25/01/18

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº10 (II)

(continuação da I parte)

Mosteiro de Santa Cruz (Coimbra), um dos mais fortes resistentes à ordem de extinção
Rematado o Projecto de Reforma, seguiu-se pedirem ao Santo Padre Pio VI (ora reinante em a Igreja de Deus, e que este Senhor talhou expressamente para os dias mais calamitosos da sua querida Esposa) que o sancionasse com a sua notoriedade Apostólica, e o fizesse dar à execução neste Reino, e seus Domínios. Coroada seja do Pai das Luzes e heroica resistência do Santo Padre aos arestos das Sociedades tenebrosas! Glória ao Pai comum dos Fiéis, que não se abalou nem de promessas, nem de ameaças, e que por meio de repulsas tão judiciosas como oportunas acudiu à Igreja das Espanhas, salvando a de cair nos infernais boqueirões, que lhe abrira a Filosofia dos nossos tempos!! Rondam agora as Ordens Religiosas uma especial homenagem à Cadeira de S. Pedro, que se ela não fosse, teriam caído todas as deste Reino no sumidouro da extinção que foi jurada nas Lobregas e hediondas cavernas do Maçonismo. Declamem agora muito à sua vontade os Teólogos à Paviense, e os Canonistas à moda Gmeineriana contra as isenções e privilégios das Ordens Religiosas. Se por ventura não fossemos imediatamente sujeitos ao Vigário de Jesus Cristo, que seria de nós? Teriam os Bispos deste Reino assaz valor e firmeza para deixarem de lavar o Decreto da nossa extinção, quando isto dependesse unicamente da sua autoridade? A que parece nova Disciplina da Igreja, e que bastaria ser aprovada, e sancionada em Concílios Gerais, para que só este nome fosse uma espécie de mordaça na boca de alguns estouvados Canonistas, foi a nossa tábua de salvamento, pela qual deveremos instar e gritar todas as vezes que formos ameaçados de naufrágio.

Arrebatei-me um pouco; mas quem se atreverá a criminar-me de menos verdadeiro, ou de exagerado? Em todo o caso seria mui airoso para um filho a sair pela honra de sua Mãe ofendida e ultrajada; e qualquer excesso, a que em tais pontos se avalanche o amor filial, costuma ser facilmente perdoado. Continuemos.

Desesperados de conseguirem os Indultos Apostólicos, por que tanto forcejaram, e que lhe foram constantemente negados(no que pode a verdade histórica se deem os justos, e merecidos louvores ao Ilustríssimo Prelado D. José Cherubini, Delegado Apostólico em Lisboa, que informou exactamente o Santo Padre de todos os procedimentos arbitrários, e impios das Côrtes Lusitanas) rasgaram a máscara, e puseram de parte os princípios mais vulgares de honra, e de decência. Fiéis ao princípio geral Fernandino "de que tínhamos bulas para tudo quando quiséssemos" começaram de fazer por autoridade própria os esbulhos, as violências, as trasladações, e confusões para que não tinham podido da obediência ao seus legítimos, e verdadeiros Prelados, e os forçaram a prestar uma obediência contra aquela que tinham jurado na presença de Deus, e de todos os seus Santos... Confundiram os Religiosos de diversos institutos à sombra de uma analogia por eles sonhada, e logo erigida em fundamento dessas misturas conducentes ao fim de promover desordens, e fazer os Religiosos desprezíveis. Arrancaram de seus pacíficos asilos as virgens dedicadas ao Senhor, e as trasladaram para lugares distantes da Capital, onde lhes dava muito nos olhos a observância dos Conselhos Evangélicos que a todo o custo pretendiam acabar, e destruir.

Ora estes diferentes horrores apenas se indicam para terem lugar mas espaçoso em outro género de escritura; mas convém agora que lançadas, para assim o dizermos, estas primeiras delineações do edifício, nos demoremos um pouco não tanto em a questão geral já sobejante tratada, e por ventura exaurida em muitos escritos destes últimos tempos, como no exame das causas desse ódio figadal, dessa aturada perseguição dos Mações contra os Frades, e na sem-razão de tantos e tão iníquos procedimentos.

Eu temo, e por ventura mais que ninguém, cansar a paciência dos Leitores, e por isso mais de uma vez obrigo em qualquer destes números a minha pena a que deixe de correr à sua vontade. Sou breve mais pelo receio de enfadar, do que por falta de matéria. Examinemos pois:

I
Causas Gerais Que Reduzo Somente a Duas

Temporal, a saber, a cobiça dos bens, e riquezas dos Mosteiros. Não se lembram dos autores e fadigas, por que tiveram de passar os antigos Monges, para deixarem um bocado de pão aos actuais; não se lembram do sem número de bocas, que se mantêm às vezes do escasso rendimento de um só Mosteiro; nãos e lembram das grossas contribuições dos Mosteiros ricos para remédio das necessidades públicas; não se lembram de que não há mulheres rendeiros e feitores do Estado, do que são os Monges, e tudo lhes parece mal empregado neles. O que uma prudente economia fez guardar e poupar avulta de tal maneira diante destes olhos fascinados e prevenidos, que lhe parece estarem vendo em cada Mosteiro as delícias de Sardanapalo, ou as riquezas de Cresso. Diz Madona Stael que há uma classe de Pedreiros Livres ou Iluminados, cujo fim principal é assenhorear-se dos empregos mais lucrativos, e que em se vendo ricos, e fartos, andam contentes. Parece-me que são estes os sentimentos de todas as classes maçónicas; e a experiência demonstra que o seu grande princípio é este "O melhor bocado para nós e para os nossos, e o pior de roer para esses cães, para esses profanos".

2ª Moral, e vem a ser a profissão do Catolicismo. Esta ainda é mais forte que a primeira, segundo é lícito discorrer pelo que sucedeu na Revolução de França, onde o saque, e a profanação dos Mosteiros foi o menos, pois em verdade foi muito mais a solene, e jurídica abolição dos votos religiosos, e um dos motivos que fizeram protestar os Bispos Deputados à Assembleia nacional (que não foram cães mudos entre os gritos de morte - A Lanterna a guilhotina, e as espadas nuas, e as baionetas apontadas ao peito) os quais seguidos imediatamente da maioria dos Bispos que foram ao todo mais de cento e trinta (faltando só quatro) e roborados com a sanção do imortal S. Padre Pio VII, viram naquele Decreto mais pesada afronta ao Evangelho, e ao Supremo Legislador dos Cristãos.

É necessário que o Povo Português tenha os olhos abertos para ver o princípio da guerra mais ou menos activa, que há trezentos anos a esta parte se tem feito aos Frades. Os Luteranos, e Calvinistas, cujos maiores pela maior parte foram Ex. Frades, bramiram contra os seus antigos Irmãos. os Protestante não querem ver nem sombra de Frades, e por isso nos Teatros de Londres quando se quer apresentar uma figura ridícula e abominável, assoma algum Comediante vestido de Frade, assim como já o desenfreado Buchanan se vestiu de Frade para castigar a seu Discípulo depois Rei da Inglaterra e da Escócia Jacob VI, para infundir-lhe desde os mais ternos anos um entranhável ódio a quem vestisse hábito religioso. Os Puritanos aborrecem de morte os Frades, e que o digam os nossos Arrábidos que seguiram até Londres a Senhora D. Catarina Infante de Portugal, Rainha da Grã-Bertanha. Os Filósofos do séc. XVIII não têm papas na língua, para dizerem à boca cheia nas suas correspondências, e em milhares de obras impressas, que se devem extinguir os Frades, porque ensinam, confessam, prégam, catequisam, e são causa de que não possa ir abaixo a Religião Católica, segundo eles querem, e ardentemente desejam. Os Pedreiros Livres onde chegam a dominar, tudo é abater as Ordens Religiosas, tudo é intimar aos Reis que se apropriem os bens das Ordens, único remédio para se curarem as feridas da Pátria, que talvez só esses desalmados abrissem, levantando casas para seus filhos, que excedem às vezes em rendimento o de Ordem Religiosas que tem dez ou doze Mosteiros!! Fizeram a mais viva guerra aos Jesuítas, porque os Jesuítas ensinavam, e pregavam; e tudo isto era de graça, pois não custava aos povos nem cinco réis!!! E dado o caso que estes Frades dominassem os gabinetes, e influíssem nos negócios políticos mais alheios do seu estado, não haveria outro remédio para os coibir senão deitar a perder os mais fortes laços que prendiam os povos aos Reis, e estragar as Missões Americanas, Africanas, e Asiáticas? Quem lê a História Eclesiástica, não acha um só Reino convertido à Fé por industria dos Sumos Pontífices, em que não apareçam Frades, e por isso é que os Frades são perseguidos, e debaixo do pretexto de chamar as coisas à primitiva, hão de ser arrancados à obediência do Único que mais proveitosamente os pode empregar em serviço da Igreja Católica!! Até aqui são princípios gerais já sobejas vezes realizados em muitas Nações Europeias, que têm aprendido à sua custa o que são os Frades, e a grandíssima falta que logo se experimenta em todos os Reinos, que cometeram o indiscutível erro de os extinguirem: porém, é justo que desçamos a um rapidíssimo exame das causas do ódio, que se lhes professa neste Reino, onde eles contam inimigos até nas próprias classes onde só deveriam encontrar amigos, e defensores.

Serei o primeiro que se afoite a descobrir uma das principais causas deste ódio, que muitos saberão, e que por efeito de um medo pânico não se atrevem a denunciar. Importa-me agora ser breve, mas claro e terminante.

P: Porque Livros se estuda nas Escolas principais deste Reino a História dos Monges, o espírito das suas instituições, e a natureza de seus privilégios?
R: Nas Aulas por Gineiner, Cavallario, e Dannemair, e cá fora por Mosheim, Gibbon, e outros que tais.
P: Donde é tirado o que dizem Gmeiner, e Dannemair sobre as Ordens Religiosas?
R: De Mosheim, Bingham, e outros Protestantes, de que Dannemair se fez eco, não sabendo dizer senão o que eles dizem.
P: E onde param os Autores clássicos sobre a origem das Ordens Religiosas?
R: Ou são desconhecidos neste Reino, ou jazem no pó das Livrarias [bibliotecas], onde ninguém os consulta.
P: E que há de seguir-se de ais Mestres, alguns dos quais têm sido expressamente condenados pelos Sumo Pontífice?
R: O que nós vemos; e enquanto rejeitada e metida a bula a infalibilidade do Pontífice Romano, se acreditar cegamente na infalibilidade de Gmeiner, de Eybel, de Montesquieu, e Gibbon, e outras tais fontes da História Monacal, não se espere senão ódio mortal aos Frades.

Mutas graças devem eles a Nosso Senhor por terem escapado à tormenta pedreiral, e muito  devem rogar ao mesmo Senhor pela vida e segurança do Império de ElRei e Senhor D. João VI, que mais de uma vez se tem chamado a si próprio o único amigo das Ordens Religiosas. Confio da prudência dos nossos inimigos, que são todos ou Pedreiros ou defensores da Soberania do Povo, que hão de poupar-me o desgosto de aclarar mais e mais o que só por necessidade de sustentar a minha causa deixo apontado para se discutir algum dia mais largamente, e se me for possível, conforme a dignidade do assunto.

(continuação, III parte)

1 comentário:

Anónimo disse...

https://www.youtube.com/watch?v=9nTn9VzNmqo

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