O ilegítimo "rei" Herodes, perante o legítimo Filho de David |
SEGUNDA-FEIRA
Jesus é levado a Pilatos, e a Herodes e
posposto a Barrabás
Et vinctum adducerunt eum, et tradiderunt Pontio Pilato pracsidi — "E preso conduziram e entregaram ao governador Poncio Pilatos" (Math. 27, 2).
Sumário - Imaginemos ver Jesus Cristo,
que em meio de uma multidão de gentalha insolente é conduzido ao tribunal de
Pilatos, depois ao de Herodes e afinal novamente ao de Pilatos. Este para
livrá-lo, apresenta-o ao povo juntamente com um ladrão e assassino; mas o povo
responde: Seja livre Barrabás, e Jesus seja crucificado. Ó céus! todas as vezes
que pecámos, fizemos o mesmo, pospondo nosso Deus a um vil interesse, a um
pouco de fumo, a um vil prazer.
I. Ao amanhecer, os príncipes dos
sacerdotes novamente declaram Jesus réu de morte, e depois conduzem-no a
Pilatos, afim de que este o condene a morrer crucificado. Pilatos, tendo
interrogado diversas vezes, tanto os Judeus como nosso Salvador, reconhece que
Jesus é inocente e que todas as acusações são calúnias. Sai, pois, para fora e
declara que não acha em Jesus culpa alguma para condená-lo. Vendo, porém, que
os Judeus se empenhavam sumamente em fazê-lo morrer, e ouvindo que Jesus era da
Galiléia, para tirar-se dos apuros, remisit
eum ad Herodem — "Devolveu-o a Herodes".
Herodes ficou muito contente ao ver Jesus
levado à sua presença. Esperava ver um dos muitos milagres obrados pelo Senhor
e dos quais tinha ouvido falar. Interrogou-o muito, mas Jesus se calou e não
lhe deu resposta alguma; castigando assim a vã curiosidade daquele insolente: At ipse nihil illi respondebat. Ai da
alma a qual o Senhor não fala mais. – Meu Jesus, eu também tinha merecido este
castigo, por ter resistido tantas vezes às vossas misericordiosas inspirações.
Mas, meu amado Redentor, tende piedade de mim e falai-me: Loquere, Domine, quia audit servus tuus – "Falai, Senhor, porque o
vosso servo escuta". Dizei-me o que desejais de mim; quero obedecer-Vos e
contentar-Vos em tudo."
Herodes, vendo que Jesus não lhe
respondia, desprezou-o e tratando-o como a um doido, fez escárnio dele, mandando-o
vestir uma túnica branca, e motejou dele com toda a sua côrte, e assim
desprezado e escarnecido mandou-o de novo a Pilatos. Eis que Jesus, vestido com
aquele escárnio, é levado pelas ruas de Jerusalém. — Ó meu desprezado Salvador,
faltava-Vos ainda esta injúria, a de ser tratado como doido. Cristãos, vede
como o mundo trata a Sabedoria eterna! Feliz de quem se compraz em ser
considerado pelo mundo como doido, e não quer saber outra coisa senão a Jesus
crucificado, amando os sofrimentos e os desprezos! Perante Deus terá mais valor
um desprezo suportado em paz por amor dele, do que mil disciplinas.
II. O povo israelítico tinha direito a
exigir do governador romano no grande dia de Páscoa, que deixasse ir livre um
dos prisioneiros. Pelo que Pilatos lhe mostrou Jesus e Barrabás, homem
criminoso, dizendo: Quem vultis dimittam
vobis, Barabbam an Iesum? — "Qual quereis que vos solte, Barrabás ou
Jesus?". Pilatos esperava que o povo com certeza preferiria Jesus a
Barrabás, um celerado, homicida e salteador, que todos devia detestar. Mas o
povo, instigado pelos príncipes da sinagoga, de repente e sem deliberar, pede
Barrabás. — Pilatos, surpreso e indignado ao ver um inocente posposto a tão
grande malfeitos, diz: Quid igitur faciam
de Iesu? — "Que farei então de Jesus?" Todos gritam: "Seja crucificado!" Pergunta outra vez Pilatos: "Mas, que mal
fez ele?" Eles porém gritam com mais força: "Seja crucificado!" — Crucificatus!
Assim como Jesus e Barrabás foram
apresentados ao povo, assim também perguntou-se ao Padre Eterno, qual ele
queria que fosse salvo, seu Filho ou o pecador. E o Padre Eterno respondeu:
Morra meu Filho e seja salvo o pecador. É o que nos afirma o Apóstolo; é o que
nos diz Jesus Cristo mesmo: Sic Deus
dilexit mundum, ut Filium suum unigenitum daret — "Tanto amou Deus ao mundo, que lhe deu seu Filho unigénito". — Mas,
como é que os homens correspondem a estas supremas finezas do amor?
Ai de mim, meu Senhor! todas as vezes que
cometi o pecado, fiz como os Judeus. A mim também se perguntava o que desejava:
a Vós ou ao vil prazer; e respondi: Quero o prazer e pouco se me dá perder o
meu Deus.
É assim que falei então; mas agora estou
arrependido de todo o coração, e digo que prefiro a vossa graça a todos os
prazeres e tesouro do mundo. Ó Bem infinito, ó meu Jesus, amo-Vos acima de
todos os outros bens; só a Vós quero e nada mais. — Ó Mãe das dores, minha Mãe
Maria, impetrai-me a santa perseverança. (I 610)
MEDITAÇÃO PARA A TARDE DO MESMO DIA
Jesus preso à coluna e flagelado
Tunc ergo appregendit Pilatus Iesum et flagellavit — «Pilatos tomou então a Jesus, e o mandou açoitar» (Io. 19, 1).
Sumário - Contemplemos como os algozes
pegam dos açoites e a um sinal dado começam a bater por toda a parte em nosso
divino Redentor. Seu corpo virginal primeiro torna-se roxo; depois começa a
correr o sangue, e com tão grande abundância, que ficam manchados, não só os
açoutes, senão também as vestes dos algozes e a própria terra. Pelo que o
Senhor ficou transfigurado como um leproso, coberto de chagas desde a cabeça até
aos pés. Eis como Jesus quis satisfazer pelos pecados de sensualidade! E nós
continuaremos a acariciar esta carne rebelde?
I. Vendo Pilatos que falharam os dois
meios empregados para não ter de condenar ao inocente Jesus, isto é, a remessa
para Herodes e a apresentação ao lado de Barrabás, toma o alvitre de lhe dar um
castigo qualquer e depois mandá-lo embora. Convoca portanto os Judeus e lhes
diz: "Apresentastes-me este homem como um agitador; não acho, porém, nele culpa
alguma, nem tampouco a achou Herodes. Todavia para vos contentar mandarei
castigá-lo e depois mandá-lo-ei embora". Ó Deus, que injustiça clamorosa!
Declara-o inocente, e depois manda-o castigar!
Mas, qual é o castigo, ó Pilatos, a que
condenas este inocente? Vais condená-lo a ser açoitado? A um inocente infliges
uma pena tão cruel e tão vergonhosa? Sim, foi o que se fez. Tunc ergo apregendit Pilatos Iesum, et
flagellavit — "Então Pilatos tomou a
Jesus e mandou que o açoitassem". — Minha alma, contempla como, depois de
uma ordem tão injusta, os algozes agarram furiosos o Cordeiro mansíssimo, e
entre gritos e alaridos o levam ao Pretório e o prendem à coluna. E Jesus, que
faz Jesus? Todo humilde e submisso, aceita por nossos pecados o tormento tão
doloroso e ignominioso. Eis como os verdugos já pegam dos açoutes, e ao sinal
dado levantam os braços e começam a bater por toda a parte, na carne sagrada do
Senhor. — Ó algozes, estais enganados, o criminoso não é ele; fui eu que mereci
esses castigos.
Ó minha alma, queres ser do mesmo número
daqueles que indiferentes contemplam um Deus açoutado? Considera a dor, e mais
ainda o amor com que o teu dulcíssimo Senhor padece por ti tão grande suplício.
— Com certeza, entre os açoutes Jesus pensava em ti. Se ele tivesse sofrido por
amor de ti um golpe só, já deverias estar abrasado de amor para com Jesus e
dizer: «Um Deus quis ser batido por amor de mim!» Jesus porém quis, para
satisfacção de teus pecados, que lhe fossem rasgadas e dilaceradas todas as
carnes, segundo a profecia de Isaías: Ipse
autem vulneratus est propter iniquitates nostras — "Ele foi ferido pelas nossas iniquidades".
II. O corpo virginal de Jesus primeiro torna-se todo roxo; depois o sangue
começa a correr por toda a parte. Ó céus! os algozes já lhe rasgaram a carne
toda, e sem piedade continuam a bater nas feridas e a juntar novas dores. Assim
o mais formoso de todos os homens fica tão desfigurado, que impossível é
reconhecê-lo. Numa palavra, Jesus é reduzido a um estado tão lastimável, que parece
como que um leproso, coberto de chagas desde a cabeça até aos pés: Et nos putavimus eum quasi leprosum — "E nós o julgámos como que um leproso".
E para que tudo isto? Para me livrar dos
suplícios eternos. Desgraçado e infeliz de quem não Vos ama, ó Deus de amor!
Mas enquanto os algozes o açoutam tão
cruelmente, que faz o nosso amável Salvador? Não fala, não se queixa, não geme;
mas paciente oferece tudo a Deus afim de abrandá-lo para conosco. Sicut agnus coram tondente se, sine voce,
sic non aperuit os suum — "Como um
cordeiro diante do que o tosquia, emudeceu, e não abriu a sua boca".
Ah, meu Jesus, Cordeiro inocente! os
bárbaros algozes Vos tiram, já não a lã, mas, sim, a pele e a carne. É esse o
baptismo de sangue pelo qual suspirastes durante a vossa vida toda. Eia, minha
alma, lava-te no sangue precioso, de que foi embebida aquela terra dictosa. —
Meu dulcíssimo Salvador, como poderei duvidar do vosso amor, vendo-Vos todo
ferido e dilacerado por meu amor? Cada chaga é uma prova inegável do afecto que
me tendes. Cada ferida pede-me que Vos ame. Uma só gota do vosso sangue era
bastante para a minha salvação; mas Vós quereis derramá-lo todo sem reserva,
afim de que eu também me dê a Vós sem reserva. Sim, meu Jesus, sem reserva
alguma me dou todo a Vós; aceitai-me e ajudai-me a ser-Vos fiel. Fazei-o pelas
dores de vossa e minha querida Mãe Maria. (I 612.)
(Continuaçao, Terça feira)
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