26/01/16

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº5 (II)

(continuação da I parte) 

PROMETER, PROMESSA – Correspondem exatamente a Enganar, Engano. A razão é patente ainda ao entendimento mais rude. Um ateu que promete proteger a Religião, um ladrão que promete a segurança das propriedades, um tirano que promete liberdade, um orgulhoso que assegura que todos serão iguais, é necessário inquestionavelmente ser um simplório para não conhecer, que o que ele quer é enganar. 

TIRANIA, TIRANOS, GOVERNO TIRANO – No idioma filosófico nenhum destes Vocábulos tem a menor correspondência com as coisas que explicam, mas sim com as pessoas que fazem estas coisas. É por isto que, segundo eles, por mais inocente, amável, justo, benéfico, e moderado que seja um Soberano, é irremediavelmente um tirano. E daqui vem igualmente que, por mais tiranias e por mais horrendas que elas sejam, uma vez que sejam feitas pelos Republicanos, não se chamam tiranias, mas sim benefícios. Um Democrático ainda que seja um diabo em carne humana, e ainda que seja mais ladrão que Gestas, e mais cruel, e raivoso que Nero, não é um tirano; não senhor; porque a filosofia já descobriu, que não é a tirania quem faz o homem tirano, mas sim o homem é quem faz tirânico ainda aquilo mesmo que é essencialmente oposto à tirania. Por Exemplo, impõe um Monarca uns 20% de contribuição para o bem comum do Estado: agora nós veremos. “Se ele é um déspota; se ele é um tirano", ladra toda a cansoada Republicana, não porque a coisa o seja em si, mas puramente porque é obra do Monarca. Impõe pelo contrário o Governo Democrático uma contribuição três vezes tanto maior, que o capital, e as rendas: não têm dúvida; é um acto do mais justo do Governo, e assim é indispensável para conservar o crédito público etc. Que bela linguagem! Que opiniões tão encontradas! Vimos por tanto daqui a concluir que o único remédio, que há para ser tirano, é tiranizar a bandeiras despregadas, e que os únicos, que podem fazer bem ao género humano, são os tiranos. Haverá língua mais peregrina?!

(* Muito, e muitíssimo se nos oferecia dizer sobre esta matéria; mas certos respeitos nos prendem a pena. Grandes baterias, que nos tempos Constitucionais se tomaram por assalto, ainda hoje estão guarnecidas por grandes arquitectos e engenheiros que triunfam de todas as tentativas; e continuam com o nome de um Rei bem-feitor e Religioso, a mesma tática subversiva, injusta, e antirreligiosa, que nasceu com a Revolução,  e que apesar de haver um Decreto do Senhor D. João VI.,  em que anulava tudo quanto fizeram as Côrtes, com tudo ainda se conserva... Mas não nos envolvamos em razões de Estado; tempo ainda virá, em que se patentearão grandes verdades. E se a Esquadra Francesa forçando a barra, a pesar de ser este um mal gravíssimo, que não tem paralelo em a balança da honra, foi todavia de alguma vantagem para se cortarem certos nós, que não se podiam desatar, e para quebrar certos vidros corados, pelos quais se apresentavam objetos, não quais eles eram, mas quais queriam que fossem; assim também será necessário um outro abalo para que se abra alguma brecha por onde se veja o fraco da Praça, e se possa combater....

Mas voltando nós à vaca fria: que bulha não faz por aí a cansoada liberal com o empréstimo forçado, a que as circunstâncias actuais, e visíveis, obrigaram o Senhor D. MIGUEL I.?! Não falta quem o caracterize de injusto, e tirânico; mas aos que assim falam, além de os remetermos para o que dissemos em n.º antecedente, faremos duas perguntas: 1.ª Qual dos empréstimos será mais injusto? Este, que tem uma aplicação tão visível, e de uma necessidade tão absoluta, como é defender a Pátria contra uma invasão inimiga, ou aquele dos quatro mil contos, que se gastou a maior parte em pagar os Deputados, e em sustentar uma luta ilegítima, e que arrastou consigo um ónus o mais incómodo, que tem o Reino, qual é o do Papel Selado, onde indispensavelmente te há de abundar o contrabando?!... 2.ª Qual será mais injusto, pedir dinheiro prestado aos que o têm, pagando-lhes o juro da Lei, ou impor sobre uma Classe, além de décima e de quinto, como pagam sobre as outras, uma Colecta, que já se paga há quase dez anos, e que hoje avulta a milhões, e que não são prestados, mas dados? Ora Senhores Filósofos financeiros, que não sabeis os nomes dos Frades, e Clérigos, para os empregos da República, e que só os encontrais para pagarem as Colectas, tende paciência! hoje por nós, amanhã por vós: não há porco, que não venha o seu S. Martinho. Olhai, não vos deem na balda. Livrai-vos que vos digam "e o nosso dinheiro!") D. Tr. 

LEI – Segundo os Democráticos, entre eles ninguém governa senão a Lei, e ela é a única Autoridade a que todos obedecem: já se vê que ela é a alma republicana. Coisa maravilhosa! Repúblicas Democráticas conheço eu, que só num ano fizeram vinte e duas mil Leis, sem que por isso houvesse entre elas alguma. Pois eis aqui o segredo: esta Lei que não existia, era a quem todos obedeciam; e esta Lei imaginária era quem mandava e regulava tudo. Então não diremos que é um portento a alma das Repúblicas modernas?!

(* Mais de uma vez temos reflexionado sobre a maneira como se anunciam as Leis Democráticas, em paralelo das que emanam do Monarca absoluto; estas começam sempre por manifestar a causal, que obrigou o Soberano àquele procedimento, a que se chama a mente, e o motivado da Lei, e deste género se pode apontar por um exemplo bem distinto a Lei do Marquês de Pombal sobre os Morgados; aquelas ao contrário começam sempre ex abrupto: "as Côrtes decretam, e ordenam o seguinte", era a sua linguagem. Ora compare-se uma com a outra forma, e veja-se qual é mais odiosa, e em qual aparece a Lei com mais cara de ferro, e cheirando mais a despotismo?! O Monarca apresenta as razões que o obrigarão, sempre fundadas na justiça; e os Demagogos "quero porque quero". E será isto governar em nome da Lei?!) D. Tr.

D. José Sebastião Carvalho e Mello (o astuto e perigoso Marquês de Pombal - Ministro do Rei D. José de Portugal). O liberalismo consegue ser mais déspota que o próprio Marquês de Pombal. O texto da época mostra-nos, entre várias realidades: a) o "rei absoluto" era o rei tradicional; b) por qualquer peso os liberais caluniavam os reis (assim nasce e é aplicado o nome "absolutismo" neste tempo, mesmo que os reis assim difamados não tivessem feito mais do que fizeram os seus antigos antecessores).
PROPRIEDADE – Vocábulo ad libitum. Entre os Republicanos (em quanto estão roubando) não tem nem uso, nem significação. Mas quando tem já guardados os roubos, oh! então já é outra cousa: Propriedade é um nome sagrado. O melhor que têm é que como os roubados, e os ladrões se sucedem uns aos outros continuamente, e muitas vezes sem interrupção se transformam os segundos nos primeiros, não pode deixar de ser que este Vocábulo esteja num pleito eterno entre os Cidadãos felizes das Republicas Democráticas. 

EMIGRAR, EMIGRADOS – Todas estas palavras encerram em si gravíssimo delito, o qual consiste em não deixar-se matar como formigas a capricho da iniquidade. Horrorizados alguns de ver queimar os Palácios, matar os donos, apoderar-se de seus bens, e arrastar milhares de vítimas inocentes à guilhotina, tomaram as de Vila Diogo, e cometeram contra a Pátria horrendo delito de salvar a vida com a fuga, sem que faltasse quem tivesse a ousadia de pôr em prática o natural direito de defender-se dos ladrões. Pois a eles. Isto é um delito imperdoável. Se acaso se puder haver às mãos estes delinquentes, em pronto são fuzilados. Se não se podem, vão-se com Barrabás: seus bens que o paguem. Daqui se vê que este é um daqueles delitos nunca ouvidos no Mundo, que se castigam in filios filiorum, porque não só entra na dança o que o cometeu, mas seus irmãos, e parentes, os quais no interim são privados dos empregos, confiscam-se-lhes os bens, e com um quase nada, que se aperfeiçoe a Justiça Republicana, vão todos juntos arrastados à guilhotina.

(* Bem conhecida foi entre nós esta linguagem, e este procedimento contra os emigrados, que não podendo, nem querendo aturar um jugo estrangeiro, buscaram asilo em uma Nação vizinha. A nada se poupou a intriga Diplomática para frustrar os seus fieis desejos, e denegrir as suas leais intenções! Sobre esta matéria deve ler-se o que o "Mastigoforo" disse sobre este assunto, onde se apresentam peças justificativas de fidelidade, e desinteresse.) D. Tr. 

VIRTUDE, VIRTUOSO – Antigamente maldade, malvado. Desde o momento, em que algum se fez patriota, é também democraticamente virtuoso. Toda a acção de um patriota é um acto de virtude; e a História Republicana eterniza, para alentar os patriotas futuros, as acções virtuosas daqueles seus ilustres progenitores que fizeram as nunca assaz louvadas façanhas de roubar os Templos, destruir as coisas sagradas, violar as virgens, arruinar os Mosteiros, perseguir, e matar os Sacerdotes, e lavar as mãos no sangue de seu próprio Pai, e de sua própria Mãe... Porém basta para inteligência do que é a notória probidade, e virtude dos religiosos, e virtuosos democráticos. 

FIDELIDADE – Quando se conserva com Deus, com o legítimo Príncipe, ou com qualquer outra Pátria, que não seja a democrática, toda a fidelidade é alta traição. Desgraçado daquele que se empenha em ser fiel àquele Príncipe, àquelas Leis, e àquela Pátria, a quem cheio de amor e ternura, voluntariamente jurou fidelidade! Imediatamente é tido em língua democrática por traidor; pois a fidelidade deve-se somente aos que mandam com baionetas, canhões, e fuzis. In illo tempore a fidelidade era filha do amor e da estima; mas os Republicanos a tem declarado bastarda, puseram em seu lugar uma fidelidade filha do temor, e da aversão. Substituição por certo dos ilustrados democráticos.

(* É muito para admirar, que não tendo os Liberais fidelidade a pessoa alguma, nos arguam de que faltámos ao juramento de fidelidade, que demos  ao Senhor D. Pedro. Ora com efeito, sobre isto já se tem dito e escrito muito, tanto em Portugal, como nas Côrtes Estrangeiras; mas no entanto sempre dizemos que nós nunca jurámos fidelidade ao Senhor D. Pedro; e senão que nos apresentem esse Auto lavrado pela maneira, que em tais casos se costuma. Se é jurar fidelidade a um Rei, só porque se manda dar da Colecta, e só porque aparece o seu nome na frente dos Decretos, e Alvarás, então também nós jurámos fidelidade ao trono da Europa, e fomos por consequência,  rebeldes em lhe desobedecer. Quem tal dirá? É verdade que nos mandaram jurar; mas o que? A Carta, e obediência a ela, e não ao Senhor D. Pedro. Vejam-se as fórmulas do tal juramento, e nelas se achará "juro observar a Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa, dada, e outorgada pelo Senhor D. Pedro, etc.". Ora venham todos os Juristas, e Canonistas do Mundo, e digam-nos que este juramento é o juramento de preito, e fidelidade, que se costuma prestar aos Soberanos! Ainda que este juramento da Carta fosse obrigatório no foro da consciência, o que sem dúvida não é, por ser sobre matéria ilícita, não definida, e em prejuízo de terceiro, supõe o direito, e a legitimidade de quem emanou a tal Carta, e não o prova, porque então seria provar idem per idem; e como este direito e legítima sucessão estava usurpado, o que logo se manifestou pelos factos, e escritos, que apareceram em Portugal, e mormente pela nulidade do Decreto criador da Regência, cujo autógrafo, por mais que fosse pedido pelo Conde de S. Miguel, até hoje ainda não apareceu, segue-se por uma forçosa consequência, que nunca houve juramento de fidelidade ao Senhor D. Pedro. O seu nome, e o seu Governo foi tão intruso em Portugal, como foi o de Napoleão, e fazendo esta asserção, conformamo-nos com o Assento dos Três Estados em Côrtes, que reconheceram o Senhor D. MIGUEL Sucessor imediato a seu Augusto Pai, Rei legítimo de Portugal, e seus Domínios, como foram seus Maiores; assim o declaram, assim o furaram, e nas suas pessoas como Procuradores, que eram do Povo Português, todo o Povo jurou, e prestou preito e fidelidade ao Senhor Dom MIGUEL, tendo-o já aclamado como Senhor Natural, e Herdeiro da Coroa Portuguesa.

Ainda mais que gritou o Arcebispo Ataíde, que era necessário aclamar o Senhor D. Pedro, e exigir Juramento de preito à Nação, e sem que désse este passo tudo era nulo quanto se decretasse?! Pois então, per te: tudo foi nulo; Carta, Juramento; nenhum peso nos resta na consciência, e os que nos arguem de infiéis, são eles mesmos os verdadeiros infiéis, e traidores.) D. Tr.

(a continuar)

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