30/09/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº3 (IV)

(continuação da III parte)

SUPERSTIÇÃO - Claramente significa em linguagem republicana todo o Culto Religioso, e por antonomásia a Religião Católica, Apostólica Romana. Segundo este significado, o vício, que mais deleita um republicano verdadeiro, é a Superstição: e não há homem mais religioso que um patriota democrático.

JURAMENTO - Em língua antiga significava: chamar a Deus por testemunha de uma coisa verdadeira, justa, e em caso de necessidade. Republicanamente tem diversos significado, e usos. O mais comum é o de espia para descobrir os homens de bem e persegui-los. Não faltam republicanos, que por juramento entendem condimento; e por isso o açúcar e o café tiveram a seu paladar um sabor muito mais agradável, depois de terem jurado não só tomarem toda a sua vida. É o mesmo que dizer: as bebidas de Constituição são algum tanto amargas; mas temperadas com o açúcar de juramento mais facilmente se poderão levar.

TOLERÂNCIA - Grandes trabalhos, e fadigas há custado aos Republicanos a introdução deste Vocábulo. A intolerância Religiosa foi acusada em milhares de escritos e livros, como um monstro, que pusera em combustão a terra, causando infinita efusão de sangue, e perturbando a quietação dos Povos. A tolerância filosófica devia pacificar todo o mundo, e remediar os danos, que aquela havia causado. Sancionou-se pois como lei Sacrossanta, e inviolável. E quem o duvida? Para logo pacificou ela o primeiro estado tolerante com as horrorosas matanças dos Carmelitas e da Abadia, com o desterro e a morte dos Bispos e Sacerdotes Católicos, e com a efusão de sangue de milhares de paisanos, todos vítimas da Consciência, e da Religião. Onde quer que chegou a pôr o pé a pacificante tolerância, houve desterros por dá cá aquela palha, matanças e roubos sem número. E não só não tolerou os Bispos, os Frades, Freiras, ou Sacerdotes, mas nem os Templos, Altares, Culto, e Religião. A tolerância foi de tal qualidade, que chegou a não tolerar nem ainda o mesmo Deus. Os que mais se distinguiram nesta tolerância foram os Clubs Constitucionais, compostos dos mais zelosos, e sobressalientes patriotas, inimigos jurados da crueldade intolerante. Não sabemos como explicar na língua antiga uma tolerância, que não tolera a Deus, que mata os Sacerdotes, que desterra os Bispos, e que rouba, e mete a saco todos os os bens da Igreja. Não sabemos como compor uma tolerância, que persiga de morte quantos professam a Religião, que violente as consciências a jurar contra o justo, e que nada perdoe para riscar dentre os homens quantas ideias podem recordar-nos os deveres para com Deus. Srs. Ateus! Srs. Ímpios! Srs. Tolerantes! Como estamos de Inquisição? A desumana intolerância antiga, por mais intolerante, que Vossas Senhorias a pintassem, jamais atacou senão a sedução e a apostasia; e devem-nos conceder ao menos, que o Católico tolerava o Católico, e o Turco o Muçulmano. Porém, que me quererão VV. SS. dizer de sua humaníssima Tolerância? Fogo com ela. Tolerância, que não tolera senão enquanto clandestina e atraiçoadamente pode arruinar o Trono, e o Altar! que leve milhões de diabos!...

Porém, apesar de tudo, ninguém poderá duvidar que o método filosófico de pôr em paz todas as Religiões e Cultos é excelente, e mui digno do agudo engenho dos Filósofos: em destruindo todos, acabada está a questão. Porque como há-de haver contendas nem litígios sobre Cultos, quando não há ficado um para remédio? Por este modo o específico é admirável. O que tem, é que para aplicá-lo em toda a extensão, é necessário a todo o custo não tolerar nem homens, nem razão, nem consciência; e cuidar em que não fique no mundo nem vestígios se quer de nenhuma daquelas obras Divinas, estupendas, e admiráveis, que obrigam o homem a reconhecer a existência de um Deus, adorá-lo, e respeitá-lo. Porém há coisa tão difícil para um Filósofo, como destruir o mundo inteiro, pôr de pernas para o ar os Céus, e a terra, e reduzir a nada a natureza, e a razão? Oh! Oh! Que esta empresa acobardaria, e desalentaria a um ignorante servil. Porém a um Filósofo inchado, como uma rã, de orgulho e de soberba, e cuja fibra tomou o gás conveniente nas lojas!! Ah! Ah! que para estes é a coisa tão fácil como beber-se uma botelha... Mas atendam: que inépcia?! Entre a gente rústica é um problema; de que é mais digno um Filósofo tão louco como ímpio, que vive persuadido que basta só um Vocábulo nada significante, para destruir e transtornar tudo, aniquilando a Deus, e as suas obras!! Uns dizem que é digno de rizo; ouros, de desprezo; outros, de compaixão; e alguns filosoficamente tolerantes asseveram que só é digno de um pau, (cacete é mais proveitoso) que manejado por mão hábil, lhe faça em estilhas a filosofante cabeça. O Vocábulo de que se fala é "Natura" (que logo se explicará).

(* O que aqui diz o Autor de um Estado o mais tolerante, é a respeito da França, onde amanheceu esta aurora da tolerância política e Religiosa, que os Regeneradores do mundo anunciavam como o presságio de um ameno, e claro dia, mas que em breve se converteu numa borrasca espantosa, que chegou a confundir os mesmos ateus; de tal guiza que o próprio Mirabeau, que por um Decreto mandou que não houvesse Deus no Universo; (que blasfémia ! e ao mesmo tempo que loucura!!) por outro ordenou que tornasse a havê-lo!! ... Para que mais se convençam os Povos sobre a tolerância proclamada pelos Filósofos, escutem o que diz o Abade Barruel na sua História da perseguição do Clero Francês, que em resumo é o seguinte:
"Cento e trinta e oiro Bispos, e Arcebispos, sessenta e quatro mil Curas foram condenados a evacuarem as suas Sedes: todos os Eclesiásticos, todos os Religiosos de um e outro sexo foram privados do património da Igreja, e expulsos de seus asilos: os Templos do Deus Vivo convertidos em vastas prisões de seus próprios Ministros: trezentos Sacerdotes ou decapitados nas guilhotinas, ou varados das baionetas, ou atravessados de punhais, ou consumidos dos opróbrios, e da inédia, e isto num só dia, e nenhuma só Cidade! Todos os Pastores fiéis ao seu Deus sacrificados pelo furor dos Jacobinos, ou banidos da sua Pátria, buscando através de mim perigos algum refúgio nas Nações estrangeiras, obrigados a mendigar o pão aquele, que dantes alimentavam milhares de pobres!... O próprio Rei, o infeliz Luís XVI, sentenciado pela voz da Nação soberana, arrancado do centro de seu Palácio, e do seio de sua família, arrastado a um cadafalso, e decapitado numa guilhotina!... A virtuosa Rainha condenada igualmente à morte, sua cabeça espetada num pau, e conduzida em triunfo pelas ruas de Paris!... A ideia do verdadeiro Deus derriscada da mente dos Franceses até por um Decreto da Nação Soberana; arrancada, e expulsa de seus anais a Era de Cristo, e substituída a Época fatal de sua rebelião!!!"
A pena recua, e o coração estremece quando quer progredir na descrição dos assassinatos, das matanças, e das proscrições, que se nos oferecem no sangrento quadro da França tolerante!... Atendei, Povos, a este quadro ainda mais recente para se entregar ao esquecimento: eis aqui a tolerância, que vos prepararam! sangue, morte, crueldade, sem respeito nem a Deus, nem aos homens, nem à razão, nem à natureza é a sua tolerância!! Nunca de suas proguentas bocas saiu palavra mais ímpia, mais blasfema, ardilosa, e traidora como esta!... Querem a tolerância, mas é enquanto estão debaixo: isto é: atendei; querem que os Povos, e os Governos os tolerem para que possam arranjar os seus planos; e, logo que se acham montados, começam a perseguição: eis aqui qual é a sua tolerância.

Julguemos digna de se acrescentar a este respeito mais uma reflexão bem atendível, para que os Povos se conversam de que estes flagelos, e esta cegueira são permitidos por Deus para castigar os maus Cristãos, os quais previamente tem sido anunciados por um espírito profético, a qual também serve para advertir os verdadeiros Crentes, a fim de que não chamem terroristas e fanáticos a alguns Pregadores verdadeiramente Religiosos, quando lhes ouvem ameaças, e castigos do Céu sobre os Povos corrompidos, que não escutam a voz de Deus, e que, aborrecem os Filósofos, não aborrecem os seus crimes: quem sabe se Deus quererá muitas vezes servir-se de um Ministro indigno para anunciar os males de um Povo, como outrora fez pela boca de Beauregard em França?! É atendível este sucesso, e nunca o folheamos, que se nos não sobressalte o espírito.

(continuação, V parte)

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