29/01/18

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº10 (III)

(continuação da II parte)

Mosteiro de Alcobaça
Brevíssima Enumeração, ou Indicação Dos Serviços Feitos Pelas Ordens Religiosas à Monarquia Portuguesa

Antes de começar este acto de justiça para com as Ordens Religiosas estabelecidas neste Reino, deverei protestar, que apenas escrevo o que tenho de memória, e que fica salvo o direito a cada uma das sobreditas Ordens para manifestarem ao público as suas utilidades pretéritas e presentes. Oxalá que este meu ensaio conseguisse animá-las todas, para que cheias de um nobre e santo ardor pela sua respectica glória, deputassem os seus mais beneméritos filhos para escreverem, ao menos resumidamente, sobre tão importante objecto! Destinando-me apenas a indicar-lhes a gravidade, e o interesse, repartirei os serviços dos Frades pelas épocas mais notáveis da História Portuguesa.

1ª Antes da Monarquia:

Quem foram os que sustentaram na antiga Lusitânia os restos de um atenuado, porém glorioso Catolicismo, senão os Frades? Quem foram os cooperadores da liberdade das Espanhas, quando mais inundadas de Mouros, senão Frades? Que foram as Ordens Militares das Espanhas em sua origem, senão Comunidades Religiosas, que incessantemente ou levantavam suas mãos ao Céu, ou brandiam nos campos a lança e a espada? Quem foram os que rebatiam a fúria dos Agarenos no campo de Montemor-o-Velho, senão os Frades capitaneados pelo Abade João? Quem foram os principais auxiliares da restauração de Coimbra nos dias de Fernando Magno, senão os Frades Bentos de Lorvão? Derramados estes por todas as Províncias do que então se dizia Portugal, fizeram então mesmo luzir na agricultura aquela Província onde tinham maior cópia de Mosteiros, e não esperaram que Portugal fosse Monarquia independente para lhe desbravarem as montanhas, e reduzirem a cultura as mais empinadas serras, e as mais ingratas penedias, de que pode ser ainda hoje testemunha o Mosteiro antiquíssimo de S. João de Pendorada.

2ª Fundação da Monarquia até ao reino do Senhor D. João I

Aí começam os Pedreiros a morderem-se de raiva, e a vomitarem toda a sua peçonha contra a que eles chamam exorbitantíssima doença feita pelo Senhor D. Afonso Henriques ao Mosteiro de Alcobaça.... E deveria pouco este Rei ao Santo Abade de Claraval, devendo-lhe a confirmação de um título, que conforme as ideias recebidas naquele tempo não irá por diante sem aquela poderosíssima intercessão? E ficará devendo pouco este Reino a uma colónia de Frades, que receberam uns matos povoados de feras, e dentro de um século, à força de cultivarem a terra por suas próprias mãos, apresentaram um jardim aos que vinham de longe pedir-lhes, debaixo de certos encargos, uma parte do fruto e consequência dos seus trabalhos?

Outro tanto se deve afirmar do Mosteiro de Santa Cruz; e só Pedreiros manhosos e refalsos terão cara para ninguém que foram estes dois grandiosos Mosteiros bem como o dourado berço, em que se embalou na sua infância o Trono Português, que sem o poderoso auxílio destes Frades mal poderia combater felizmente os muito e quase insuperáveis obstáculos que o cercaram ao nascer: pois que negócio grave se decidiu naqueles tempos onde não figurassem principalmente o Abade de Alcobaça, e o Prior de Santa Cruz?

É quanto basta para os Mações, que não admitem profecias nem milagres; que se eu escrevera somente para os bons Portugueses, contentava-me de os levar à prodigiosa escalada dos muros de Santarém, e a doação de Alcobaça por certo ficaria a mais justa, valiosa, e inabalável... Pedreiros, eu torno para vós... Quem sabia nesses tempos alguma coisa de Dialectica, de Física, e de Medicina?... Os Frades... e chamamos um Frade primeiro Médico de ElRei D. Afonso III? Quando se tratou de fundar-se uma Universidade, quais foram os principais instigadores de tão profícua e gloriosa lembrança? Os Frades Crúzios, Bernardos, e Bentos.... Não eram planistas em seco, de que abunda, e por extremo, a nossa idade... Concorreram com avultadas somas para o salário dos primeiros Lentes; e a Universidade de Coimbra não poderá levar-se nunca desta origem fradesca, grão desar para ela no conceito dos seus alunos Mações...

3ª Desde o Senhor D. João I até à perda do Senhor D. Sebastião nos campos de África

Quem era o digno restaurador do Trono Português ameaçado nos fins do séc. XIV de cair em mãos de estrangeiros? Era um Frade professo na Ordem de Avis. Quem luzio à frente dos seus aclamadores na Cidade de Coimbra? A Corporação Benedictina. Quem afrontou o poder de Castela, e o dos Alcaides de Óbidos, Torres Novas, e Leiria, que seguiam a voz da Infanta D. Brites [Beatriz], para sustentar a DelRei D. João I, acudindo com viveres ao seu exército postado em Aljubarrota, com um reforço de mil homens bem armados, e com a sua própria pessoa durante a fugida do exército Castelhano? O Abade de Alcobaça D. João Dornela.

Encontro os Frades inesperáveis desse glorioso Monarca em suas expedições ultramarinas: são Frades os seus principais Conselheiros, e muitas vezes fez descansar em Frades o prazo dos negócios públicos.

Mas adiante os Frades acompanham os nosso primeiros descobridores: são eles os que dirigem as Missões Africanas, e especialmente a do Congo; e os Reis de Portugal por indústria dos Frades tem já convertidos à Fé muitos Reis por seus tributários.

Os Frades, como Santo António de Lisboa, D. Fr. Álvaro Pais, e Fr. Vicente o Pregador insigne, e outros muitos precederam a desejada restauração das Letras? Se as humanas tanto medraram e floresceram neste Reino, deve-se o melhor dos seus frutos ao Dominicano Fr. André de Resende, ao Jerónimo D. Fr. Braz de Barros, e aos Crúzios D. Damião da Costa e D. Heliodoro de Paiva.

Se os nossos estudos teológicos darão então um grande brado por toda a Cristandade, quem ignora que os Dominicanos Fr. Francisco Foreiro, e Fr. Jerónimo da Azambuja; que os Eremitas Augostinianos D. Fr. Gaspar do Casal, e D. Fr. João Soares; que o Cruzio D. Pedro de Figueiró, e o Jerónimo Fr. Heitor Pinto, e outros muitos Frades, tiveram a maior parte nestes brasões do Reino Português?

Mas que fui eu dizer! Um Pedreiro, que não conhece o verdadeiro objecto da Teologia, como há de tomar interesse nos progressos da Rainha das Ciências? Um Pedreiro, que tacha de fanatismo as diligências que já tiverem feito ou possam fazer daqui em diante para ser exaltado o Nome de Jesus Cristo, já se enjoaria, e não pouco, das Missões do Cónego; e por isso não o irritemos com a lembrança das nossas Missões da Índia, do Japão, da China, e de toda a Costa de África, nem lhe desafiemos o seu riso de piedade, mostrando-lhe o crescido número de Frades Pregadores e Mártires de Jesus Cristo, e passemos ao exame dos trabalhos que ele mais preza, ou finge estimar.

Os Religiosos de Santa Cruz de Coimbra exercitam, cultivam, e animam por todos os modos a Arte Tipográfica, que mal pensavam eles em que viria a dar esse instrumento da propagação das luzes. Se os Frades Arrábidos, Dominicos, e outros, sabem morrer pelo seu próximo na chamada peste grande de 1569, também os que restaram daquele contágio souberam morrer ao lado delRei D. Sebastião nos campos de África, fechando gloriosamente, no meio das próprias desgraças, e época do maior florescimento das Ordens Religiosas deste Reino.

Debalde se quererão opor os nomes de João de Barros, D. António Pinheiro, e Francisco de Andrade, como verdadeiros Mestres da nossa linguagem, aos nomes dos Carmelitas D. Fr. Amador Arraes, e Fr. Simão Coelho, do Cisterciense Fr. Bernardo de Brito, do Jerónimo Fr. Heitor Pinto, e do Dominicano Fr. Luís de Sousa, que já em 1578 era homem feito nas Letras humanas.. Quem não vê deste ligeiro esboço que todas as glórias, excepto a das armas, competem ao grau mais eminente às Ordens Religiosas!

(continuação, IV parte)

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