02/08/16

O MASTIGÓFORO - PASTORAL DO BISPO DE TREGNIER

Fragmento da Pastoral do Bispo de Tergnier
"Quando o primeiro, e mais esclarecido trono do Universo, está comovido até aos seus alicerces, quando os movimentos convulsivos da Capital se fazem sentir nas províncias mais remotas dão Império Francês, será permitido a um Bispo o guardar silêncio?... Houve um tempo em que o amor dos Franceses aos seus Reis não conhecia limites; bem longe de procurarem discutir, ou contestar, ou ainda menos limitar os direito, e prerrogativas da Coroa, nossos pais folgavam de multiplicar os testemunhos de seu zelo, de sua obediência, e de sua devoção ao Monarca. Ah! meus caríssimos irmãos, quão diferente é agora do que já foi, essa Monarquia Francesa! Os príncipes de sangue Real, fugitivos nas nações estrangeiras, a disciplina militar enervada, o Cidadão armado contra o Cidadão, um sistema de independência, e de insurreição apresentado com arte, recebido com entusiasmo, sustido pela violência; todos os mananciais do  crédito nacional interceptados, ou secos, o Comércio definhando-se, as Leis sem força, e sem vigor, seus depositários dispersados, ou reduzidos a silêncio, o nervo da autoridade em poder da multidão; todas as classes de Cidadãos confundidas, a vingança sequiosa de sangue, aguçando os seus punhais, designando as suas vítimas, praticando os seus furores homicidas; tais foram os triunfos monstruosos desses homens perversos, que abusando dos talentos, que lhes dera a natureza para melhor uso, sopraram na França o espírito da independência, e da anarquia. Praza aos Céus, que essas produções internais, e que os planos de regeneração que aí se contêm, sejam sumidos no nada, donde nunca deveriam ter saído.
Conservamos as nossas leis antigas; são elas a salva-guarda de nossas propriedades, de nossas pessoas, e de nossa glória. O vício do Governo Francês não está nas Leis que são boas, está nos costumes públicos, que são depravados. Conservemos as nossas Leis, e reformemos os nossos costumes. Nada há mais perigoso que insultar as Leis antigas, referi-las à simplicidade gótica dos nossos antepassados, como princípios rançosos e bárbaros, e desprezá-las como frutos de ignorância, e de opressão.
Que felizes tempos eram aquele que precederam a actual anarquia, tempos em que os nossos dias corriam desassombrados de sustos, em que as nossas humildes queixas encontravam um fácil acesso ao coração de nossos Reis, em que os ricos gozavam sem temor, da sua opulência, e das suas heranças; em que o plebeu contente de sua sorte vivia satisfeito com o seu estado! Estes dias serenos já lá vão, e desapareceram como um sonho. A Igreja cai no aviltamento, e na escravidão; seus Ministros são ameaçados de condição de homens assalariados....
Pelo mais deplorável abuso da Liberdade, precioso mimo da natureza, querem que cada um possa pensar, e escrever segundo lhe agrada; que todos os cultos sejam indistintamente permitidos; que o discípulo obstinado de Moisés, que o fanático seguidor de Mafoma [Maomé], que o adorador insensato dos ídolos mais desprezíveis, que o artificioso Sociniano, que o cego e voluptuoso Ateu, que as Seitas as mais contrárias, e as mais absurdas, repousem de mistura com o Cristão Católico, debaixo das asas, e protecção do Governo Francês!...
Não é pois já tempo que o povo Francês acorde, e que do íntimo dos nossos corações se levante um grito geral para reclamar as nossas antigas Leis, e o restabelecimento da ordem pública?
Dizei aos Povos (continua o Prelado, dirigindo-se aos Párocos) que se enganam a si próprios, quando se lisonjeia de uma diminuição de tributos, em tempos desastrosos, quando o Estado exige os maiores sacrifícios. Dizei-lhe que os enganam quando lhes pintam os Chefes do Clero como sujeitos devorados de ambição, vendidos à intriga, e dados aos excessos de um luxo escandaloso. Dizei-lhes que a autoridade, ainda que seja legítima não pode exigir respeito, senão enquanto ela respeita as Leis recebidas; que fazer matar os cidadãos ainda que sejam criminosos, sem ouvir a sua defesa, roubar as Corporações, e aos particulares a existência, e os bens de que eles sempre gozaram, debaixo da protecção do governo, confundir os contratos que reuniram à Coroa as mais ricas, e as mais consideráveis províncias do Reino, é um Sistema de opressão e tirania, que despedaça todos os vínculos do pacto Social [ou este que luta do lado bom, está já contagiado de erros que para o caso não calham ser significativos - há que olhar este caso como o paradigma dos católicos da época liberal, que, mesmo quando lutaram do lado bom já transmitiam aos descendentes ideias que não sabiam serem más; ou este que luta, está a usar apenas do mesmo argumento da sua oposição para lhes fazer ver que nem o contrato social, crença deles, eles respeitam]. Dizei-lhes, que os enganam com esses infames libélos, que a filosofia emprestou com seus venenos, e paradoxos, quando lhes representam os membros das suas primeiras ordens da Monarquia, como aristocratas odiosos, conspirados contra o povo, e não procurando senão esmagá-lo debaixo do jugo da tirania, e do despotismo, etc..." 

(Tudo isto consta do Avant Moniteur, Paris 1805, a pág. CXLIII, e bem lastimado fiquei eu de não poder achar por inteiro este belo monumento de firmeza, e lealdade ao Trono de S. Luís!)

Quem falou tão denodada, e apostolicamente não podia agradar aos ímpios, que o taxaram de fanático, e sedicioso. Compareceu diante dos Tribunais, opôs-se à declaração de que os bens de Igreja eram nacionais, e só em última extremidade é que se retirou de França para levar à Grã-Bretanha o famoso espectáculo de suas virtudes.... Ah Bispo de Tregnier, Bispo de Tregnier!!! (nota: Não é fora de propósito referir aos meus Leitores o que felizmente achei escrito pela dourada pena do Abade Carron, que tenho citado mil vezes noutra parte [nos Arquivos da Religião Cristã] e que segundo se vê do contexto seguinte, assistiu deste virtuoso, e exemplaríssimo Bispo: "Sejais mil vezes bendito meu Senhor [Pensées Chretiennes, ou Entrtiens de láme fidelle avec le Seigneur pour touts les jours de l'anneé Tom. 4 da edição de País 1802 pág. 131 e seg.] hoje, sim hoje mesmo eu vi consumar a obra das vossas misericórdias. Oh que terníssimos espectáculos! Saíram eles nunca de minha lembrança? Ali, é um venerável Pontífice, a honra do Sacerdócio, e o primeiro de seus ilustres colegas, que confessou a fé perante os Tribunais. Honrado de um longo desterro, banido de sua pátria, modelo há dez anos do Clero perseguido e fiel, sinalou cada um dos seus dias por novos actos de virtude, ainda ontem, já com a última respiração nos beiços, e com os olhos amortecidos, voz moribunda, assentado tranquilamente à mesa, ele estava, e eu o vi nesse triste momento, ocupado todo na salvação da França, e nos meios de haver obreiros fiéis para essa vinha que ele amava com extremo. A noite passada, no leito de suas dores, quieto, e sossegado contava, com uma terna impaciência, as horas, que o chegavam ao seu último suspiro. Que horas são, perguntou ele com toda a paz, ao testemunho, e admirador da sua agonia. É uma hora, lhe respondem.... A esta palavra, o anjo visível pára, seus olhos se fecham, sua cabeça repousa docemente.... o anjo não vive já neste mundo, os Céus o possuem". Acrescenta o mesmo autor em nota: "Por estas feições quem deixará de conhecer-te, quem não há de nomear em continente o virtuoso le Mentier Santo Bispo de Tregnier? Que luto universal foi para nós a tua perda! Que sentida não foi pelas nossas lágrimas, e saudades!! Que consternadora a cerimónia da tua sepultura!! É na terra de teu glorioso desterro, e em lugar retirado e solitário, onde os teus modestos despojos descansam sem estrondo, sem pompa ao lado das cinzas de meus irmãos; porém tu não morreste todo.... Desde o interior do teu Sepulcro, ainda nos prégas todas as virtudes: e a tua memória nunca se há de apagar.) Ficarei neste gemido.... sem acrescentar milhares de reflexões, que me acodem a enxames.

[comentário ASCENDENS: na tentativa de encontrar documentação a respeito do Bispo de Tregnier, transcrevo: "Charles-Jean-Marie Alquier, membre de la convention national, avocat du roi, à la Rochelle, avant la révolution; il était maire lorsque l'assemblée du tiers-état de la sénéchausée de la Rochelle le nomma, em 1789, député de cet ordre aux états-généraux; il entra bientôt dans le comité des rapports, et fut chargé, le 22 octobre 1789, par ce comité, de faire léxposé de la conduite de l'evêque de Tregnier, qu'on accusait d'avoir provoqué, par un mandement, línsurrection de la Bretagne contre les décrets de lássemblée. Un décret rendu, à la suite de ce rapport, ordonna que cette affaire serait instruite devant le tribunal chargé de poursuivre les délits de lèse-nation." (Galerie Historique des Contemporains, ou Novelle Biographie - Tome I, pág. 81. Bruxelles, 1843). "ALQUIER, député de la Rochelle, fait le rapport du mandement de l'évêque de Treguier, et des circonstances qui l'ont accompagné. Il lit les différentés pièces d'une information fait par toutes les municipalités réunies du diocèse de Treguier. Il en résulte que non seulement ce prélat a excité le peuple que non-seulement ce prélat a excité le peuple à lá séduction par son mandement, mais encore qu'il a concouru, avec les nobles de son diocèse, à faire déserter de la milice nationale un nombre considérable de jeunes citoyens, qui, séduits par de l'argent et par des promesses, se sont engages à n'obéir qu'aux gentilshommes, et à les prendre pour leurs chefs." (Les Contemporains de 1789 et 1790, ou les Opinions Débattues Pendant La Premièr Législature; avec Les Principaux Événemens de La Révolution... Tome I, pág. 47. Paris, 1790). A Diocese de Tregnier, segundo parece, terá sido extinta, mais ou menos no tempo deste Bispo.]

(índice da obra)

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