30/10/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº4 (III)

(continuação da II parte)


RAZÃO – Segundo os Democráticos, a razão está vinculada a eles, e é o fundo principal de seu morgado. É deste modo, que podem fazer quanto lhes vier à cabeça (e nunca é cousa boa); e ainda que cometam as mais altas perfídias, os enganos mais vis, as mais horríveis traições, e mais tirânico despotismo, e ainda que matem,  roubem, blasfemem, a e façam quantas graças não faria o mesmo demónio, sempre tem razão. E dizem muito bem; porque como no idioma democrático razão e força são sinonimamos, já V.m. vê.... É verdade que algumas vezes tem errado a conta, e que, buscando a pedra, foram dar com o amolador, como lhes sucedeu em Alexandria: porém como há de ser? Não há costa acima, que não tenha sua costa abaixo. Mas, deixando isto de parte, (por não molestar os sensibilíssimos, e humaníssimos corações filosóficos) é por causa sentada, que razão em sentido antigo está capitalmente desterrada, não só do Vocabulário, mas até de toda a mente, vontade, e acção de um verdadeiro Democrático. 

(* O que o Autor diz a respeito de Alexandria, todos sabem que se refere à perda que experimentou Bonaparte no Egito: este facto contemplado em si mesmo nada tem de estranheza, atendendo à incerteza das Expedições, principalmente quando são marítimas; mas o motivo, pelo que se torna digno de reflexão este acontecimento, é pelo tom elevado, com que os liberais apregoam as suas victorias ainda antes de conseguidas: a razão do seu procedimento, a justiça da sua causa, e perícia de suas armas, o que tudo combinado deve produzir sempre um resultado victorioso para o seu partido. Mas coitados, muitas vezes lhes tem saído o gado mosqueiro. Ainda a empresa Egiptana se não tinha começado, nem o Corso audaz tinha alinhado os batalhões republicanos, já na mente, e até nos Periódicos dos Franceses se lhe representava o Cairo submisso às suas ordens, Memphis, e Tanais abrindo as suas cem portas, as altas e soberbas Pirâmides inclinando a elevada cerviz às Águias Francesas, os antigos canais, e lados de quarenta léguas desobstruídos, e navegáveis para o Comércio Francês: o Nilo prodigalizando suas enchentes a beneficio dos novos vencedores; a peste, e a febre amarela, em que tanto abundavam aqueles países, fugindo confundidas na presença da Civilização, e asseio, que um nova ordem de coisas ia estabelecer naquela, até ali infeliz região do mundo; e o que é mais que tudo: aberto o Isthmo de Suez, subjugado o Mogol, (e que pechinxa não eram os seus tesouros?!) e o Comércio do Oriente todo, tendo por empório a Republica Francesa!... Já se lhe representavam as Colónias, Estabelecimentos, e Feitorias Inglesas lançadas por terra, e começando a desmaiar o Colosso Marítimo, que privado de suas bases deveria de necessidade precipitar-se sobre a sua mesma ruína, etc. etc. Mas assim se cantam as glórias. Todas estas victórias, interesses, vantagens comerciais, e políticas, de que estavam cheias as cabeças, e papeis franceses, reduzirão-se a fugir Bonaparte em traje de marujo por entre a frota inimiga, e aparecer em França com uma mão atrás da outra!!... Ora um facto semelhante a este, não se circunstâncias, mas em relações liberais acaba de patentear-se, e um desar talvez pior do que aquele acaba de sofrer a política revolucionária. Pelas ordens, e pelo dinheiro do grande Oriente Parisiense [maçonaria] fez-se a revolução da Polónia, o que se comprova pelas figuras, que apareceram na Cena, pelas correspondências, que foram parar às mãos do Imperador Nicolau, e pelo dinheiro argelino, que nesses dias começou a girar em Varsóvia; (descansem que não perdem o juro nem o capital... a seu tempo se colhem as peras) apenas este facto manifestou, para logo serão os Politicões Peridioqueiros: temos um baluarte em nossa frente, que ninguém pode superar; a Polónia reunida, e combinada é capaz não só de resistir a toda a força da Rússia, mas até pela sua posição geográfica, pela valentia de seus soldados, pela arrogância de sua Cavalaria, e máxime pelos auxílios que lhe havermos ministrar é capaz de invadir qualquer dos três Reinos vizinhos, e tornar-se aquilo, que Napoleão quis que ela fosse. Em virtude destas ideias quixotescas todos os dias se assoalhava o valor dos Polacos, em todos os Cafés se defendiam Conclusões acerca dos limites, que havia que ter o novo Império, se havia que ser Monarquia, ou República: uns dias por outros apregoava-se uma batalha ganhada pelos Polacos, em que 60$ destes tinham derrotado 200$ Russos; e quando se era possível que isto acontecesse? respondia-se com um ar majestático: "Pois como não há de ser assim, se eles defendem uma Causa santa e justa, estão unidos, a guerra é nacional, e tem toda a razão  nas suas pretensões?"  Muitas vezes amotinava-se o Povo, gritando  "Vivam os Polacos, morram os Russos!"  e entre estes grupos se viu, e se ouviu muitas vezes o Ex-Imperador Brasiliense [D. Pedro I] com uma voz estrondosa aplaudindo estas orgias revolucionarias; e até o Ministro Perrier, e Companhia, subia muitas vezes à Tribuna para dar as noticias da Polónia: já passava por axioma a fraqueza dos Russos, a invencibilidade dos Polacos, e o próximo reconhecimento da sua independência, etc. Mas em último resultado mudam-se as cenas! e em troco de um Império, ou República triunfante, aparece um país desolado, ultrapassado o invadiavle Vistula, invadidos todo os baluartes, penetradas três grandes linhas de defesa, e tomadas à baioneta cento e vinte peças d’artilheria! Ó lá!... como é isto? Foi a má política, dizem, do Nosso Governo, que há muito devia ter destacado 200$ homens para coadjuvar os Polacos, e então outro galo nos cantára. Sim, isto é muito bom de dizer: quem dera tivesse acontecido; talvez a esta hora se tivesse levantado o véu à alta policia do Norte, e talvez tivesse caído a máscara a alguns Gabinetes Hipócritas, que ostentando que não intervêm em cousa alguma, em tudo se metem, auxiliando sempre os descontentes, ou revolucionários da Europa, etc.  Já se saberia a esta hora quais eram os inimigos, contra quem a Legitimidade Universal tem que levantar  as armas... Mas em fim não tarda quem vem: o Vencedor, e Príncipe de Varsóvia disse aos seus soldados: "Novos triunfos vos esperam."  Pois então esperemos pela Primavera, que é o tempo da flores; agora não se pode, nem deve intentar qualquer empresa Militar, a não ser de Ilhéus, e foragidos, comandados pelo Ex-Imperador, Ex-Rei, General em chefe, e bis-Rei dos degenerados Portugueses: essa sim; a toda a hora que vierem está tudo feito: até o tempo há de enfrentar as suas tempestades, o mar aplacar as suas ondas, e os inóspitos rochedos hão de quebrar por si, para darem franca passagem, e receberem em seus braços os nossos argonautas, que vem tirar as cadeias à sua Pátria. Assim o contemplam, e assim o afiançam. 
Na verdade, não há nada que exaspere mais, e faça ferver tanto o sangue, como é, a estupidíssima altivez, com que a este respeito se explicam os patifes de lá, e os toleirões de cá. Faz criar sangue de carrapato a qualquer homem, que ainda estudasse Lógica à velha, e ouvi-los falar de semelhantes forma. Venham cá, patifes, e desavergonhados, pois não vêm como vão saindo frustradas todas as profecias revolucionárias, como os Povos estão desenganados a este respeito? Pois não sabem que a Revolução de Julho está inteiramente desacreditada, e que por toda a parte é rebatida, e então só em Portugal é que há de achar apoio, só cá, é que hão de ser bem sucedidas as promessas; só cá é que não hão de fazer obstáculos?! Pois então na vossa política era invencível a Polónia, porque seguia uma (na vossa opinião) boa causa, e porque era guerra de Nação, e de Independência, e Portugal não há de poder defender-se, há de sucumbir para logo, e há de render-se à discrição?! Oh! Que estúpidas são as gentes, que assim pensam! Qual Causa será mais Santa, qual guerra será mais Nacional, a nossa, a da Polónia?! Eles eram revoltosos, pugnavam contra um Soberano Magnânimo, Legitimo, Poderoso, e que nada tinha alterado a tranquilidade do País, e que antes a tinha afiançado, mantendo os seus direitos, e imunidades, e advogavam uma liberdade quimérica; por isso não poderão vencer: e nós pelejamos contra uma horda de foragidos, condenados à morte pelas leis do Reino, contra um chefe ilegítimo, odiado pela Nação, nosso perseguidos, traidor à Pátria, fraco como uma abóbora, sem virtudes, nem Morais, nem políticas, nem Religiosas; mau pai, mau filho, mau marido, mau irmão, mau Rei, e péssimo... a lembrança de que é Irmão d’ElRei Nosso Senhor, é que nos suspende a pena; por isso de certo havemos de vencer. Como poderá ter força moral para sustentar um Reino de macacos?! Esta a única lembrança é bastante ridículo todas as suas empresas: e porque pugnamos?! Pugnamos pela Liberdade sólida, e Legal da Nossa Pátria; pugnamos por aquelas leis, que já contam quase sete Séculos; por aqueles usos, e costumes, que em Portugal produziram homens como foram os Gamas, os Alburquerques, os Pachecos, os Castros, os Cunhas, os Ataides, e tantos outros, que foram o assombro do Século de 500; pugnamos pela Causa, que pugnaram D. Nuno Alvares Pereira, e João das Regras, um com armas, outros com as letras; pugnamos pelo mesmo, que pugnaram os quarenta Aclamadores em 1640; pugnamos finalmente pela Causa de um Rei, que é o melhor dos Reis, a quem Deus protege, a Providência defende, e a Nação adora, cujo Trono são os corações de seus vassalos, o Muito Alto e Poderoso Rei Senhor D. MIGUEL I.: este Nome Angelical, Símbolo da Victoria, só por si levado ao meio das fileiras de 80$ homens que para a Sua, e nossa defensa se armam, será bastante para afugentar as invasões de Xerxes, e produzirá nos arraiais inimigos o que nos arraiais do Filisteus produzi a Arca Santa, quando foi conduzida aos ombros dos Levitas. Venit Deus in castra diziam aqueles incircuncisos, quando apoderados de um terror pânico abandonavam o Campo; e estes nossos rivais nem isso saberão dizer, porque são Ímpios, e Ateus.) D. Tr.

(continuação, IV parte)

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