06/10/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº3 (VII)

Cícero
(continuação da VI parte)
"O quinto género (continua o Orador, e nós a par dele) é de parricidas, brigões, e de todos os facinorosos, os quais eu não separo de Catilina, pois se não pode arrancar dele: morram embora na quadrilha, já que são tantos, que não cabem no Cárcere."
Vamos ao último paralelo, que é o mais galante, e engraçado de todos.
"O último género (ainda fala Cícero, e nós dizemos o mesmo) é não só do número, mas da mesma laia, e vida própria de Catilina, da sua escolha, e ainda da sua amizade, e afecto: estes são os que vedes de cabelo penteado, polidos, sem barba... vestidos de véus, e não de togas: cuja industriosa vida, e laborioso desvelo todo se manifesta nas ceias da madrugada. Nestes rebanhos andam todos os jogadores, todos os adúlteros, todos os impuros, e desonestos; estes meninos tão lepidos, e a cantar e dançar; mas também a esgrimir punhais, e ministrar venenos: se estes não saírem a terreiro, e perecerem, ainda que Catilina pereça, sabei que haverá na república este seminário de Catilinas. mas que pretendem estes infelizes? Porventura hão de levar consigo as suas mulherzinhas para os arraiais? Como puderam estar sem elas, principalmente nestas noites? (até no tempo está de acordo connosco) Como puderam aturar as serranias do Apenino, (em lugar deste monte devemos ler Cintra, ou Monte-junto, e outras semelhantes) e aquelas saraivas, e neves? Salvo se julgam sofreram mais facilmente o inverno, por terem aprendido a dançar nus nos banquetes. Que temerosa guerra! quando Catilina se achar com esta côrte Pretória de Lascivos!!"
Quando isto acabámos de ler, não pudemos deixar de exclamar: Oh! grande Orador! ainda que outra coisa não tivesse escrito mais do que este quadro, em que tanto ao vivo retratas os traidores, que pretendem aniquilar este Reino, isto só seria superabundamente para nele se te erigir um busto. Acabemos de ouvir este homem, que se não fosse pagão merecia o epíteto de divino, ouçâmo-lo, e aprendamos dele, que é verdadeiramente um Oráculo a este respeito.

"Aparelhai agora, diz ele aos Romanos, e nós aos Portugueses, aparelhai contra tão ilustres tropas de Catilina os vossos presídios, e os vossos exércitos; oponde primeiramente aquele estropiado, e consumido espadachim os vossos Cônsules, e Generais: e contra aquela esquerda de arrojados, e fracos naufragantes, levai a flor, e valentia de toda a Itália, (nós deveremos ler Lusitânia) e estas competirão com as rústicas aluviões de Catilina. Quanto às demais tropas, adornos, e presídios vossos, eu não me atrevo a compará-los com a penúria, e miséria daquele ladrão. Porém se deixadas todas estas coisas, de que abundamos, ele necessita de Senado, de Cavaleiros Romanos, de Cidade, de Erário, de Tribunos, e de todas as Províncias, e das Nações Estrangeiras: se deixadas, digo, estas coisas, quisermos que contendam entre si as mesmas coisas litigantes, daqui mesmo poderemos conhecer quão prostrados eles estejam. Desta parte peleja o rubor, daquela a dissolução: daqui a lealdade, dali a perfídia: daqui a piedade, dali a protervia: daqui a consciência, dali a insolência: daqui a honestidade, dali a torpeza: daqui a continência, dali a luxúria: daqui enfim a justiça, a temperança, a fortaleza, a prudência, e todas as virtudes pelejam com a iniquidade, com a lascívia, com a cobardia, com a temeridade, e com todos os vícios: e por último a abundância com a pobreza, a recta razão com a sem razão, o bom juízo com a demência, e, boa esperança com a desesperação de todas as coisas. Em semelhante contenda, e batalha, ainda que faltem as diligências dos homens, porventura os nossos Deuses imortais (e nós dizemos os Anjos Custódios do Reino) não darão favor para que estas preclaríssimas virtudes vençam a tantos e tão enormes vícios?!
Se assim é, Romanos, defendei a Pátria, etc."

Até aqui o Príncipe dos Oradores! e não sei que ninguém possa falar com mais veemência, e com mais propriedade para o nosso caso, e com tanta miudeza de circunstâncias como este homem! por isso nem mais uma palavra devemos acrescentar sobre este sujeito; quem sabe a história de Catilina, facilmente fará a aplicação, lembrar-se-ão facilmente que muitos dos partidários estavam na Cidade, e alguns até ouvindo Cícero, creio que outro tanto nos acontece a nós... mas se aquela valente Oração de Cícero fez que muito menos reflexivos deixassem o caminho do erro, e seguissem a verdade; queira a Providência que esta aplicação tenha o mesmo efeito: e se por acaso acontecer, o que é difícil, que este papel chegue às mãos de alguns desses iludidos, que pertencem à 1ª, à 2ª, e ainda à 3ª classe, que descreve Cícero, nós lhe pedimos que leiam aquela Catilinária 2º, e senão entenderem o latim, também se acha em português na tradução do Padre António Joaquim da Congregação do Oratório; e se tiverem ainda alguns restos de consciência, ao ouvirem falar um homem que nem era Apostólico, nem esta fanático, nem era Realista, mas sem Pagão, Idólatra, e Republicano legítimo; e ao escutarem as poderosas razões, com que ele mostra os males de uma Revolução, e a preponderância, que tem a seu favor um Governo legítimo que está bem montado; talvez se reflectirem bem sobre a questão, e lhe derem o prazo que ela merece, conheçam o seu erro, e digam "ergo erravimus a via veritatis" agora vemos que há muito andamos errados do caminho da verdade. Aos bons Portugueses não é necessário recomendar nada, porque eles estão decididos a morrer antes, do que a sobreviverem aos males da sua Pátria, do seu Rei, e dos seus Santos, e estamos convencidos que nos corações de todos estão escritas estas palavras, que o valente Judas macabeu dizia aos seus companheiros de armas. Melius este nos mori in bello quam videre mala gentis nostrae, et sanctorum.) N.Tr.

N.B. Como esta Nota cresceu mais que nós esperávamos, ficará para o Nº seguinte a explicação do Vocábulo "Natureza" que é a Divindade dos Filósofos, e que tem imediata conexão com o artigo "Tolerância" que deixamos transcrito, e bem ampliado.) 

LISBOA
Na Impressão Régia. Ano 1831
Com Licença

(Fim do Nº3)
(o nº4, aqui

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