29/04/15

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (LXXVI)

(continuação da LXXV parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO

Thomas de Kempis

III Livro
A Fonte Das Consolações



Cap. XLIX
Deus Prova A Alma Para A Fazer Capaz dos Grandes Bens Que Lhe Promete

1. Cristo - Filho, quando sentes que o Céu de comunica o desejo de uma eterna felicidade, e apeteces sair do cárcere do teu corpo para poder contemplar a minha luz, sem que se interponha algum véu, que te faça variar de sentimentos, abre o teu coração e recebe esta santa inspiração com todo o afecto.
Rende as maiores acções de graças à minha soberana bondade, que te trata de um modo tão favorável, visita com tanta doçura, desperta por movimentos tão vivos, sustenta por uma tão poderosa mão, para que não tornes a cair, por ti mesmo, no amor das coisas da Terra.
Não deves atribuir estes bons efeitos, nem aos teus pensamentos, nem aos teus esforços, mas só ao favor da minha graça soberana, a fim de que aproveites na virtude em maior humildade, estejas preparado para os futuros combates e trabalhes por te unir a mim, por todos os afectos do teu coração, e servir-me com vontade fervorosa.

2. Filho, muitas vezes arde o fogo, mas não sai a chama sem fumo. Assim, alguns têm ardentes desejos de se elevar ao Céu, mas eles não são livres da tentação do amor carnal. Disto resulta que, ainda que eles peçam, com tanto ardor, os bens do Céu, o seu movimento não é inteiramente puro e ordenado exclusivamente em direcção a mim. O desejo que tendes do Céu é, muitas vezes, semelhante ao destes; por isso ele se mistura a interesses terrenos.

3. Pede-me, não o que é segundo a tua inclinação e a tua comodidade, mas o que é segundo a minha vontade. Se julgas acertadamente das coisas, reconhecerás que sempre deves preferir a minha ordem ao teu gosto e fazer antes o que eu quero do que o que tu queres.
Eu sei a que se dirigem os teus desejos e tenho muitas vezes escutado os teus suspiros. Quererias estar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Já aspiras a habitar na casa eterna desta celeste pátria cheia de alegria, mas não é chegada ainda a tua hora; ela deve ser precedida de um tempo de trabalhos e de provas. Desejas encher-te do verdadeiro bem, mas não podes ainda adquiri-lo.
Eu sou o bem a que aspiras; espera-me, diz o Senhor, até que venha o Reino de Deus.

4. Deves ainda ser provado sobre a Terra e passar por vários exercícios. Algumas vezes, misturarei os teus males com as doçuras das minhas consolações, mas isto não será com abundância. Conforta-te, pois, e resolve-te valorosamente a fazer e a sofrer tudo o que é contrário à natureza.
É necessário que te transformes no homem novo, que te mudes em outro homem. É necessário que faças muitas vezes o que não queres.
Pode acontecer que o que agrada aos outros vá por diante e o que te agrada não se realize. Será ouvido o que outros disserem, e o que disseres será desprezado. Outros pedirão e alcançarão, tu pedirás e não conseguirás.

5. Grandes serão os outros na boca dos homens, mas de ti ninguém dirá palavra. A outros será confiado isto ou aquilo; tu, porém, de nada serás julgado capaz. A natureza não deixará de entristecer-se nessas circunstâncias, mas para ti será coisa grande se suportares em silêncio.
Deus costuma, destes e de outros modos, provar a fidelidade do Seu servo, para ver se ele renuncia a si mesmo.´
Não há oportunidade em que sintas mais necessária a mortificação como naquela em que vez e sofres o que é contrário à tua vontade, particularmente quando te ordenam coisas que te parecem inconvenientes ou inúteis. E porque não ousas resistir à autoridade do superior, parece-te coisa dura sujeitar-te à sua obediência e renunciar ao teu próprio parecer.

6. Mas considera, Filho, qual será o fruto destes trabalhos, quanto serão passageiros para uma recompensa infinitamente grande, e não terás de que sentir peso, pois, ao contrário, acharás suavíssimo conforto os teus sofrimentos.
Por um pouco de esforço que faças agora para atender à tua própria vontade, serás completamente satisfeito no Céu. Ali, encontrarás tudo o que quiseres e quanto puderes desejar. Ali é que entrarás na posse de todos os bens, sem temor de os perder. Ali, a tua vontade, estando unida à minha, não desejará nada mais em particular. Ali, ninguém te resistirá, nem se queixará de ti, nem porá obstáculo algum aos teus desígnios; mas quanto desejares te será presente e encherá toda a extensão do teu coração. Ali é que eu recompensarei com soberana glória as injúrias que tiveres sofrido; com abundância de alegria as lágrimas que choraste; com um trono sublime, onde reines para sempre, a humildade que te levou sempre aos últimos lugares. Ali se verá claramente o fruto e o valor extraordinário da obediência. Ali se verão os trabalhos da paciência transformados em fontes de alegria e a sujeição voluntária coroada de glória.

7. Na esperança de tão grande felicidade, humilha-te agora nas mãos de todos. Não cuides em saber quem disse ou quem manda o que te é ordenado. Cuida só em fazer de boa vontade o que te é ordenado, seja o prelado, seja o mais moço do que tu, seja  o teu igual quem te ordena.
Busque um isto, outro aquilo; glorie-se este nisto e aquele naquilo e seja mil vezes louvado; tu, porém, deleita-te no desprezo de ti mesmo e na minha vontade e glória.
Em resumo: o que deves desejar é que Deus seja glorificado em ti, assim na vida como na morte.

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