14/12/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº4 (IV)

(continuação da III parte) 

LOUCURA – Vocábulo curiosíssimo, que parece ter conservado em ambas as línguas seu verdadeiro significado. Até aqui vamos bem: porém na aplicação! Não há remédio, sempre se faz em sentido oposto; coisa que não deve maravilhar-nos, porque o homem, que está em seu juízo não conhece muito bem a loucura do que está louco? E à visto disto, que milagre é, que este tenha por sem juízo, o que está em toda a sua razão? É isto por ventura alguma coisa do outro Mundo?! Logo não nos deve assombrar que um Ateu, um Deísta, ou um demónio de um Democrático tenha por loucos, e chame assim aos cordatos, Religiosos, e razoáveis. Muitos pretendem que um Deísta, etc. etc. pode mui bem ser um maligno, e até de boa vontade um Valdevinos, mas não um louco. Mas (apesar de ser com pesar meu) oponho-me a isto; para discorrer da malignidade com acerto, é necessário fazê-lo pelo mesmo estilo, com que julgamos da febre. Esta não conduz ao delírio, a frenesim, senão quando chega a um grau mais subido. A malignidade é uma verdadeira febre d’alma, que quando é excessiva conduz sem remédio ao delírio. Supostas pois estas verdades, pergunta agora a minha curiosidade; pode dar-se mais malícia, que a de um Ateu, um Deísta, um Republicano!! Logo todas estas honradas perguntagens são loucos rematados com imprescriptíveis e inalienáveis direitos às palhas, e cadeias. Mas quando os Filósofos chegam com cume da sabedoria, imediatamente se julgam, e se reputam por grandes génios, pensadores, despreocupados, iluminados, etc. à semelhança daqueles loucos, que se julgam Imperadores, Papas, Reis, etc. Ergo... 

O Curso ordinário de loucura é o seguinte: 

 CURSO FILOSÓFICO
Orgulho
Independência
Presumção
Libertinagem
Deísmo ... Primeiro

CURSO ANTI-FILOSÓFICO
Docilidade
Boa Creação
Instrução
Bons Costumes
Religião


Grau de loucura, do qual se passa o Ateísmo, que é um verdadeiro frenesim, e furor.

A carreira do Ateísmo costuma sofrer algumas excepções, principalmente se encontra com homens de bem, e que ainda se conservam princípios da Religião. Para conduzir estes à loucura deística e ateística, era necessário dar um passo dificultosíssimo de saltar; porque um homem bem educado, com bons costumes, e imbuído em os verdadeiros e sãos princípios da Religião, é quase impossível, que chegue a ser ateu. É por isto, que o aplanar este monte foi a empresa mais delicada, e esquisita da velhacaria, e malícia filosófica, que por outro nome se chama Jansenismo. Neste sehnore se entra com os mais aparentes de santidade, de probidade notória, de sublimidade Religiosa, de de costumes, etc... E tanto se sublima a Religião, e se acrisolam os costumes, que num abrir e fechar de olhos se acha um homem, sem saber como, em a libertinagem, e sem tropeçar em cousa alguma do deísmo, e ateísmo. Não será de estranhar que muitos tenham isto por um paradoxo; porém tenham entendido que a cousa é bem clara, óbvia, e natural; porque, analisado bem o negocio, quais são as bases do Jansenismo? O orgulho, e o descompassado rigor. Pois bem; eu digo que de necessidade deve produzir um tal efeito, porque com o orgulho rebela os entendimentos contra a verdadeira Igreja, e suas decisões, e eis-aqui desde já perdida a Religião; e com o rigor se faz impraticável a Moral, e eis-aqui perdidos os costumes; e após a ruína de ambas, isto é a Religião, a Moral, vem logo pela posta a libertinagem, o deísmo, e o ateísmo. 

Na verdade não podemos compreender, como hajam homens tão desesperados e loucos, que sigam o republicanismo moderno. Porque, qual é o homem, que estando em seu juízo perfeito, deseja ser oprimido e envilecido, e por ultimo roubado? Qual, o que apetece estar a cada instante tremendo perder a hora, a vida, a consciência, e os seus bens? E não é esta a sorte do homem de bem, quando vive debaixo do republicanismo do tempo presente? Que digo eu? De todo o homem de bem? Não é esta a mesmíssima sorte ainda daqueles, que debaixo de um Governo tão endiabrado roubão, e fazem tudo quanto lhes dá na vontade? Porque, se isto lhes fora duradouro, vade in pace, servir-lhe-ia de escusa o saborear-se com tão magníficos e úteis empregos; porém se estão vendo estes diabos, e lhes está metendo pelos olhos a experiência, que o desterro e a guilhotina são de ordinário a sua maior recompensa... Pois que? Não tem à vista milhares de exemplos? Se isto conhecem, são loucos, á fé de Cristão; se os conhecem, e o desejam... então ... louquíssimos, e daqueles que não tem remédio.

(* Talvez que muitos que isto lerem, e que forem apaixonados dos Jansenistas se escandalizem por verem a Censura, que o Autor aqui lhes faz: mas tenham  paciência; mais e muitos mais se pode, e deve dizer... Que faria se vissem um Frei José Vidal da mesma Ordem Dominicana, e Catedrático da Universidade de Valência, na sua Obra imortal da Origem das Revoluções falar destes Sectários, como de cúmplices nas modernas Revoluções,  e apontando como um dos sintomas do liberalismo a paixão decidida pela doutrina de Jansénio? E que diriam estes meus Senhores, em cujas Bibliotecas aparecem colocadas entre os Santos Padres as Obras de Jansénio, e Gerson, se vissem e lessem uma Representação do Supremo Conselho de Castela, em forma de Consulta, dirigida a Sua Majestade Católica Fernando VII sobre a tradução, que em Espanha se pretendeu fazer da Tentativa Teológica do P. António Pereira de Figueiredo? Ali veriam com vergonha sua, pulverizados os argumentos, em que ele pretende fundar-se, desmascarada a má fé das suas Citações, e etc. etc... É verdade que parece mal dizer isto de um nosso compatriota; mas se dúvida, sendo ele um homem de tanta erudição, não pode negar-se que escreveu com espírito de partido, e as suas Obras Teológicas em nada nos honram: algumas foram queimadas em Roma pela mão do Carrasco, e as mesmas Notas ao Novo Testamento entraram no Índex. Ainda bem que já podemos falar com esta clareza a respeito do Jansenismo, o qual encostado à política de um Ministro nosso fez grandes progressos, assim como graves ruínas em Portugal... É mais um benefício, de que somos devedores a S. M. O Senhor D. MIGUEL I o ter buscado um Frade, (mas que Frade?! O Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Arcebispo Eleito de Évora, do conselho de Sua Majestade, Reformador Geral dos Estudos do Reino, e seus Domínios; e que para maior honra sua ainda não deixou de chamar-se Fr. Fortunato de S. Boaventura, Monge de Alcobaça: por isso lhe chamamos de Frade! E de certo se não escandalizará) que não pertence a semelhante Comunhão, e que ao contrário lhe tem jurado um ódio eterno, o qual colocado na Repartição mais importante, que tem o Reino saberá entupir a fonte pestífera, donde saiam destas, e doutras envenenadas doutrinas, e abrirá novas vertentes, onde as cristalinas águas da sã doutrina nutram, e formem Vassalos Religiosos e fieis, e Prelados piedosos, e caritativos. Mais se nos oferecia a dizer sobre esta matéria, mas a seu tempo se patentearão as nossas ideias a este respeito, e alguns documentos de grande peso, que apresentarmos ao Público farão ver, que o Jansenismo é relativamente à Religião, o que o Liberalismo é relativamente à Realeza.D. Tr. 

PENSADOR – Entre os Republicanos ninguém merece este nome, senão aquele, que à força de pensar tem arrojado de seu pensamento a Deus, a Religião, a imortalidade da alma, e tudo quanto há, e pode haver de bom. Aristóteles, Platão, Cícero, etc. etc. foram tidos até agora loucamente por sublimes pensadores; das primeiras noções naturais tiraram eles o verdadeiros resultado, e seguindo o fio do raciocínio chegaram a dar com a existência de Deus, com a essência de sua natureza, com a moral e a imortalidade  da alma, etc. Porém que estúpido modo de pensar! Para chegar ao mais alto e sublime grau de pensadores, tomaram  os Filósofos modernos o caminho bem ao contrário. Começam por Deus; porém para anular a sua existência, ou admiti-lo por mera cerimónia. Desce-se logo depois com a maior ligeireza até anular tudo, e assim vai a pique a Religião, a Moral, etc. etc. E quando se há chegado a transtornar o juízo, de modo que chegue a crer que os homens, depois de uma vida ocupada toda em comer, beber, a zurrar com os burros, merecem com o livre arbítrio, e com a razão o mesmo que eles, que não tem nem uma, nem outra cousa; e que depois da vida presente nada há que esperar, e que todos morremos como asnos, então assim, é quando filosoficamente se merece o sublime epíteto de pensador, de filósofo, e de iluminado. E haverá todavia homens, que depois disto não queiram confessar que o género humano deve viver sumamente reconhecido ás brilhantes luzes da Filosofia moderna, e a seu modo sublime de pensar?!... Vêd. Artig. Felicid. e Filos. ...

(continuação, V parte)

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