30/04/15

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (LXXVII)

(continuação da LXXVI parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO

Thomas de Kempis

III Livro
A Fonte Das Consolações
 

Cap. L
Como o Homem Atribulado Se Deve Entregar Nas Mãos De Deus

1. Alma - Deus, Senhor, Pai santo, sejais bendito agora e em todos os séculos, porque tudo foi feito segundo a Vossa vontade e o que fazeis é bom.
Alegre-se o Vosso servo, não em si, ou em outro, mas somente em Vós, que sois a minha alegria, a minha esperança, a minha felicidade e a minha coroa de glória.
Senhor, que possui o Vosso servo senão o que recebeu de Vós, apesar de não o ter merecido?
É Vosso tudo o que destes e fizestes. Pobre sou e vivo em trabalhos, desde os meus tenros anos.
A minha alma algumas vezes se entristece, até verter lágrimas, e algumas vezes se perturba, vendo-se oprimida pelas paixões.

2. Desejo a alegria da paz, peço a paz de Vossos filhos, que apascentais na luz das Vossas consolações. Se me dais a Vossa paz, se derramais em mim a santa alegria, a alma do Vosso servo de nada mais se ocupará senão de entoar os Vossos louvores. Mas se Vos apartais, como fazeis muitas vezes, ela não poderá percorrer o caminho dos Vossos mandamentos. Restar-lhe-à curvar-se e, ajoelhada, bater no peito, por lhe não ter ido tudo como lhe ia ontem e antes de ontem, quando sobre a sua cabeça brilhava a Vossa lâmpada e debaixo das Vossas asas se sentia ao abrigo das tentações.

3. Pai justo e sempre louvável, é chegada a hora em que o Vosso servo deve ser provado. Pai infinitamente amável, é bem justo que o Vosso servo sofra nesta hora alguma coisa por Vosso amor. Pai soberanamente adorável, eis aqui a hora que previstes desde a eternidade, na qual o Vosso servo deve, por algum tempo, estar abatido exteriormente, para viver sempre Convosco espiritualmente. Seja ele humilhado, seja desprezado, seja aniquilado diante dos homens, seja oprimido de sofrimentos e enfermidades, a fim de que ressuscite Convosco na aurora da eterna luz e entre na posse da glória do Paraíso. Pai santo, Vós assim ordenastes e quisestes, e fez-se o que mandastes.

4. A graça que fazeis aos Vossos amigos é que padeçam e que sejam atribulados no mundo, todas as vezes e por qualquer pessoa que a Vossa sabedoria permitir.
Nada se faz na Terra sem causa e sem que seja regulado pelo conselho da Vossa incomparável providência.
Senhor, é para mim um grande bem haveres-me humilhado para que aprenda a obedecer-Vos e desterrar de mim a soberba e as presunções do meu coração.
É igualmente útil para mim que o meu semblante se tenha coberto de confusão, para que busque o conforto em Vós e não nos homens. Nisto aprendi também a temer os Vossos impenetráveis juízos, pois afligis tanto o ímpio como o justo, sempre com equidade e justiça.

5. Graças Vos dou por me não poupardes as minhas iniquidades, e antes me terdes castigado com duros açoites, mandando-me angústias interiores e exteriores.
Não tenho debaixo do Céu quem me console, senão Vós, meu Deus e Senhor, médico das almas, que feris e sarais, lançando-nos em tormentas e depois nos livrando.
Estendei sobre mim o Vosso braço e a Vossa disciplina será o meu ensino.

6. Aqui me tendes entre as Vossas mãos, Pai amável, e eu me curvo sob a vara da Vossa correcção.
Feri-me as costas e a cerviz, para que sujeite a minha vontade à Vossa. Fazei-me discípulo Vosso, fervoroso e humilde, como para que em tudo Vos siga e obedeça.
Eu Vos faço entrega de mim e de tudo o que há em mim, para que Vós me corrijais, pois é melhor ser corrigido neste mundo do que no outro.
Vós conheceis todas as coisas em geral e em particular e nada se Vos esconde na consciência dos homens.
O mesmo futuro Vos é já presente, nem tendes necessidade de que alguém Vos advirta sobre o que se passa sobre a Terra. Sabeis o que convém ao meu adiantamento e quanto a atribulação é útil para tirar a ferrugem dos nossos vícios.
Cumpri em mim a Vossa vontade e não desprezeis a minha vida pecaminosa, a qual Vos é mais conhecida do que a outro qualquer.

7. Senhor, dai-me graça para que saiba o que devo saber; ame o que devo amar; louve o que Vos é agradável; aborreça tudo o que Vos é odioso. Não permitais que eu julgue das coisas pelas exterioridades que me são patentes, ou pelas informações dos homens ignorantes; mas fazei-me a graça de que julgue das coisas visíveis e espirituais por um discernimento verdadeiro.

8. Os homens enganam-se, de ordinário, julgando segundo os seus sentidos. Os adoradores do século enganam-se também, amando somente os bens visíveis.
Que tem de mais o homem para ser grande no conceito de outro homem? É enganador quem louva o enganador; soberbo quem admira o soberbo; cego quem lisonjeia o cego. Assim, enquanto um lisonjeia o outro, não faz mais que enganá-lo e, louvando-o falsamente, na verdade o desonra. Por esses motivos, disse belissimamente o humilde São Francisco: "O homem não é grande em si, ó meu Deus, senão na proporção que ele o é diante de Vós."

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