13/02/17

A VERDADEIRA NOBREZA (V)

(continuação da V parte)



Capítulo IV
Dos Mandamentos
 
Dava o Profeta David muitas graças ao Senhor porque anunciava sua palavra a Jacob, eseus juízos, e justiça a Israel, e todo Cristão lhes deve render pela mercê de o tirar das trevas da gentilidade, e error dos infiéis, para lhe dar uma lei tão santa, amorosa, boa, e toda conforme a razão, e verdade, como saída da mesma fonte dela. Sendo de tanta estima nos olhos de Isaías, que senão fora por ela (dizia ele) formamos tão bestiais, como os de Sodoma, e tão desenfreados brutos como os de Gomorra. Muitas leis celebra a Antiguidade dadas por muitos varões famosos Licurgo, Sólon, e outros, homens enfim; mas a que professamos escrever, e deu o mesmo Criador e Senhor do mundo, que não pôde errar. Três houve nele, a da natureza, escrita, e a da graça, em que vivemos depois da vida à terra do Filho de Deus, Dez são os seus Mandamentos: os primeiros três pertencem ao culto, e honra sua, chamados da primeira tábua; os outros sete poem em ordem, em como se há de haver cada um com seu próximo, e se dizem da segunda pela divisão, que deles fez Deus, quando tratando com Moisés lhe deu a lei escrita em duas tábuas de pedra, feitas com tal artifício, e engenho, que claramente se via nelas ser obra da mão divina, como diz Abulense. Destes dez Mandamentos, uns são afirmativos, como amarás a Deus, honrarás a teu pai, etc. e outros negativos, como, não mantarás, não furtarás, etc. e todos se cifram em dois, amarás a teu Deus, e Senhor sobre todas as coisas, e a teu próximo como a ti mesmo; porque quando as leis são breves se guardam melhor, e sendo a de Deus tão suave, quis que lhe não faltasse esta condição: e se ainda estes dois preceitos te parecem muitos (diz S. Agostinho) adverte que muitas vezes a divina Escritura em um só Mandamento compreende os dez da lei nova, e seiscentos da velha; porque quem ama a Deus, é certo que há de cumprir suas ordens pontualmente. E tudo quanto ele ordenou na lei antiga em preceitos morais, e cerimónias se cifra em um ponto, que é amá-Lo sobre todas as coisas, e a todos nele. Quem pudera com todo o interior de sua alma mostrar a bondade, e suavidade deste santíssima lei, fundada toda em amor, como diz S. Gregório, e tão posta em razão. Todo o homem como criatura racional a deve estimar, e abraçar, porque havendo Deus feito à sua imagem, e semelhança, e criado o mundo todo para seu serviço, e regalo, e sobretudo da do seu próprio Filho, para como o seu precioso sangue o libertar do cativeiro do pecado, e abrir as portas do Céu, para que foi criado, de razão o há de amar agradecido, e servir por tão grandes benefícios. Deste amor nasce o do próximo, porque conforme S. Tomás, o mesmo hábito de caridade, que o Senhor infunde nas almas, para quem com ele ame a seu Deus, esse mesmo é o que os inclina, e move para que ame a seu próximo, nem se compadece um amor sem o outro. Do que próximo, que quem tem não lhe faz dono, como não quer que se lhe faça, e faz o bem que pode da maneira que deseja se lhe façam outros. Assim que se reduzem estes dez Mandamentos todos ao amor, porque sendo o Deus a mesma caridade, lhe parece qualquer libré deste precioso bocado mui bem. Debaixo deste preceito se compreendem todos os homens do mundo, como nota S. Próspero, ainda que Gentio, Mouro, e outros bárbaros; podemos bem ser diferentes no trato, e polícia; mas a natureza nos fez tão irmão, como os que nasceram das nossas portas a dentro: porque todo o animal ama o outro a si semelhante (como diz o Eclesiastes) e um homem a outro homem também como semelhança sua. E esta lei é mui digna de Deus, pelo que concluem os Santos, Agostinho, Crisóstomo, Basílio, e Jerónimo, que não são discutidos, nem impossíveis os preceitos do amor, em que mui bem cabe o que diz o Senhor: Meu jugo é a suave, e a minha carga leve. Nestes dez Mandamento, neste precioso bálsamo de amor, com que ficamos preservados da corrupção, deve todo homem estar instruído, e procurar ser constante na observação deles, porque a Fé (segundo S. Agostinho) aviventado do amor, é de verdadeiro e Católico Cristão. Além destes dez há outros cinco, que se dizem da Igreja, que pela autoridade, e poderes que têm de seu Esposo, pode, como nota S. Crisóstomo, não só absolver, atar, desatar, e ligar os pecadores, porém tem faculdade para ordenar leis, estatuir cânones, e estabelecer preceitos, que obriguem, como se o mesmo Deus os ordenara, e mandara; e em virtude deste privilégio pôs aos fiéis estes cinco Mandamentos de bom governo que são: Ouvir Missa nos Domingos, e festas de guarda, confessar ao menos uma vez cada ano, comungar pela Páscoa, jejuar quando ela manda, e pagar dízimos, e primícias. Quem quiser saber o tempo, e concílios, em que se foram assentando, leia o Catolicismo do Padre Pero Canisio. Finalmente o que verdadeiramente ama a Deus, não deixará de guardar uns, e outros, com que alcançará a verdadeira nobreza, que só neste amor consiste.
 
(a continuar)

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