23/03/15

MASTIGÓFORO - INTRODUÇÃO (I)

INTRODUÇÃO
ao
MASTIGOFORO,
ou EXAME DO DISCURSO SOBRE AMNISTIAS,
EMBUTIDO NA GAZETA DE LISBOA

(N.º 25)

por
O Autor do MAÇO FERREO ANTI-MAÇÓNICO [Fr. Fortunato de S. Boaventura]

LISBOA
(1824)

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Venenum aspidum sub labiis eorum.

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Ninguém diga desta água não beberei. Tinha eu já bem adiantado o N.º 1.º do Mastigóforo, em que mostro o verdadeiro sentido das palavras, e frases, tabalioas do Maçonismo, e por ter já definido a palavra Amnistia em o N.º 29 do Punhal dos Corcundas, apenas dizia: "É palavra grega, e bem grega, há-de parecer a muitos, quando eu lha explicar. Amnistia é um acto de clemência da parte dos Reis, ou qualquer outras autoridades superiores, concedido regularmente para sufocar ódios, e partidos, e contemplar o verdadeiro arrependimento; mas depois que os Mações vieram, ou saíram à luz, quer dizer outra coisa mui diferente. Amnistia é uma carta de seguro para trabalhar desafogadamente em novas conspirações, e uma licença para fazerem outra, em que se possam manter, e segurar melhor do que na primeira, de que foram perdoados. Julgava-me pois desaforntado para sempre de tal palavrinha, e neste comenos, fazem-me ler o Discurso embutido na Gazeta de Lisboa (N.º 25) que me desmancharia a igrejinha se eu me não resolvesse logo a bater o campo.

Àlerta, vamos-lhe ao fole. Que brilhante discurso sobre amnistia! Se eu escrevera assim tão culta, e aprimoradamente outro galo me cantaria! Mas infelizmente privou-me a natureza desse dom celeste de abrilhantar os nadas, e de os fazer parecer coisas grandes! Se eu exordiasse na matéria dos perdões, e dos esquecimentos, diria tudo com muita simplicidade, e não me esquecendo do Ex fumo dare Lucem, por certo, que não me arrogaria os plenos poderes do Maçonismo, que fazem acalmar as tempestades do Oceano pela serenidade do Céu, fruto da aparição do benigno Sol vernal... Porém que mais vivo, harmonioso, e retumbante não é o discurso modelado por outro gosto mais fino, e mais depurado.!!. Ainda me não farto de o ler, e se eu fosse homem rico de certo o faria em lâminas de ouro, para servir de norma aos discursos infantinos; pois esta classe gosta muito de ouro pele, de boles boles, e outras semelhantes quinquilharias. Vamos ao caso, e tomemô-lo sério, que bem me custa quando se trata de mais vil canalha, que Nosso Senhor deitou a este mundo.

Seria necessário compor um livro para refutar por inteiro um Discurso, onde formigam os erros políticos, e religiosos, e os maiores desacertos, e falsidades. Por isso eu me restingirei ao que me pareceu mais digno de censura, a que devem estar sujeitos todos os escritos, quando são olhados como peças de eloquência, ou de política. Tratarei de comabeter o que me azedou mais, e que mostrarei ser digna produção do Século Maónico.

Deixando agora de parte essas Virtudes Romanas, que foram muito menos do que o atilado Escritor pensa, ou finge pensar, e que por estatuto da Maçonaria se exaltam acinte, para serem deprimido as virtudes cristãs, que por isso nenhum papel distinto fazem em toda essa perlonga de felicidades para o género humano; começarei por atear, e forçar esse intrincheiramento de amnistias velhas, com que nos mata a paciência, mas que felizmente há-de ir a terra com um sopro, não de embravecidos aquilões, mas de um plácido Zefiretto. Esses homens, a quem foram concedidas as amnistias velhas, eram homens de outra laia, as mais das vezes iludidos, e desencaminhados por intrigantes hábeis, e ardilosos, que lhes pintavam o crime debaixo das sedutoras aparências de um dever sagrado; eram homens capazes de ensino, e de arrependimento, o que não sucede, nem pode suceder com os Revolucionários Pedreiros Livres. Já o grande Burke os definiu maravilhosamente, e os taxou de incorrigíveis. Com ateus não há nem pode haver capitulação; toda a que houver cederá em transtorno, e ruína total de sociedade, e por boas contas a sociedade vem a perder mais em um só realista cobardemente assassinado pelos Mações, do que em milhares destes infames condados à morte por inimigos de toda a Religião, e de toda a Sociedade. Para que o elegante discursador procedesse de boa fé, ou com boa Lógica, devia mostrar-nos primeiramente, que uma sociedade obrigada pelos mais terríveis juramentos a exterminar os Reis, e abolir o Catolicismo, possa abrir mão facilmente destes artigos capitais, que são o móvel, e o último de potência das suas tenebrosas reuniões. Olhando, como de facto olham para Reis, como uns liberticidas, e inimigos dos povos, e para os Sacerdotes, como propagadores do fanatismo; como poderão eles congraçar-se deveras com o trono que detestam, e com a Fé, que desejam exterminada do universo? Uma seita que envolve contradição a tudo, e com tudo, o que nós mais respeitamos, nunca existirá sem urdir novas tramas, e novos meios de suplantar os seus inimigos, e prova de não a conhecer, ou de pertencer a ela, quem abona os seus frutos procedimentos, de leais, religiosos, e irrepreensíveis. Um erro parcial chega a emendar-se, a quinta essência de todos os delírios, e de todos os erros, não dá esperanças de correcção, a menos que esta se digne baixar do alto dos Céus, onde existe a graça, que converteu os Saulos... Mas que digo eu? O próprio Saulo obrava por aferrado à sua lei, obrava com um zelo mal entendido, mas sincero, e mais filho de ignorância que de perversidade; e quem sustentará que os Mações pecam por ignorância, e que por um exaltado amor à justiça têm querido aliviar o género humano, como eles dizem, dos insuportáveis ferros do despotismo... O erro dos Mações é de vontade, e não de entendimento, é só de pura malícia, e em todas as histórias dos grandes crimes, que têm desonrado o género humano, eu não encontro um só comparável a este, e é necessário, que remontando-me a outra classe de seres, eu descubra no pertinaz, e afincado orgulho de Satanás, e dos Anjos rebeldes, uns visos de semelhança com o pecado dos Mações... Observam estes o mau sucesso das teorias modernas, acabam de ver toda a Europa alagada em sangue, e nem por isso deixam de querer tentar em a sempre Leal, e afamada Lusitânia, mais outro ensaio das suas doutrinas, e acarretam sobre nós esse dilúvio de males, que a despeito das clemências, e das amnistias, clamaram sempre vingança justa, e legal contra os seus autores, por ser este o único expediente saudável para empecer à continuação dos mesmos delírios, e para fazer cair em si, os que são inacessíveis à poderosa influência dos remorsos. Todo o Soberano pois que cegamente perdoar aos Mações, levando simplesmente de ideias de clemência, qual Deus não tem, (porque Deus castiga os maus) longe de cumprir os seus deveres, e de ser propício a esses malvados, prejudica-se gravemente a si próprio, fazendo-se responsável por todos os crimes, que eles perpetrarem para o futuro, e estanca-lhes as fontes do conhecimento próprio, da viva consideração de seus erros, e da abominação de seus crimes. Perdoar a um réu de crimes atrocíssimos, e deixá-lo vaguear a seu sabor pelo meio da sociedade, que ele perturbou com as suas intrigas, denúncias, e maldades, é mais um acto de arbitrariedade, que de clemência, e os que são chamados pela Providência para dizerem aos Reis a pura verdade, e a desfiguram a ponto de fazerem consistir a imagem de Deus nos Soberanos, em perdoarem a torto, e a direito, são bem pouco amigos do seu Rei, e da sua pátria. Não merece tal censura o Duque de Sully, arrastado pelo discursador para o indecente papel da campainha das amnistias. já transcrevi em o N.º 29 do punhal dos Corcundas, as suas formais palavras, que nem por isso favorecem a doutrina dos Mações, que é filantrópica todas as vezes que se consideram, ou estão debaixo; assim como é tirânica, e violenta, quando estão em cima... ("Para lhe irmos arrancar as entranhas, beber-lhe o sangue, e lançar aos corvos o imundo cadáver ainda palpitante!!" - Gazeta de Lisboa N.º 32 pág. 131). Vossa majestade, dizia aquele grande homem de estado a Henrique IV de França, tem todas as razões para dar castigos exemplares, e era o meu voto, que se infligissem a essas almas ímpias, que não podem ser metidas na razão, e contidas no seu dever, nem pelo amor, e consideração à vistude, nem por se lhes fazerem benefícios, nem por se lhes perdoarem os crimes, nem pela apreensão do castigo. Parece que o Duque de Sully fazia antecipadamente o retrato dos Pedreiros Livres, e quem depois de ler o seu voto, ousa chamá-lo para defensor das amnistias liberais, e indiscretas, bem mostra ser hóspede nos mesmíssimos factos históricos, de que abusa para sustentar a sua causa... Não é porém de admirar, que o nosso discursador falhe, e claudique perpetuamente no que alega da história dos reinos estrangeiros, quando parece não ter lido nunca a história de Portugal, o que por certo agrava o seu delito, pois não se contentando de ser o advogado dos Pedreiros Livres, corrompe, e adultera os factos de nossa história, como quem diz para os seus botões. Escreveu para um rancho de estúpidos, que ficaram de boca aberta para quanto eu disser, e ninguém ousará contrariar o privilégio de inerrância Maçónica. O ínclito restaurador da Monarquia Portuguesa citado para exemplo dessas amnistias sempre fatais, e desairosas para os Soberanos! O Senhor D. João I disfarçando, e perdoando aos que lhe faltaram à fé!!! É uma afronta mais pesada para ele do que foi a perpetrada pelos Franceses, quando em 1810 lhe despedaçaram o seu jazigo no Convento de Batalha; pois estes lhe espalharam os ossos, e lhe perturbaram o repouso das suas frias, e desanimadas cinzas, e o dicursador ataca-lhe a reputação, e faz quando nele é para que este Soberano deixe de ser entre nós o da boa memória? Ainda mesmo que se concedesse a existência desta sonhada amnistia, nem por isso ganhavam os Pedreiros Livres uma só polegada de terreno. Era tão melindrosa, e sujeita a dúvidas, nesse tempo a questão sobre quem devia suceder na Coroa, se a Filha do último Rei o Senhor D. Fernando, se os filhos do Senhor D. Pedro, e de D. Inês de Castro, se o Mestre de Avis, quando é líquida, e fácil de decidir em nossos tempos já desassombrados daquelas turbulências, e auxiliados do poder em tais lances irresistível dos acontecimentos, que afinal deram a Coroa ao que no princípio da contenda, parecia o último dos pretendentes. Os que seguiam a voz, ou da Rainha de Castela, ou dos Infantes, filhos de D. Inês de Castro, seguiram mau partido é certo, mas quem sabe a fundo o que se passou naquelas eras, quem compara o assentado nas Côrtes de Leiria, anteriores, necessariamente se inclina a favorecer os que deixaram a voz do Mestre de Avis, pelo menos enquanto ao crime de Lesa Majestade, de que podem ser arguidos. ora os Pedreiros Livres estão em um caso mui diferentes; e em comparação destes podem aqueles ser tidos como outros tantos modelos de obediência, e lealdade ao Trono Português. Erravam sim os entendimentos, chamando para a Sucessão um Rei que devia ser excluído, conforme as Leis fundamentais do Reino, porém os corações eram Portugueses, e caminhavam para onde assentaram que existia o direito à Coroa. os Pedreiros Livres conheciam, e deviam conhecer o direito com que reinava em Portugal, e suas conquistas o mui Alto, e Poderoso Rei o Senhor D. João VI, mas fiéis ao ímpio, e sacrilégio juramento de exterminar os Soberanos, tiveram a sacrílega ousadia (ainda hoje me estremece o coração de quanto vi, e ouvi neste assunto!) de o esbulharem do trono, e de o condenarem a ser um simples mandatário dos aresto do Maçonismo!! Tanto maior, e mais punível é este crime, quanto menos razão havia para o cometerem, e para enxovalharem o crédito nacional! mas demoremos este quadro e infâmias, e atrocidades, consultemos os Livros do primeiro ano do governo do Senhor D. João I, e vejamos como ele tratou os que seguiram a voz de Castela. Estremeço de ser fastidioso, mas pede o caso que se patenteie, e desmascare a ignorância do tal discursador. São factos extraídos da Torre do Tombo, pelos Cronistas mores Brandões, em cuja autoridade eu me fio, como se estivera revolvendo os próprios originais.

(continuação, II parte)

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