05/10/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº3 (VI)

(continuação da V parte)

Quem é que se diz hoje "o nosso maior Protector"?! Ah! sim, bem sabemos, é aquele degenerado Filho, que no Rio de Janeiro, colocado à frente de revolucionada tropa, mandou assestar os mortíferos canhões contra o Real palácio, onde residia seu Pai, e que o obrigou a jurar a Constituição do Porto, e a sair apressadamente do Brasil para se realizar a projectada Independência: ah! sim: estamos muito certos: é aquele, que se levantou com as Colónias, e que roubou a Portugal as suas maiores e mais ricas Possessões, que tantos suores e trabalhos custaram aos nossos Maiores: ah! e não é este o mesmo,que declarou guerra a Portugal, que mandou varar os Soldados Portugueses até lhes cair a carne a pedaços, e isto por negras mãos, para quem, parece, só deveriam ser feitos os flagelos?! E não é ele o mesmo, que destruiu o nosso Comércio Colonial, e que nos ratou como a gente mais vil do Mundo?! Ah! sim, não duvidemos: aí estão os Periódicos Liberais, e as falas dos Deputados de 1822, que muitas vezes nos deram a ler aquelas célebres Cartas, em que dizia a su Pai "Nós somos dois Monarcas, que estamos em guerra" também nos mostraram outras, em que dizia "Eu de Portugal nada quero, nada, nada", "eu vou dar o último golpe ao Comércio Português" e os mesmos canais nos asseguraram então, que a sua viagem à Bahia não tivera outro fim senão agradecer àquelas Caboucas ou Tapuias gentes o desvelo, e coragem, com que se portaram na expulsão dos "vândalos" Portugueses. Ora valha-nos Deus, e dizem que não há prodígios, e que já não há conversões?! A de Saulo, perseguidor dos Cristãos, em Apóstolo das gentes, não é tão admirável! porque naquele foi a mão de Deus, que a obrou; mas neste perseguidor não temos notícia de tal prodígio; antes se nos apresenta como um acto espontâneo de seu compassivo, e tolerante coração: mas enfim a mão de Deus não é abreviada; poderá ter produzido este prodígio, porque dos maiores pecadores se tem feito os maiores Santos; porém enquanto nos não constar da autenticidade de um tal sucesso, iremos com a linguagem do Evangelho, que não mente, julgando do seu caracter; e como ela nos diga, que pelos frutos é que devemos conhecer a árvore "ex fructibus eorum cognoscetis eos" pelo que fez, pelo que faz, pelo que medita e prepara fazer a Portugal, é que devemos conhecer qual é a sua tolerância, e quais as suas promessas. Sim, já estamos muito convencidos e desenganados: a sua protecção é à francesa, e vêm-nos proteger tanto, como defendeu perpetuamente o Brasil: a sua tolerância é a mesma, e a mesmíssima dos Liberais, de quem se faz Chefe, que nas Ilhas onde dominam tem roubado, e metido tudo a saco, e só para provar os fios das espadas fizeram perecer centenares de pessoas: (que horrores aí se não praticam?!) as suas promessas de paz e felicidade são as mesmas, que todos os Revolucionários do Mundo fazem aos Povos para caírem no langará, os quais só chegarão a ser felizes quando ficam sem camisa. Veja-se o que já dissemos no Artigo "Felicidade" é justamente o que nos promete o Sr. Ex-Imperador.

D. Pedro I do Brasil
Diz que nos deu a Divinal, e que nos colocara na linha das Nações civilizadas; pois onde estamos nós? Estamos porventura em alguma floresta vivendo como as feras? ou éramos alguma horda de Beduínos selvagens, que vivêssemos nos troncos das árvores, ou nas covas de animais ferozes, com quem ficássemos parceirada?! E quem é que lhe pediu a tal Carta?... Quem lhe encomendou o sermão, que lho pague. Se alguém em nosso nome, e sem nós os sabermos lha pediu, e o enganou; nós nunca o quisemos, assim como ele nos não quis; avenha-se lá como quiser com as tais Procuradores, e Requerentes; porque nós sempre quisemos o Muito Alto e Poderoso Senhor D. MIGUEL I, nosso Único, e Legítimo Rei, e nunca o Imperador do Brasil, que era estrangeiro para Portugal; e a todas as pertenções, que o tal Protector empreender sobre Portugal, temos sempre duas palavras para contrastar com outras coisas, que ele com ênfase dizia a nossa respeito: de lá "nada, anda" e nós dizemos agora: Em Portugal tal Protector? "nunca, nunca" E que venha: saberá o mal, de que morreram os que vieram ao porto: cá achará muitos daqueles fiéis e honrados Portugueses, que antes quiseram emigrar para uma Nação estranha, do que obedecer a um Rei estrangeiro; e não são tão poucos como isso; são mais que os Rebeldes Insulares, e tão fracos ou tão valentes, que foi necessário uma Expedição Inglesa, onde vieram nada menos que nove Naus de linha, afóra mais de vinte transportes, que conduziam simplesmente 6$ homens, para obstar ao seu progresso, e à sua victoriosa marcha: cá achará aqueles três oitos, isto é, 8 de Caçadores, e hoje mais crescido que então era, 8 de Infantaria, que então até não quis receber Soldo, e 8 de Cavalaria, que mais de uma vez tingiu as espadas em sangue rebelde, e além destes com igual espírito e denodo encontrará toda a 1ª, 2ª, e 3ª Linha, isto é, a Nação em massa, que talvez estime esta ocasião para tomar vingança dos males, que lhe fez sofrer: entre os que empunham as armas encontrará muitos, a quem fez perder os lugares, os empregos, e a fortuna pela separação, que ele preparou, e concluo; muitos, a quem fez cair em miséria e desgraça pelo último golpe, que deu no Comércio Português: muitos, cujos filhos fez morrer nas guerras do Sul: muitos, cujos parentes, amigos, conhecidos, e correspondentes pereceram, e vão perecendo nas Revoluções do Rio, Bahia, e Pernambuco, de que ele é autor, e primeiro culpado: muitos, que ainda têm os ouvidos escandalizados dos impropérios e blasfémias, que no Brasil é escutaram;muitos finalmente, cujas carnes caíram a pedaços, e cujo sangue rebentava das veias à força de varadas, que a negra gente lhes descarregava, sendo ele que as mandava, e até muitas vezes quem fazia o compasso!! Ah! e com quanta prontidão e firmeza se não apontaram estas armas para um alvo, que é o motor de tantas desgraças?! Sem dúvida, que folgaram todos estes por ver chegar o dia, em que possam recompensar ao seu Protector os grandes benefícios, de que lhe são devedores. Ainda falta mexer numa tecla, que sem dúvida há de dar muito bom som.

E que nos dizem os nossos leitores daqueles valentes e guerreiros campeões, em cuja frente diz que marcha a subjugar Portugal?! Que gente! todos são Hércules na valentia! ou pelo menos Alexandres e Césares na fortuna!! Ao apresentar-se essa falange tudo estremece, tudo cede, tudo cai, etc...... Ora, ninguém sem dúvida nos estranhará, se nós fizermos aqui um paralelo entre esta gente, e seu Chefe, com os partidários de Catilina, e seu Capatás, e se aplicarmos a eles, o que Cícero diz daqueles traidores comandados por Catilina: parece que o Orador Romano profetisou este caso: mas isso não admira, porque o carácter dos revolucionários de então, é o mesmo dos de hoje, e há de ser o de todos, que aparecerem no Mundo, porque todos são malvados. Vamos ao caso: Cícero divide todos os sectários de Catilina em seus classes, e nós com ele igualmente dividimos os grandes Campeões Insulares nas mesmas seis classes:
"Os primeiros, são aqueles, que tendo grandes dívidas, têm ainda maiores cabedais, de cujo amor prendidos, se não querem soltar. A classe destes homens afecta de honrada, pois são ricos; mas a sua vontade, e causa, que seguem, muito desaforada."
Ah! e quantos destes, que em bom Português chamamos caloteiros, estão por lá, ou por cá, e tanto de lá, como de cá, advogam a Causa da Rebelião, para à sombra dela se livrarem das dívidas, que perfidamente contraído, ou para melhorarem de fortuna?! Como se enganam!! A estes dizemos o mesmo, que dizia Cícero:
"Tu com campos, tu com propriedades de casas, tu com dinheiro, tu com família, tu adornado, e abundante de tudo; e dúvidas cortar pelas tuas posses, para ajudar o Estado, e recobrar o crédito? Que é o que esperas? A guerra? E para que? Julgas que na assolação geral de tudo hão de ser privilegiados os teus bens? Pois quê? Atens-te a novas leis? Enganam-se os que as esperam de Catilina."
Estas são as formais palavras de Cícero na sua 2ª Catilinária. E quem diria que um Republicano como este havia fazer um elogio tão fúnebre daqueles, que se chamam seus discípulos?! Se mudarmos unicamente a palavra Catilina em outra, que todos sabemos; que bela pintura?! Esta classe de gente é tão desgraçada, que até os seus mesmos heróis os condenam. Mas voltemos ao nosso Cícero, que nos vai descrevendo o carácter dos nossos Revolucionários.
"Outro género, diz ele, e dizemos nós, é o daqueles, que, carregados de dívidas, esperam com tudo, e querem mandar, e governar: crendo que, perturbada a República, conseguiram as honras, que não podem com ela sossegada."
Agora deixamos o Orador, porque ele diz, que a estes é bastante que se intime isto unicamente, a saber, que ele é o Cônsul: e em lugar disto dizemos nós, a estes apaniguados do Ex-Imperador, basta que se lhe intime "DOM MIGUEL É REI DOS PORTUGUESES" e vê-la mais do que Cícero. Agora continuamos com o Orador.
"Além disto, que há ânimos grandes em pessoas de probidade, grande concórdia, grande multidão, grandes tropas de soldadesca: enfim, que os Deuses imortais presentes (em lugar desta frase gentílica, devemos ler a Providência do Omnipotente, e a Proteção de Maria, que sempre nos tem sido presente) hão de dar auxílio a este invicto Povo, nobilíssimo Império, e formosíssima Cidade contra tão enorme maldade. E no caso que cheguem a conseguir, o que desejam com a maior insolência, porventura esperam nas cinzas da Cidade, e sangue dos Cidadãos ser Cônsules, Ditadores, ou ainda Reis, conforme o deseja seu ânimo perverso, e malvado? Não vêm que, se conseguirem o que desejam, forçosamente o hão de conceder a algum foragido, e brigão?!"
Que tal vai a pintura feita há quase dois mil anos?! (Isto aconteceu em janeiro do ano 62 antes de Cristo, por consequência há 1890 anos)
"O terceiro género, diz o Orador, e nós com ele, é de idade já avançada: são homens nascidos alguns em colónias,... mas estes são plebeus, que com dinheiros inesperados, e repentinos se ostentaram com grande pompa,.... os quais foram também a causa de que alguns rústicos pobres, e necessitados se metessem em esperanças daquelas antigas rapinas. A uns, e a outros ponho no mesmo género de ladrões, e roubadores."
Que tal está o elogio?! Mas não se devem escandalizar, porque é do maior, e mais sincero republicano, que houve no mundo. Vamos com ele, que é um mestre em conhecer esta canalha.
"O quarto género (diz Cícero, e nós igualmente) é na verdade vário, mesclado, (até este homem já lhe chama malhados, porque a palavra latina "mixtum" também sofre este sentido) e turbulento: estes há muito se vêm oprimidos de modo, que nunca levantam cabeça: dos quais uns por inércia, outros por má administração de bens, e outros também  por gastos, perigam por dívidas antigas: e cansados de citações, e penhoras, se diz passaram muitos da Cidade, e dos Campos para aqueles arraiais. A estes não tenho eu por soldados valorosos, como negadores brandos. Se este homens não podem subsistir, caiam, mas de sorte, que não arrastem a cidade, e próximos: não entendo porque causa não podendo viver com decoro, querem morrer com infâmia! ou porque razão se capacitam será menor a sua dor, morrendo acompanhados, do que sós."
Que bela imagem! cada vez se assemelha mais ao original, que temos diante dos olhos. Fale só o grande Cícero; porque nem é necessário mudar uma só letra.

(continuação, VII parte)

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