(continuação da III parte)
LOUCURA – Vocábulo curiosíssimo, que
parece ter conservado em ambas as línguas seu verdadeiro significado. Até aqui
vamos bem: porém na aplicação! Não há remédio, sempre se faz em sentido
oposto; coisa que não deve maravilhar-nos, porque o homem, que está em seu juízo
não conhece muito bem a loucura do que está louco? E à visto disto, que milagre
é, que este tenha por sem juízo, o que está em toda a sua razão? É isto por
ventura alguma coisa do outro Mundo?! Logo não nos deve assombrar que um Ateu,
um Deísta, ou um demónio de um Democrático tenha por loucos, e chame assim aos
cordatos, Religiosos, e razoáveis. Muitos pretendem que um Deísta, etc. etc.
pode mui bem ser um maligno, e até de boa vontade um Valdevinos, mas não um louco. Mas (apesar de ser com pesar meu)
oponho-me a isto; para discorrer da malignidade com acerto, é necessário fazê-lo pelo mesmo estilo, com que julgamos da febre. Esta não conduz ao
delírio, a frenesim, senão quando chega a um grau mais subido. A malignidade é
uma verdadeira febre d’alma, que quando é excessiva conduz sem remédio ao
delírio. Supostas pois estas verdades, pergunta agora a minha curiosidade;
pode dar-se mais malícia, que a de um Ateu, um Deísta, um Republicano!! Logo
todas estas honradas perguntagens são loucos rematados com imprescriptíveis e inalienáveis direitos às palhas, e cadeias. Mas
quando os Filósofos chegam com cume da sabedoria, imediatamente se julgam, e
se reputam por grandes génios, pensadores, despreocupados, iluminados, etc. à
semelhança daqueles loucos, que se julgam Imperadores, Papas, Reis, etc.
Ergo...
O Curso ordinário de loucura é o seguinte:
CURSO FILOSÓFICO
Orgulho
Independência
Presumção
Libertinagem
Deísmo ... Primeiro
CURSO ANTI-FILOSÓFICO
Independência
Presumção
Libertinagem
Deísmo ... Primeiro
CURSO ANTI-FILOSÓFICO
Docilidade
Boa Creação
Instrução
Bons Costumes
Religião
Boa Creação
Instrução
Bons Costumes
Religião
Grau de loucura,
do qual se passa o Ateísmo, que é um verdadeiro frenesim, e furor.
A carreira do Ateísmo costuma sofrer
algumas excepções, principalmente se encontra com homens de bem, e que ainda se
conservam princípios da Religião. Para conduzir estes à loucura deística e
ateística, era necessário dar um passo dificultosíssimo de saltar; porque um
homem bem educado, com bons costumes, e imbuído em os verdadeiros e sãos
princípios da Religião, é quase impossível, que chegue a ser ateu. É por isto,
que o aplanar este monte foi a empresa mais delicada, e esquisita da
velhacaria, e malícia filosófica, que por outro nome se chama Jansenismo. Neste sehnore se entra com os
mais aparentes de santidade, de probidade
notória, de sublimidade Religiosa, de de costumes, etc... E tanto se
sublima a Religião, e se acrisolam os costumes, que num abrir e fechar de olhos
se acha um homem, sem saber como, em a libertinagem, e sem tropeçar em cousa
alguma do deísmo, e ateísmo. Não será de estranhar que muitos tenham isto por
um paradoxo; porém tenham entendido que a cousa é bem clara, óbvia, e natural;
porque, analisado bem o negocio, quais são as bases do Jansenismo? O orgulho, e o descompassado rigor. Pois bem; eu digo
que de necessidade deve produzir um tal efeito, porque com o orgulho rebela os
entendimentos contra a verdadeira Igreja, e suas decisões, e eis-aqui desde já
perdida a Religião; e com o rigor se faz impraticável a Moral, e eis-aqui
perdidos os costumes; e após a ruína de ambas, isto é a Religião, a Moral, vem
logo pela posta a libertinagem, o deísmo, e o ateísmo.
Na verdade não podemos compreender, como
hajam homens tão desesperados e loucos, que sigam o republicanismo moderno.
Porque, qual é o homem, que estando em seu juízo perfeito, deseja ser oprimido
e envilecido, e por ultimo roubado? Qual, o que apetece estar a cada instante
tremendo perder a hora, a vida, a consciência, e os seus bens? E não é esta a
sorte do homem de bem, quando vive debaixo do republicanismo do tempo presente?
Que digo eu? De todo o homem de bem? Não é esta a mesmíssima sorte ainda daqueles, que debaixo de um Governo tão endiabrado roubão, e fazem tudo quanto
lhes dá na vontade? Porque, se isto lhes fora duradouro, vade in pace, servir-lhe-ia de escusa o saborear-se com tão
magníficos e úteis empregos; porém se estão vendo estes diabos, e lhes está
metendo pelos olhos a experiência, que o desterro e a guilhotina são de
ordinário a sua maior recompensa... Pois que? Não tem à vista milhares de
exemplos? Se isto conhecem, são loucos, á fé de Cristão; se os conhecem, e o
desejam... então ... louquíssimos, e daqueles que não tem remédio.
(* Talvez que muitos que isto lerem, e
que forem apaixonados dos Jansenistas se escandalizem por verem a Censura, que
o Autor aqui lhes faz: mas tenham
paciência; mais e muitos mais se pode, e deve dizer... Que faria se
vissem um Frei José Vidal da mesma Ordem Dominicana, e Catedrático da
Universidade de Valência, na sua Obra imortal da Origem das Revoluções falar
destes Sectários, como de cúmplices
nas modernas Revoluções, e apontando
como um dos sintomas do liberalismo
a paixão decidida pela doutrina de Jansénio? E que diriam estes meus Senhores,
em cujas Bibliotecas aparecem colocadas entre os Santos Padres as Obras de
Jansénio, e Gerson, se vissem e lessem uma Representação do Supremo Conselho de
Castela, em forma de Consulta, dirigida a Sua Majestade Católica Fernando
VII sobre a tradução, que em Espanha se pretendeu fazer da Tentativa
Teológica do P. António Pereira de Figueiredo? Ali veriam com vergonha sua,
pulverizados os argumentos, em que ele pretende fundar-se, desmascarada a má fé
das suas Citações, e etc. etc... É verdade que parece mal dizer isto de um
nosso compatriota; mas se dúvida, sendo ele um homem de tanta erudição, não
pode negar-se que escreveu com espírito de partido, e as suas Obras Teológicas
em nada nos honram: algumas foram queimadas em Roma pela mão do Carrasco, e as
mesmas Notas ao Novo Testamento entraram no Índex.
Ainda bem que já podemos falar com esta clareza a respeito do Jansenismo, o
qual encostado à política de um Ministro nosso fez grandes progressos, assim
como graves ruínas em Portugal... É mais um benefício, de que somos devedores a
S. M. O Senhor D. MIGUEL I o ter buscado um Frade, (mas que Frade?! O Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Arcebispo Eleito de Évora, do conselho de Sua Majestade, Reformador Geral dos Estudos do Reino, e seus Domínios; e que para maior honra sua ainda não deixou de chamar-se Fr. Fortunato de S. Boaventura, Monge de Alcobaça: por isso lhe chamamos de Frade! E de certo se não escandalizará) que
não pertence a semelhante Comunhão, e que ao contrário lhe tem jurado um ódio
eterno, o qual colocado na Repartição mais importante, que tem o Reino saberá
entupir a fonte pestífera, donde saiam destas, e doutras envenenadas
doutrinas, e abrirá novas vertentes, onde as cristalinas águas da sã doutrina
nutram, e formem Vassalos Religiosos e fieis, e Prelados piedosos, e caritativos. Mais se nos oferecia a dizer sobre esta matéria, mas a seu tempo
se patentearão as nossas ideias a este respeito, e alguns documentos de grande
peso, que apresentarmos ao Público farão ver, que o Jansenismo é relativamente à Religião, o que o Liberalismo é relativamente à Realeza.) D. Tr.
PENSADOR – Entre os Republicanos ninguém
merece este nome, senão aquele, que à força de pensar tem arrojado de seu
pensamento a Deus, a Religião, a imortalidade da alma, e tudo quanto há, e
pode haver de bom. Aristóteles, Platão, Cícero, etc. etc. foram tidos até agora
loucamente por sublimes pensadores; das primeiras noções naturais tiraram eles
o verdadeiros resultado, e seguindo o fio do raciocínio chegaram a dar com a
existência de Deus, com a essência de sua natureza, com a moral e a
imortalidade da alma, etc. Porém que
estúpido modo de pensar! Para chegar ao mais alto e sublime grau de pensadores,
tomaram os Filósofos modernos o caminho
bem ao contrário. Começam por Deus; porém para anular a sua existência, ou
admiti-lo por mera cerimónia. Desce-se logo depois com a maior ligeireza até
anular tudo, e assim vai a pique a Religião, a Moral, etc. etc. E quando se
há chegado a transtornar o juízo, de modo que chegue a crer que os homens,
depois de uma vida ocupada toda em comer, beber, a zurrar com os burros, merecem
com o livre arbítrio, e com a razão o mesmo que eles, que não tem nem uma,
nem outra cousa; e que depois da vida presente nada há que esperar, e que todos
morremos como asnos, então assim, é quando filosoficamente se merece o sublime epíteto de pensador, de filósofo, e de iluminado. E haverá todavia homens, que
depois disto não queiram confessar que o género humano deve viver sumamente
reconhecido ás brilhantes luzes da Filosofia moderna, e a seu modo sublime de
pensar?!... Vêd. Artig. Felicid. e Filos. ...
(continuação, V parte)
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