13/03/15

SENHORES E ESCRAVOS NOS ENGENHOS PORTUGUESES DO Séc. XVII (I)

(Fonte: Cultura e Opulência do Brasil...; André João Antonil. LISBOA, 1711)


CAPÍTULO IX
Como se há-de haver o Senhor do Engenho com seus Escravos

Os Escravos são as mãos, e os pés do Senhor do Engenho; porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar, e aumentar a Fazenda, nem ter Engelho corrente. E do modo, com que se há-de com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço. Por isso é necessário comprar cada ano algumas Peças, e repartí-las pelos Partidos, Roças, Serrarias, e Barcas. E porque comummente são de Nações diversas, e uns mais boçais que outros, e de forças muito diferentes; se há-de fazer a repartição com reparo, e escolha, e não às cegas. Os que vêm para o Brasil, são Ardas, Minas, Congos, de S. Tomé, de Angola, de Cabo Verde, e alguns de Moçambique, que vêm nas Naus da Índia. Os Andas e os Minas são robustos. Os de Cabo Verde e S. Tomé são mais fracos. Os de Angola criados em Luanda são mais capazes de aprender ofícios mecânicos que os das outras partes ja nomeadas. Entre os Congos há também alguns bastante industriosos, e bons, não somente para o serviço da Cana, mas para os Ofícios, e para o maneio da casa.

Uns chegam ao Brasil muito rudes, e muito fechados, e assim continuam por toda a vida. Outros em poucos anos saem ladinos, e espertos, assim para aprenderem a Doutrina Cristã, como para buscarem modo de passar a vida, e para se lhes encomendar um barco, para levarem recados, e fazerem qualquer diligência das que costumam ordinariamente ocorrer. As Mulheres usam de foice, e de enxada, como os Homens: porém nos Matos, somente os Escravos usam de machado. Dos ladinos se faz escolha para Caldeireiros, Carapinas, Calafates, Tacheiros, Barqueiros, e Marinheiros; porque estas ocupações querem maior advertência. Os que desde novatos se meteram em alguma Fazenda, não é bem que se tirem dela contra sua vontade; porque facilmente se amofinam, e morrem. Os que nasceram no Brasil, ou se criaram desde pequenos em casa dos Brancos, afeiçoando-se a seus Senhores, dão boa conta de si; e levando bom cativeiro, qualquer deles vale por quatro boçais.

Melhores ainda são para qualquer ofício do Mulatos: porém muitos deles usando mal do favor dos Senhores, são soberbos, e viciosos, e prezam-se de valentes, aparelhados para qualquer desaforo. E contudo eles, e elas da mesma cor, ordinariamente levam no Brasil a melhor sorte; porque com aquela parte de sangue de Brancos, que têm nas veias, e talvez dos seus mesmos Senhores, os enfeitiçam de tal maneira, que alguns tudo lhes sofrem, tudo lhes perdoam; e parece, que se não atrevem a repreendê-los; antes todos os mimos são seus. E não é fácil decidir coisa, se nesta parte são mais remissos os Senhores; pois não falta entre eles, e elas, quem se deixe governar de Mulatos, que não são os melhores: para que se verifique o proverbio, que diz: Que o Brasil é Inferno dos Negros, Purgatório dos Brancos, e Paraíso dos Mulatos e das Mulatas; salvo quando por alguma desconfiança, ou crime, o amor se muda em ódio, e sai armado de todo o género de crueldade, e rigor. Bom é valer-se de suas habilidades, quando quiserem usar bem delas, como assim o fazem alguns; porém não se lhes há-de dar tanto a mão, que peguem no braço; e de Escravos se façam Senhores. Forrar Mulatas desinquietas, é perdição manifesta; porque o dinheiro, que dão para se livrarem, raras vezes sai de outras minas, que dos seus mesmos corpos, com repetidos pecados: e depois de forras, continuam a ser ruína de muitos.

Opõem-se alguns Senhores aos casamentos dos Escravos e Escravas; e não somente não fazem caso dos seus amancebamentos, mas quase claramente os consentem, e lhes dão princípio, dizendo: Tu Fulano a seu tempo casarás com Fulana; e daí por diante os deixam conversar entre si, como se já fossem recebidos por Marido e Mulher: e dizem que os não casam, porque temem que enfadando-se do casamento, se matem logo com peçonha, ou com feitiços; não faltando entre eles Mestres insignes nesta Arte. Outros, depois de estarem casados os Escravos, os apartam de tal sorte por anos, que ficam como se fossem solteiros: o que não podem fazer em consciência. Outros são tão pouco cuidadosos do que pertence à salvação dos seus Escravos, que os têm por muito tempo no Canavial, ou no Engelho sem Baptismo: e dos batizados muitos não sabem, quem é o seu Criador, o que hão-de crer, que lei hão-de guardar, como se hão-de encomendar a Deus, a que vão os Cristãos à Igreja, porque adoram a Hóstia consagrada, que vão a dizer ao Padre e ajoelham ou lhe falam aos ouvidos; se têm alma e se ela morre ou para onde vai quando se aparta do corpo. E sabendo logo os mais boçais, como se chama, e quem é seu Senhor; quantas covas de Mandioca hão-de plantar cada dia; quantas mãos de Cana hão-de cortar; quantas medidas de lenha hão-de dar; e outras coisas pertencentes aos serviço ordinário de seu Senhor: e sabendo também pedir-lhe perdão, quando erram, e encomendar-se-lhe, para que os não castigue, como prometimento da emenda, dizem os Senhores, que estes não são capazes de aprender a confessar-se, nem de pedir perdão a Deus, nem de rezar pelas contas, nem de saber os dez Mandamentos: tudo por falta de ensino, e por não considerarem a contra grande, que de tudo isto hão-de dar a Deus, pois (como diz S. Paulo) sendo Cristãos, e descuidando-se dos seus Escravos, se hão com eles pior, do que se fossem Infiéis. Nem os obrigam os dias Santos a ouvir Missa; antes talvez os ocupam de sorte, que não têm lugar para isso; nem encomendam ao Capelão doutriná-los, dando-lhe por este trabalho, se for necessário, maiores estipêdio.

(a continuar 25)

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