(continuação da VI parte)
Dizei-me por último, e não vos importuno mais: um armistício entre duas potências beligerantes deixou jamais de ter o fim de se armarem com mais força, e deixou jamais de terminar por uma guerra encarniçada, em que uma delas fica superior, e outra arruinada??.. Pois eis aqui o fiel retrato das vossas Cartas Divinais: é um perfeito armistício entre o Soberano Legítimo, e o Povo Soberano: neste tempo só se trata de dar armas ao Povo Soberano, e para isso é que servem as Lojas Maçónicas; e quando este segundo Soberano estiver com forças para começara a lutar, tira-se-lhe o obstáculo intermédio, que é a Câmara dos Pares, e começa a guerra contra o Legítimo Soberano, o qual atraiçoado, ou iludido terá que ceder indispensalmente ao seu rival, o Soberano Povo, que lhe dará a corte, que deu a Luís XVI!!
Talvez aos nossos leitores pareçam exageradas estas consequências; mas para se desenganarem lancem uma vista de olhos pela Europa no momento actual, e vejam onde tem rebentado a Revolução!! Não tinha a França uma Representação Nacional, uma Carta, e duas Câmaras?! Mas foi bastante que o Rei quisesse conter a desenfreada liberdade da imprensa para se fazer uma Revolução! e uma Revolução, que depois de ter devorado milhares de vítimas, ameaça envolver no seu vórtice a Europa inteira!! Então onde está esse preservativo das Revoluções democráticas?! Então porque não susteve a Câmara Alta as erupções populares, para que não chegassem ao Trono?! Não é ela o antemural da Realeza?! Tudo isto assim se diz; mas na prática o que se vê é, que onde há Cartas Constitucionais, há mais facilidade, e mais destreza em se fazer a Revolução: os actores desta comédia estão a postos, corre-se o pano, aparece a cena: em duas palhetadas tiram-se Rels, põe-se Cidadãos Reis, proscreve-se uma Religião, que data com a Monarquia, desriscam-se os nomes de Pares, nomeiam-se outros, que são partidários, destrói-se a Dignidade Hereditária de Par, e em poucos meses se destrói o que fôra obra de séculos!!
Não tinha a Bélgica sua Carta, sua Representação, e seus Deputados?! Em que alterou o Rei dos Países Baixos a Constituição?! Não tinha a Polónia a sua Carta, e uma Representação Nacional tão honrosa, que merecia que o mesmo Autocrata de todas as Rússias viesse muitas vezes presidir às suas deliberações?! E em que faltou este Monarca aos ajustes, e convénios de seu Magnânimo Irmão, o Grande Alexandre?!!... Em anda alteraram estes Soberanos a forma de governo estabelecida. Mas como estas Cartas não eram senão umas tréguas entre o Povo, e os Soberanos, logo que o Grande Oriente de Paris deu o sinal para a batalha, começou-se a peleja, e a guerra democrática aparece em todo o seu furor!!...
Não tem a velha Inglaterra a sua antiquíssima Magna Carta, e não deveria por isso mesmo estar isenta dos males, que os outros Impérios sofrem?! Mas ai mesmo se nota uma guerra intestina, uma exaltação de partidos, uma pertinácia radical, que espanta, e que deverá tarde ou cedo trazer a decadência, e a ruína daquele Colosso Marítimo!! E se não vemos ali o mesmo que na França, Bélgica, e Polónia, é porque a Carta não é feita no século das luzes, é feita quando ainda haviam honra, e Religião, é porque as eleições não são simplesmente populares, e feitas na razão do grande número, mas sim pelos Privilégios Municipais, em que os Nobres têm a maior influência: cedam estes, e deixem os Lords passar o Bill da reforma, que não consiste senão nisto, e verão em quanto lhe sucede o mesmo, que aos outros países, onde existe a Carta Constitucional à moderna. É necessário fazer uma distinção verdadeira entre o Governo Representativo Inglês, e o Governo Representativo da França, e mais outros à moderna; nestes a Câmara, que tem mais influência no Governo, e que é perfeitamente deliberante, é a Câmara Baixa, porque a dos Pares é nula, e sempre arriscada a ser destruída; naquele, a Câmara insolente, e deliberantes é a dos Lords, porque a dos Comuns é inteiramente subordinada, e dependente, e pode-se quase chamar nula; porque a maioria é sempre movida pelos Lordes: esta é a razão única por que a Magna Carta tem durado tanto, quando as outras Cartas estão sempre em desordem; mas se passa o Bill da reforma veremos incendiado na guerra civil aquele país, que parece ser o Mestre da política governativa.
Vejam-se ao contrário os países, que chamam despóticos, e absolutistas, contra quem tanto gritam os Filósofos moderadores, e que dizem estar sempre arriscados a revoluções, como se tornam sobranceiros à mania revolucionária!.. Veja-se a Rússia, a Prússia, e a Alemanha, como se apresentam impávidas borbulhando em armas, que todas se apontam para a Revolução de Julho! Admire-se a Holanda, que tendo pouco mais de dois milhões de almas, subjuga em menos de quinze dias quatro milhões, que tem a Bélgica; e de todo os desbarataria se a França não mandasse cinquenta mil homens, etc. mas o Príncipe de Orage despediu-se até à volta: e talvez não tarde...
Apareceu, é verdade, a Revolução nos Estados Pontifícios, e na Baixa Itália; mas foi sol de pouca dura; porque as Águias Austríacas fizeram debandar aquele bando de estorninhos. Assomou-se, é verdade, às fronteiras de Espanha, desse Reino, a quem os Liberais descrevem com cores mais escuras, e medonhas do que o Império de Nero, ou Calígula; mas como lá não havia Carta Divinal, nem lá governam os Moderadores hipócritas, afogou-se à nascença: e os planos Minescos tão cheios de alabancias fugiram atropelandamente, quando viram una foerca trabalhando provisoriamente, e quando ouviram os canhonaços, que al infierno mandavam seus autores. (Bem hajas Fernando VII).
Contra Portugal luta há mais de três anos esta hidra medonha, mas que partido tem tirado?!... É para nós admirável que esta luta tenha durado tanto, quanto por via de regra há muito deveria ter acabado. Qual será a razão? Será porque os Liberais Portugueses são mais valentes, e mais espertos?! Não sem dúvida: ao contrário são os mais fracos, e mais tolos do mundo. Será porque os Realistas de Portugal são fracos, e ignorantes?.. Nós os sabemos, e a causa desta prolongada campanha nos é tão clara como a luz do meio dia. Não podemos por outra manifestá-la, porque não convém fazer público o segredo de quem governa "Sacramentum Regis abscondere gonum est".
Desenganem-se portanto os Povos que não há outro governo, em que estejam mais isentos das Revoluções, do que no Governo Paternal de seus Reis: o contraste, que oferece a Europa é visível, e palpável: convençam-se os Nobres que os Governos Representativos é uma cilada, que lhes armam os Democratas seus inimigos jurados, para melhor os atraiçoarem: conheçam por uma vez os Soberanos que dar uma Carta é o mesmo que meter em casa um criado ladrão, e falsário, o qual logo que toma posse da casa abre com toda a facilidade a porta aos seus companheiros, para o roubarem a seu salvo: o mesmo acontece a respeito dos Revolucionários num Governo Carteiro. Desenganem-se finalmente os mesmos Moderadores, e partidários deste Governo, que se é indispensável que a Carta é uma estado de tréguas entre os dois partidos; e se é igualmente indubitável que o grande Oriente Parisiense rompeu, e mandou romper a guerra, já não há meio, há-de correr-se a sorte das armas; e se quem tem mais força é quem vence, fácil é prever que as Águias do Norte, e os Leões da Península hão-de esmagar o Colosso revolucionário, que apesar de ter cabeça de ouro, braços de prata, e peito de bronze, tem contudo os pés de barro: e então, adeus Carta, adeus Divinal, lá vai a obra mais perfeita, que produziu o século das luzes.
Para concluirmos esta Nota, que antes parece uma dissertação, juntaremos aqui uma valente Ironia do nosso Macedo, talvez a melhor de tantas, em que abundam os seus escritos, e que ainda não apareceu em público, porque a possuímos numa Carta particular, que ele mesmo nos dirigiu quando o consultámos sobre certos livros no ano 1826. Diz assim "o Livro dos livros, o Codex por excelência é a nossa Divinal Constituição; fonte próxima, ou vertente de toda a felicidade, manancial de todas as luzes, ilustração do Mundo, desvelo dos sábios, parto único da humana sapiência, raio brilhante, e quase emanado da luz celeste; e como Horácio com os exemplares Gregos, a volvo, e revolvo com mão divina, e nocturna: com ea me amanhece, com ela me anoitece, nela medito, nela aprendo, e digo com o mencionado Horácio "Totus in hoc sim". Todo eu estou nela, e ela em mim; com ela vejo, como me ensinam os papeis públicos, abertos os canais, e abertos para a Agricultura, e para o Comércio, que são os nossos verdadeiros nervos, e do Estado, ela nos tirou do abismo, como dizem os mesmos papeis, e pôs esta mesquinha Hora dos Portugueses na linha, e na lista das Nações; só me escandaliza dizerem os sobreditos papeis que sou da quarta ordem, como na Constituição passada, e demagógica dizia o sábio Couto do Juiz do Povo, e seu Escrivão, chamando-lhe Magistrado da quarta ordem." Se a força da Ironia é mostrar o contrário do que se diz, vejam os Senhores Carteiros que conceito nos merece a sua Divinal!!) D. Tr.
ETERNIDADE - Quer dizer: coisa de um ano até dois, quando a eternidade é uma eternidade desesperada. Pode ter-se por milagre quando algum regulamento democrático chega a esta eternidade.
INDIVISÍVEL - Até agora significava o que não se pode dividir; porém em língua moderna significa o que se pode, e deve dividir. Por isso não é para admirar que as indivisíveis Cispadana, e Traspadana se dividissem in infinitum, e deixassem sua indivisibilidade a sua filha Cisalpina.
(* O que o Autor diz a respeito das Constituições da Itália, em referência ao Piemonte, é que nós podemos dizer da nossa Olisiponense relativamente à Gaditana, de quem era filha.) D. Tr.
(Fim do Nº2)
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