20/05/15

MEMÓRIAS PARA A VIDA DA BEATA MAFALDA (II)

Beata D. Mafalda
(continuação da I parte)

Capítulo II
EDUCAÇÃO E PRIMEIROS ANOS DA RAINHA D. MAFALDA

Os sucessos da infância, que bem pouco ou nada interessam nos homens de uma classe ordinária, contemplam-se de diversos modos naquelas personagens que conseguiram um nome célebre e recomendável à posterioridade. Eles merecem a atenção do historiador, que muitas vezes se cansa em descobrir já nos fundamentos a grandeza do edifício. Tratando pois de averiguar as primeiras acções da Rainha D. Mafalda, não farei senão conjecturas, já que a notória escassez de monumentos e notícias, já que a notória escassez de monumentos e notícias daquele tempo não permite avançar mais longe.

Contam alguns escritores, que a Rainha D. Dulce vigiou particularmente sobre a educação desta filha e que levava a tal ponto o seu extremo para com ela, que jamais consentiu,que lha tirassem dos seus braços na idade mais tenra e que vendo-a já crescida em anos se comprazia muito, porque já reluziam nela alguns indícios da sua futura santidade; mas confessando os historiadores (Fr. Bernardo de Brito, José Pereira Baião e outros) que a Rainha D. Dulce morreu a 11 de Setembro de 1198 e tendo eu já mostrado que o nascimento da Rainha D. Mafalda não sucedeu antes do ano de 1195, daqui resulta necessariamente que a Rainha D. Dulce não teve o gosto de admirar as nascentes virtudes de uma filha, a qual no tempo da sua morte contaria apenas três anos de idade; não duvido, porém, que a Rainha D. Mafalda recebesse de sua augusta Mãe as provas de ternura correspondentes à idade, pois é sentimento bem ordinário a todas as mães o prodigalizarem os mimos e afagos, na conjuntura em que mais se necessitam.

E quais foram os directores da sua educação? Não falta quem atribua esta glória a suas irmãs a B. Teresa e B. Sancha; e com efeito não negamos que a frequência dos bons exemplos, que ela observa nas suas virtuosas Irmãs, influísse muito para dirigir os seus costumes; mas devo repartir aquela glória com outra personagem, que até hoje foi desconhecida pelos seus historiadores e panegiristas (José Anastácio de Figueiredo, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e substituto da Cadeira de Diplomática, novamente criada em Lisboa, é o 1º dos nossos escritores que atribui a criação da Rainha D. Mafalda a D. Urraca Viegas e assim na sua Nova Malta Portuguesa). É D. Urraca Viegas, filha de D. Moniz de Ribadouro e esposa do Conde D. Vasco Sanches, a qual, doando uma grande parte dos seus bens (a doação de D. Urraca Viegas e uma relação antiga dos bens que ela abrange podem ver-se nas provas nº 1 e 2) à Rainha D. Mafalda, lhe chama expressamente sua aluna, o que se corrobora ainda mais pelos Breves de Inocêncio III (vem na colecção que fez Balúzio das Epístolas de Inocêncio III, nº 115, e foi datado em S. João de Latrão, a 13 de Outubro de 1212), Gregório IX (o Breve de Gregório IX, é datado em Perúgia a 15 de Maio de 1230) e Inocêncio IV (o Breve de Inocêncio IV, é datado em Leão a 11 de Agosto de 1246 e com o antecedente vai lançado nas provas, que fazem um apêndice a estas Memórias), expedidas à instância da Rainha D. Mafalda, nos quais além da herança, que D. Sancho I seu Pai lhe tinha deixado, se confirma a que lhe deixou D. Urraca, da qual se diz que nutria e adoptara por filha a Rainha D. Mafalda; argumentos invencíveis para se mostrar que D. Urraca Viegas teve uma grande parte na sua educação.

Ninguém duvida que correspondesse perfeitamente aos cuidados e fadigas que por ela se tomaram e que muito suavizaria a docilidade do seu natural; e agora mais que nunca eu sinto a falta de historiadores coevos, que nos relatariam, com miudeza, quais foram as primeiras ocupações de uma vida, que para o diante se há-de manifestar por tantos prodígios e maravilhas, como se verá no decurso destas Memórias.Eles nos fariam ver um coração insensível aos encantos e delícias da Côrte, para suspirar unicamente pelas delícias do amor divino; e, pasmando justamente de verem em anos tão curtos as virtudes mais adiantadas, celebrariam a sua frequência na oração e outros exercícios de piedade, a resolução mais que varonil com que abraçava os rigores da vida penitente, a sua prontidão em socorrer os miseráveis e outros lances de religião e beneficência muito superiores a quantos dela nos referem os nossos cronistas guiados somente por conjecturas.

Todos eles afirmam unanimemente que a Rainha D. Mafalda só teve por igual na formosura em todas as Espanhas sua irmã a Rainha D. Teresa, donde se vê que a Omnipotência Divina a quis adornar com todo o género de perfeições, para a fazer admirável nas suas ordens da graça e da natureza; nem duvido que ela sobressaísse em outras prendas acomodadas ao seu sexo, nas quais se desdouro ou menoscabo da sua elevação e grandeza, passaria todo o tempo que lhe restava da oração e dos mais exercícios virtude; e, sendo-me permitido argumentar, por semelhança, que os exercícios da sua mocidade seriam os mesmos de suas irmãs, a B. Teresa e a B. Sancha, por não querer alargar muito as presente Memórias, remeto os meus Leitores para uma elegante e atilada descrição, em que aquele exercícios se retratam ao vivo (Fr. Francisco de S. Agostinho Macedo, desde a pág. 13 até 16, da obra que intitulou Vita Theresiae Reginae Legionis Dominae Jerabicae e saiu em Roma, no ano de 1667).

Aperfeiçoados por esta maneira os dons da graça e da natureza, ela começou a ser benquista de todos, ganhando com a sua presença os bens merecidos e universais aplausos de quantos a viam e admiravam (no Livro 1º das honras e devassos de Além-Douro da leitura nova do tempo DelRei D. Dinis, que se guarda na Torre do Tompo, existe memória, a pág. 60, de que a Rainha D. Mafalda passara os seus primeiros anos em Louredo de Moázeres e aí fôra educada. V. Provas nº 5º). Sabendo conciliar o respeito com a afabilidade, ciência bem árdua, pois é fácil tocar os dois extremos da baixeza e da soberba, não lhe era dificultoso mostrar um gesto senhoril, quando o exigia o decoro da majestade, nem fazer um benigno acolhimento aos pobres e miseráveis, quando o pedia o exercício das virtudes cristãs, que eram o principal objecto das suas diligências e cuidados.

à vista de tão belas disposições e das mais que se ignoram, não é destituída de fundamentos a conjectura dos que lhe atribuem uma decidida resolução de consagrar-se a Deus e não acolher outro esposo além do celeste. Ainda que não haja documento ou autor contemporâneo, que afiance esta resolução, ela se conclui naturalmente da repugnância com que a Rainha D. Mafalda aceitou as propostas de casamento, em que abaixo falarei, e que é atestada pelos historiadores mais antigos depois que examinaram e pesaram na balança da crítica as tradições que lhe dizem respeito.

(a continuar)

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