03/09/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº3 (III)

(continuação da II parte)

Porém, valha-nos Deus; para que fim tanto empenho em inventar disparates? Tanto deleite se acha no delírio, que cheguemos a enojar-nos com a verdade, e com a razão?! Quando a um sabiosito da moda se lhe enchem de repente os cascos de ideias romanescas, e extravagantes, e se lhe vai de todo o juízo, é tido logo por um louco perfeito. E então só a Filosofia há de delirar à sua vontade, não só sem quebra, mas com honra e aplauso?! Com que só ela há de fazer alarde de toleima e loucura; e a verdade, a razão, e a justiça hão de estar como escravas atadas ao carro de seu triunfo?! Apostemos nós que há aqui oculto algum fito, ou alvo, muito mais agradável, que o deleite de agradar?!

Muitos, sim, muitos disparatam de boa fé, por orgulho, por presunção, por ligeireza de miolos, e porque são loucos e estonteados à nativitate. Porém entre os principais, e pela maior parte, o seu delírio é filho de um refinada malícia, e de um plano infernal de corromper à força de disparates o entendimento do homem, e dispô-lo desta quiza, a que arroje de si a Moral e a Religião. Estes pérfidos sonhadores, são os que descaradamente se chamam:

FILÓSOFOS, LIBERAIS-MAÇÕES, ESPÍRITOS-FORTES, DESPREOCUPADOS, ILUSTRADOS, etc. – Todos são sinónimos. Fingiam os antigos Poetas, que houveram uns gigantes, que declararam guerra a Júpiter com intenções de o precipitarem do Trono. Filhos da terra e de Titã, tanto confiaram em suas próprias forças, que não temeram declarar-se contra o Supreno Numen; e pondo montes sobre montes pensaram escalar o Céu, donde, feitos os Soberanos, governassem o Mundo a seu capricho. O raio de Júpiter desconsertou seus planos, e limpou a terra de semelhantes monstros. Não parece que esta fábula se fez de propósito para pintar ao vivo os Filósofos, gigantes verdadeiros de nosso dias? Filhos da vaidade, e do orgulho não só intentarão destruir todos os Tronos dos Príncipes da terra, mas até tem tido a descarada ousadia de declarar a guerra ao mesmo Omnipotente; e amontoando uns sobre outros falsos, e absurdos raciocínios, mais grosseiros ainda que as montanhas do gigantes, formam deles a escada para assaltar o Céu, e proclamarem-se deuses, e dar a lei ao Mundo. É já hoje bem conhecido qual seja o plano diabólico destes malignos e abomináveis monstros. Erigir o Ateísmo sobre a consoladora crença de um Deus; abater na terra a Autoridade Divina, exterminar a Religião, riscar de entre os homens os conselhos e preceitos da Moral Cristã, obscurecer até as mesmas inspirações da Natureza, tirar de todo a subordinação, a ordem, a obediência, alvorotar e pôr em combustão todas as Sociedades, erigir uma cadeira pestilente, em que se ensine a infame Moral Filosofia, fazer da ruína e perdição dos outros sua felicidade própria, e fazerem-se os Senhores absolutos do Mundo para o manejarem a seu modo: eis-aqui o delicioso objecto de todos os seus suores, e fadigas. Segundo eles, uma razão escravizada de antemão pelas paixões mais vergonhosas, obcecada pelo orgulho, e cheia de presunção, e ignorância, é a que deve governas a terra com muito mais acerto que ambas as Autoridades, Divina, e humana. Para humilhar sua presunçosa soberba, permitiu a Eterna Sabedoria, que suas infernais máximas triunfassem em alguns países; porém seu triunfo foi sua maior humilhação. Podia mui bem o Omnipotente disparar um raio exterminador contra estes hediondos, e abomináveis monstros, e precipita-los em os abismos; porém deste modo seria fastigada sua presunção e temeridade, mas não confundida sua soberba. Que fez pois? Vibrou o Eterno um raio, que a um mesmo tempo fez dos Filósofos os escárnio e o ludibrio do Mundo, e abriu aos homens os olhos, para que vissem a falsidade, e abominação de suas sedutoras doutrinas. Apenas se puseram em prática as máximas, que segundo os Filósofos deviam preferir-se à Religião, e que muito melhor que esta haviam de fazer feliz a linhagem humana, imediatamente de todos os Estados, que as praticavam, desapareceram os costumes, a segurança, a liberdade, o amor, a boa fé, a probidade, a justiça, e a compaixão. Desde logo se convertam os homens em verdadeiras feras, e apareceram triunfantes e reinantes os blasfemos, os ladrões, os traidores, os embusteiros, e quanta vil canalha, que se abrigava em a Sociedade. Os vícios mais detestáveis foram qualificados de virtudes, e as mais acrisoladas virtudes passaram a ser vícios. Desde aquele fatal instante nenhum homem de bem teve segurança, nem em sua vida, nem em sua honra, nem em seus bens. A prometida  liberdade converteu-se em escravidão; a igualdade tão decantada deixou cair o véu, que lhe cobria o rosto, e apareceu o orgulho mais insultante: a humanidade ou filantropia filosófica causou horror e espanto, ainda aos mesmos tigres; e a irmandade e fraternidade universal se converteu, e declarou em a universal guerra, em roubar descaradamente todos os bens Eclesiásticos, e profanos, e em não respeitar lei alguma, nenhum Direito, nem Divino, nem humano. Desta maneira se hão coberto os Filósofos, na presença de todo o mundo, da ultima confusão, e à vista igualmente da Lei Divina, e da Moral Cristã. Se eles ainda tem prosélitos, é porque nunca faltaram no mundo homens diabólicos, e obstinadamente ímpios, que fazem suas delicias em tiranizar e roubar, e a quem as iniquidades e vícios sempre são amáveis. A Filosofia moderna é uma ciência destes tunantes, e ninguém lhe disputará a honra de formar tais discípulos, apaniguados, e defensores. O raio desenganador não se há feito para estes energúmenos; porém os ameaça e espera o exterminador, que nunca falta, quando se há enchido a medida.

OPINIÃO - No idioma antigo tinha este Vocábulo uma significação geral; porém na linguagem republicana tem sido reduzido a um sentido bem estreito. Por exemplo: liberdade de opinar, que na língua antiga significava poder pensar cada um como lhe agradasse, significa agora em língua republicana, que só, e unicamente se deve pensar por ateísmo, incredulidade, e libertinagem. Opinar doutro modo, não o permitem os Republicanos senão àqueles, a quem não alcançam com o punhal, e a quem despojaram, assassináram, ou mandaram pelos desterros.

RELIGIÃO - Em língua democrática denota expressamente o Ateísmo. Em tantos e tão infinitos proclamas, edictos, e decretos, como os Republicanos têm feito circular nas Cidades, e Províncias, e em que sem cessar se repete, que a Religião será protegida, conservada, e respeitada, se por Religião se entende ateísmo, não há que pedir; a promessa tem-se cumprido à risca. Porém se se entende outra coisa, tem sido um soleníssimo embuste, e escandalosa impostura. Segundo este procedimento, que é palpável, ninguém hoje duvida que proteger a Religião, e destruir a superstição não quer dizer outra coisa em língua democrática, senão proteger o ateísmo, e destruir a Religião.

(* Nós, os Portugueses, que o digamos: não havia papel de Governo do Porto, nem Proclamação, nem Juramento, em que os Revolucionários não enchessem a boca de "Viva a Religião" misturando-os com os de "Viva o Rei" e como estes Vivas ao Rei eram só até que ele pudesse ser morto; assim os Vivas à Religião, eram até que o Povo estivesse ilustrado, para então se abolir: e a sentença fatal, e tantas vezes repetida pela blasfema boca de um Pai da pátria, que em nome era Carneiro, e nas obras tigre, de "desfaçamos-nos deles!" não tardaria em seu converter em "desfaçamo-nos dela" isto é, da Religião! Algumas vezes lhes escapava da boca "Viva a Nossa Religião!" e sendo eles ímpios, ateus, blasfemos; que queria isto dizer, senão "Viva a impiedade, o ateísmo, e a libertinagem, porque esta é a nossa religião"!? Na célebre archotada, encontrando-se um daqueles bandos assalariados com uma Comunidade Religiosa que voltava de um enterro, soaram muitas vozes de blasfémia, mas entre elas se distinguiu muito uma, que dizia "Viva a Religião, morram os Clérigos, e dos Frades!". Claro está que a Religião que devia viver não era aquela, de quem eram Ministros os Clérigos, e os Frades, isto é, a de Jesus Cristo, porque esta não pode existir sem Culto, e não pode haver Culto sem Ministros; era portanto a Religião deles, que devia viver sobre as ruínas do Catolicismo: isto é, o Ateísmo, e Materialismo enfeitado com as ridículas cerimónias das lojas maçónicas, é que devia viver; cujos mistérios deviam ser os de Adonirão; Ministros os Grão-Mestres, e Rosa-cruzes; hierarquia os graus de Cavaleiro Tudesco; acólitos os serventes e adeptos; emblemas as caveiras, túmulos, e luzes sepulcrais; vestes os aventais, e as mitras bicórneas; enfeites significativos, a trolha, o martelinho, a esquadria, o compasso, o triângulo, etc. cuja empresa é a mudança total do mundo moral, refundindo os homens para aparecerem outros tantos Vaninis, e cujo timbre é o não desistir para se chegar a levantar o Templo de Jerusalém; isto é, o Ateísmo e a libertinagem sem freio, nem respeito algum divino, ou humano. Eis aqui a Religião, que eles apregoavam, e por isso lhe chamavam "a nossa Religião". É necessário portanto que os Povos se não iludam quando os ouvem falar em Religião; e quando em suas papeletras (que ainda hoje com tanto escândalo se espalham entre nós) lerem, ou ouvirem ler essa perlenga de Religião, etc. entendam sempre o contrário "Religião na boca deles é Ateísmo", proteger dito por eles é "destruir": viva a nossa Religião, quer dizer viva a Maçonaria com todos os seus apêndices. Mais adiante aparecerá uma tradução exacta das Proclamações Democráticas, e anti-religiosas.) D. Tr.

(continuação, IV parte)

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