airoso, vestido e calçado pelo homem, que tantas vezes me faz lembrar da árvore em que judas se enforcou! Não tardou a vir e aparecer o terceiro filho, que foi um sermão estupendo, que bebeu os princípios do Doutor Velasco até os esgotar, e doendo-se da sua consciência lá diz no fim quem é o pai da criança. "Os Portugueses (ita legitur no seu esclarecimento último) que tinham lido o Livro "Justa Acclamação do Sereníssimo Rei de Portugal D. João IV" por Francisco Valasco de Gouvea (nome ilustre que era crime citar, como experimentei antes do dia 24 de Agosto) sabiam os princípios fundamentais do nosso direito público, isto é, que a Nação pode depor um Rei, e entregar o ceptro a quem julgar mais capaz de bem o reger."

Ora já se vê claramente, que nenhum destes abomináveis princípios se estriba em outra autoridade, que não seja a de um Jurisconsulto, que levado de um imprudentíssimo zelo, tanto quis apurar a justiça com que tínhamos sacudido o jugo Castelhano, que veio a prejudicar gravissimamente a boa causa, que ele defendia…. quanto mais nobre, e mais louvável foi o procedimento das Côrtes, que insistindo no direito da Senhora D. Catarina Duquesa de Bragança à Coroa de Portugal por morte do Cardeal Rei, firmam nesta base todos os seus trabalhos para conservarem o Cetro na Augustíssima Casa de Bragança!! Tanto crédito merece para mim o Doutor Valasco parecendo um eco das obras incendiárias de Buchanan, e Milton, como estes Pregadores do tempo da Aclamação do Senhor D. João IV que não há mal nem doenças, que não atribuam aos Castelhanos, e tal houve, que declamou terrivelmente contra o uso das meias, porque os Castelhanos nos trouxeram com elas muitas e gravíssimas enfermidades…. Basta de Côrtes, que se elas tornarem a ser algum dia, como essas que nos estafaram, sumidas sejam elas no inferno, lugar próprio de tão hediondas assembleias (Haverá quem repute defeituoso este artigo por falto de citações… A seu tempo satisfarei esta dúvida… que por ora não convém.)

(Índice da obra)

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