18/12/15

DA RELIGIÃO EM GERAL (II)

(continuação da I parte)

5. O filho recebe com docilidade as semente da Religião: o velho se lembra sempre dela, mas a idade de mancebo muitas vezes embaraça a fecundidade. A Irreligião cresce, e se diminui com as paixões: sufocadas elas, todo o homem se alistará sob os estandartes da Religião. Custa a ser homem de bem, mas, dizia um Autor, facilmente o homem de bem é Cristão!

6. A Irreligião parte da mesma origem que o Ateísmo: a liberdade do coração é o desditoso pai de ambos estes erros. É incrédulo aquele homem que o quer ser: e quer.se ser, porque interessa as paixões (amara sunt vitiosis ac male viventibus praecepta justitiae. Lectanct. lib 1 de Falsa Relig. n. 4). Cuidam em apagar em si as ideias da Religião, para não ser perturbado no meio dos prazeres, pelos remorsos. "O tempo da nossa vida é curto, e perigoso, dizem os ímpios". O homem depois da morte nada tem bom que espere: não se conhece ninguém que voltasse dos infernos. Nós nascemos como ao acaso; e depois da morte, nós nos tornaremos em nada. Vinde pois; gozemos dos bens peressentes; apressemo-nos a usar das criaturas, enquanto somos moços; embebedemos-nos com excelentes vinhos, perfumemos-nos com esquisitos cheiros; e não deixemos passar a flor da nossa idade; coroemos-nos de rosas, antes que murchem , assim falam as paixões.

7. Um Poeta moderno, que viveu a maior parte da sua vida na libertinagem (Rousseau; Casta a M. Racine); entrando em si mesmo descreve assim, depois da experiência, os graus, pelos quais a impiedade chega a corromper o espírito:

........ Tout libertinage
Marche avec ordre, et sou vrai personage
Est de glisser par degrés son poison
Des sens au coeur, du coeur à la raison.

O homem ainda que pecador não nasce ímpio; mas a corrupção dos costumes o faz. Em todos os tempos as trevas têm sido o fim, e o castigo do deleite. O voluptuoso considera, e vê os objectos só por meio dos sentidos (in homine carnali tota regula intelligendi est consuetudo cernendi. Quod solent videre, credunt: quod non solent, non credunt. S. Aug. Sermon 242 in dieb. Pasch. serm. 13 cap. I a I pag. 1009 ib. v. Edit. Beaed.): julga das coisas como deseja que sejam, não como o são na verdade. O seu espírito enganosamente é arrastado pelo seu coração. O apetite desordenado tudo leva após de si, até o mesmo modo com que ajuizamos.


8. Quando eu seguia os desvairos de uma louca sabedoria, dizia um belo Engelho do século de Augusto, eu desprezava em demasia o culto dos Deuses. Estou agora resolvido a mudar de vida, e a seguir de novo o caminho deixado. Tal é o quadro da maior parte dos Libertino, quando se acham adiantados em idade. Contra sua vontade buscam a Religião, que só parece ofiosa ao Incrédulo, quando o deleite o cativa (quamdiu blanditur iniquitas, et dulci est iniquitas, amare est veritas. S. August. Serm. 15 3 de verb. Ap. c. 8 n. 10). No tempo da mocidade um desinquieto apetite sufoca a voz da razão. Diz-se então em ar de Filósofo, que a Religião não é outra coisas mais que uma invenção da Política, para subjugar o povo crédulo aos seus deveres. Muitas vezes até se pronuncia, que não há Deus, e vive-se como se não houvesse. Mas quando a idade tem acalmado o tumulto das paixões, então insensivelmente a razão toma o ascendente. Semelhante àquele homem, que despertando de um profundo sono, abre os olhos, admirado reflete em tantas testemunhas da existência de Deus, quantos são os objectos, que se vêm: entra em si mesmo, e acha novas provas desta pasmosa verdade; reconhece-se o ser que tanto se tem blasfemado; e finalmente se confessa que Deus existe, que ele merece os nossos cultos, e se lhe consagram as fraquezas da velhice, depois de se ter dado à Irreligião, e à liberdade todo o fogo da mocidade; conversam na verdade equívoca; mas Deus é rico de misericórdia (Efésios c. 2, v. 1).

9. Quase todos aqueles, diz o famoso Bayle (ao artigo Bion, reflexão E), que vivem na Irreligião, sempre duvidam, e nunca chegam à certeza. Vendo-se no leito da enfermidade, onde a Irreligião de nada lhes serve, tomam o partido mais seguro, que é aquele que promete a felicidade eterna, caso que seja verdadeira, e que nada se arrisca sendo falsa. Ora bem: mas porque causa senão hão de adoptar na saúde os sentimentos, com os quais se quer morrer? Cada instante da nossa vida pode ser o último. Que perigo pode causar a Religião na saúde? Ela livra-nos de cairmos no crime, e de gostarmos dos prazeres criminosos: são estes pois os inconvenientes, que se devem evitar?

10. O homem piedoso, e o Ateu sempre falam da Religião: um fala pelo que ama, o outro pelo que teme. Este pensamento é de M. de Montesquieu. Poder-se-lhe-ia acrescentar que o fim de um é de inspirar amor; e o objecto do outro é de arruinar os homens no espírito.

(continuação, III parte)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES