10/02/17

CONTRA-MINA Nº 21: O Clero Constitucional de França (I)

CONTRA-MINA
Periódico Moral, e Político,

por

Fr. Fortunato de S. Boaventura,
Monge de Alcobaça.

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Nº 21
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O medonho Fantasma se esvaece,
O dia torna, e a sombra se dissipa;
Os Insectos feíssimos de chofre
Entram no poço do afumado Inferno:
Eternamente a tampa se aferrolha.
No meio do clarão vejo no Trono,
Cercado de esplendor, MIGUEL PRIMEIRO.
(Macedo, Viagem Estática ao Templo da Sabedoria, pág. 141)
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Qual Foi a Sorte do Clero Constitucional de França?

"Já escrevi mais que o necessário para se conhecer pelo menos a abjecção, e ignominioso estado, em que aos olhos de seus próprios, ainda que momentâneos adoradores, ficam esses indignos Sacerdotes, que desertam das Bandeiras do Cristianismo, que os devia reputar como seus naturais apoios, e defensores; porém não expus ainda, o que mais pode assombrar os meus Leitores, e fazê-los entrar cada vez mais no conhecimento dos imensos bens, que Nosso Senhor Jesus Cristo, imediato Fundador da Monarquia Portuguesa, nos trouxe com o nosso Legítimo Soberano o Senhor D. MIGUEL I.

Bandeira antes da ocupação constitucionalista
Assaz tem reflectido, e considerado os ímpios, quais sejam os meios próprios, e conducentes, para que ao menos no conceito da multidão sempre cega, e pouco atilada em seus juízos, se envileça o Cristianismo, quando não seja possível, como certamente não é, destrui-lo, e aniquilá-lo. Há muitos séculos, que a sua boa, ou má fortuna lhes deparou o segredo, para eles mui apreciável, de fazerem brecha no Corpo Sacerdotal, sem com tudo parecerem atacar directamente a Santidade da Religião, ou a certeza indestructível de seus Dogmas.

Bem inteirados de que a abnegação própria, a mortificação dos sentidos, e a pureza de costumes préga melhor aos Fiéis, que as mais artificiais, e estudadas Orações; e de que mais vale para os auditórios vulgares uma exclamação do Missionário Bridaine, que toda a Pequena Quaresma das premissas antecedentes, que um Clero desonerado das obrigações do Celibato, é um Clero necessariamente desprezível, que por si mesmo deverá consumir-se em breves anos, visto que as suas chamadas pastorais diligências hão de ser todas languidas, frias, e antes capazes de arruinar, e perverter, que de instruir, ou edificar; o que não admira, sendo elas marcadas com o selo de reprovação, tanto da parte de Deus, como da parte dos homens; que até os idólatras, e pagãos, como adiante veremos, exigiam castidade nos Ministérios do seu Culto.

Nestes abomináveis intentos é que o Século XVIII produziu grande número de Tratados especiais, Dissertações, Memórias, e Artigos avulsos, contra a antiquíssima, e Santíssima Disciplina do Celibato Eclesiástico. De propósito exageraram, ou desfiguraram os procedimentos de S. Gregório VII (é Santo, meus Liberais, e Jansenistas Portugueses, e assim eu fosse!) para com os Soberanos do seu tempo, não porque lhes doesse, o que nunca lhes dói, e de que eles sempre folgam, quero dizer, a injúria feita aos Reis, mas porque esse vingador do Celibato Eclesiástico preparou contra eles uma trincheira insuperável... Daqui vem que não aparece, nem deita a cabeça fora das imundas cloacas, onde nascera, o infernal Maçonismo, que não pregue imediatamente a necessária, e indispensável, e inteira abolição do Celibato Eclesiástico. Assim o fez em 1790, e assim o faz em 1831, sempre debaixo do mesmo plano hostil, e subversivo, ou Nacional, e à face de mais de 700 Deputados essas nefandas apostasias, que cobriram de luto a França Cristã, e amedrontaram toda a Europa, ainda penetrada de sentimentos Religiosos. Continuaram, é certo, alguns Bispos, e Sacerdotes casados o exercício das suas funções, e pareceu aos menos dissolutos, que poderia conservar-se na França por tais meios o Culto Católico!! Não tardou muito, que se desenganassem à sua custa, pois ainda que lhe tinham arbitrado uma insignificante pensão (*) (que nisto veio a parar toda a opulência do Clero Francês destruída em breves horas, por indicação, e indústria de um Bispo, e de um Frade!!!) não tardou muito, que as pensões fossem reduzidas a metade, e que daí a pouco fossem tidas por meramente nominais, e como se nunca tivessem existido. Note-se que a Conversão, apesar do grande número de Sacerdotes emigrados, ou que preferiam todos os incómodos, maus tratamentos, e perigos, incluso o da morte, ao juramento da Constituição Civil do Clero, (o que fizera abater mais de dois terços a soma, que devia empregar-se nas pensões do Clero) assim mesmo tratou logo de as reduzir. Esta redução foi menos duradoura, que o primeiro arbítrio, pois não tardou um ano, que as tais pensões fossem inteiramente suprimidas...

Como se devia esperar de homens Juradores de uma Constituição ímpia, que se conservassem firmes no seu posto, mais quisessem perecer à fome, do que transgredir as suas essenciais obrigações? Os Sacerdotes casados foram preferidos aos que o não eram, e acenando-se-lhes com Empregos Civis rendosos, voava para eles a maioria dos Clero Constitucional; e ao desprezo das mais Sagradas Leis do Sacerdócio seguia-se a formal apostasia do Cristianismo...

Comparem-se agora todas essas misérias, que deixo referidas, com esses centos de milhões, que rendiam os bens Eclesiásticos em França, e teremos um argumento claro, e palpável da generosidade Maçónica para com os Sacerdotes Seculares, e Regulares. Ah! Clero Português, Clero Português, que já estarias há muito esbulhado de quantos possuis à sombra das Leis, se por acaso não viesse o teu Libertador! Abre os olhos, não creias em petas, em fraudes, e imposturas liberais; ninguém perderia mais do que tu, se as ideias liberais (quod absit) prevalecessem neste Reino; e ninguém é mais interessado na sua completa destruição.

Por fazerem Côrte aos malvados Filósofos, e Pedreiros é que tantos Bispos intrusos, e Clérigos Franceses pediram ao Maçonismo os punhais emprestados, para atravessarem o coração de sua própria Mãe a Igreja Galicana! Só este pequeno traço era de sobejo para entendermos, que não podia ser mais lamentável, nem mais desgraçada a sorte do Clero Francês Constitucional; porém eu aspiro a mais; conheço a força dos exemplos, e destes vou lançar mão, para que os Eclesiásticos Cidadãos deste Reino aprendam em cabeça alheia o triste fado, que mais de uma vez tem estado iminente às suas...

Deus pode tolerar a existência dos impios, e até conceder-lhes uma vida larga, para que daí mesmo os Fiéis tirem o argumento, de que não é forças humanas, que possam destruir a sua Igreja; e é isto, o que deve ocorrer a todos os Cristãos, quando se lembrarem, que o mais encarniçado de todos os impios antigos, e modernos guerreou mais de 60 anos a por ele chamada Superstição Cristã... Entretanto Deus Nosso Senhor também castiga neste mundo; e se por acaso nos parece pouco apressado em castigar, é porque se inclina mais ao perdão, e porque, sendo Eterno, demora quanto lhe apraz o castigo daqueles, que forçosamente lhe devem cair nas mãos. Lancemos pois um volver de olhos à desastrada sorte de alguns Bispos, e Sacerdotes Constitucionais, para nos demorarmos um pouco mais com aquele, que deu nos olhos a toda a França em razão de seus inauditos desvarios, e sacrilégios. Lomine de Brienne foi Arcebispo de Sens, e foi Cardeal da Santa Igreja Romana... tudo isto lhe pareceu nada, enquanto não fosse Ministro de Estado. Chegou com efeito a ser Ministro da Fazenda, sem embargo de todas as ponderações, embaraços, e repugnâncias de Luís XVI. Posto encima não tirou daí outra coisa mais, que o ver-se claramente a sua inépcia, e que nem era talhado para Bispo, nem para Ministro. Incensou devotamente a chamada Filosofia, ou Incredulidade; jurou a Constituição Civil do Clero; e para dar a prova mais solene do seu desinteresse, e puro amor à Igualdade Republicana, demitiu o Capelo de Cardeal nas mãos do Santo Padre Pio VI, que de bom grado se prestou a estes desejos, assim como se viu na triste necessidade de lhe intimar a suspensão do exercício das Funções Episcopais, bem merecida pena de tantos ateus heréticos, e cismáticos de obediência à sobredita Constituição. Quem esperaria que os seus amados Sans-cullotes, Liberais, e Pedreiros lhe não retribuíssem, ao menos com a segurança pessoal, tantos, e tão estremados obséquios? A paga, que teve, foi levarem-no à Cadeia pública de Sens, da própria Cidade, em que era Arcebispo! Se o deixaram recolher, passados alguns dias, ao seu Palácio, foi para lhe dobrarem daí a pouco os vilipêndios, os insultos, e as violências... O certo é, que apareceu morto na sua cama, deixando graves suspeitas de ter atentado contra si mesmo, e de pertencer por tão desastrosa maneira ao catálogo dos modernos Catões... Há todavia quem prove, (e não deixo de me incluir para esta boa parte) que os Soldados incumbidos de o tornarem a prender na Cadeia pública, levaram toda a noite em... e gritarias; fazendo levantar da cama o Arcebispo, e obrigando-o a comer, e beber com eles; e como lhes dissesse, que não costumava cear, usaram de direito da força, e pelo indecentismo, e sacrílego meio dos pontapés, e cronhadas, o fizeram comer sobre posse, o que tudo lhe produziu uma apoplexia fulminante. Ora ainda que esta narração seja verdadeira, e conseguintemente o caso menos feio, do que o pintam vários Historiadores Franceses, quem não verá com horror o triste exemplo de um Bispo Constitucional morto às mãos de outros Constitucionais!! Veja-se neste espelho o Clero Português, e demore-se algum espaço, e... não digo mais, porque sou uma formiguinha, sem embargo de que não invejo, nem quero a sorte dos Leões, ou dos Elefantes (Anonimo, que me escreves tantas vezes da parte do Grande Oriente de Lisboa, e que estafas o meu Colégio, e não a mim com os portes de Cartas, já que por teus pecados lês a Contra-Minha, arregala bem esses olhos fascinados com as nevoas Maçónicas, e repara bem ao que eu digo.) Suspendo-me às vezes no melhor da festa, e quando a pena quer voar... porque não tenho autoridade para dizer mais...

(continuação, II parte)

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