31/03/15

CONTRA-MINA Nº 58: O Ralho Das Comadres

CONTRA-MINA
Periódico Moral, e Político,

por

Fr. Fortunato de S. Boaventura,
Monge de Alcobaça.

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Nº 58
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O medonho Fantasma se esvaece,
O dia torna, e a sombra se dissipa;
Os Insectos feíssimos de chofre
Entram no poço do afumado Inferno:
Eternamente a tampa se aferrolha.
No meio do clarão vejo no Trono,
Cercado de esplendor, MIGUEL PRIMEIRO.
(Macedo, Viagem Estática ao Templo da Sabedoria, pág. 141)
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O Ralho Das Comadres

Tem os elogios feitos a D. Pedro em toda a Aurora décima quarta um fim principal, e vem a ser, a união dos confrades, que andam mui rixosos, e desavindos entre si, a ponto de haver muitos Portugueses do Rancho Liberal, que mais querem (palavras formais do A.) que reine D. MIGUEL, do que restaure D. Pedro, se corre perigo, que a Nação o aclame Regente....
 
E que tal vai a função? Que vos parece Verdadeiros, e Leais Portugueses? Nem os seus já o querem! E nos é que o devemos querer, talvez pelo muito que lhe somos obrigados? É com efeito mui renhida a baralha, que se nota em os até agora unidos, e inseparáveis irmãos! Nem o Aurora se julga com forças bastantes para deitar água na fervura aos Escritos incendiários, que de França, e de Inglaterra se enviam quase diariamente para a Ilha Terceira, no intuito de se conseguir, que o Batalhão de Caçadores, e mais agregados voltem as armas contra D. Pedro, já que D. Pedro se declara inimigo das próprias Instituições, que deu a Portugal, as quais manifestamente o excluem da hoje por ele tão ambicionada Regência. Neste perigo terrível, neste medonho conflicto de opiniões divergentes chamou, gritou o Aurora pelo seu valentão, para que lhe acudisse.... Veio logo todo contente, e prazenteiro, como quem folga de promover a todo o custo, e em todos os tempos a exaltação dos Radicais; porém, torceu o nariz, e não deu nada pela festa, quando soube dos quatro generais cismáticos, e queixosos, de que D. Pedro os aliviasse de fazerem parte da Expedição, e consequentemente de cingirem os louros triunfais... Assentou desde logo, que se devia meter às boas, e descaindo um pouco essa ordinária valentia, com que julga os Reis, e os Povos, limita-se a pedir-lhes com as mãos erguidas, que se façam amiguinhos, que tenham um bocadinho de paciência, visto que depois de rendida Lisboa às armas, (Pedreiras) então lhes será concedido alegarem os seus méritos, e os seus direitos, ficando certos desde já, que nenhum será desatendido, ou maltratado ... Venha o texto - Em alguns dignos emigrados Portugueses temos notado a disposição, a que aludimos, em grau tamanho, que nos faz recear algum prejuízo à sua nobre causa.

Estes bons, e saudáveis conselhos viram a luz antes do dia 6 de Março; e quando se devia esperar, que sortissem o melhor efeito, e que as penas caíssem das mãos a esses folicularios, (nome, com que os brinda o Redactor da Aurora) que em Londres combatem a futura Regência de D. Pedro, sucedeu pelo contrário; pois eu vejo, que trazem a data daquele dia 6 de Março, as - Reflexões sobre hum Paragrafo de Manifesto Senhor D. Pedro Duque de Bragança.... escritas por José Liberato Freire de Carvalho, as quais tem por Epigrafe ..... não porque trata de opiniões Políticas, cuja discussão deve ser cada hum inteiramente livre. 

Carta de Cândido José Xavier em nome do Duque de Bragança ao Coronel Rodrigo Pinto Bizarro....

Quem me dissesse há quinze dias a esta parte, que José Liberato Freire de Carvalho tinha preparado, e fabricado excelentes armas contra o Manifesto de D. Pedro, seria por mim tratado de louco, ou de impostor; e vai senão quando aparece José Liberato, que na mesma data de 6 de Março, em que se publicou a desgraçada Aurora, confuta, e pulveriza, o que há de mais essencial no Manifesto; e vem a ser o parágrafo seguinte:

"Depois de agradecer nas Ilhas dos Açores aos indivíduos que compuseram a Regência (que nomeei por estar ausente) o patriotismo, com que desempenharam em circunstâncias tão dificultosas o seu encargo, reassumirei (pelos motivos que ficam ponderados) a autoridade, que na mesma Regência se acha depositada, a qual conservarei, até que estabelecido em Portugal o Governo Legítimo de minha Augusta Filha deliberem as Cortes Gerais da Nação Portuguesa (a cuja convocação imediatamente mandarei proceder) se convém, que eu continue no exercício dos direitos, que se acham designados no Artigo 22 da Carta Constitucional; e resolvida que seja esta questão afirmativamente prestarei o juramento exigido pela mesma Carta, para o exercício da Regência permanente." 

Prescindirei agora das primeiras observações do A. sobre a injustiça, com que são tratados os heróis, (e bem heróis!) defensores da Terceira, e Conquistadores da Ilha de S. Miguel, e que tendo-se ilustrado por acções gloriosas, já antes que fosse instalada a Regência da Terceira, mereciam uma penada encomiastica no grande Manifesto, e só aproveitarei o que se refere imediatamente ao caso principal, isto é, se a Regência compete, ou não compete a D. Pedro.

"O Senhor Duque de Bragança (é o A. quem fala) declara positivamente, que reassume a autoridade, que estava depositada na Regência da Ilha Terceira; e poderá alguém sustentar, que ea tenha sido a Regência da Carta, e por consequência um Governo Legítimo? Não o era na substância, porque a sua autoridade só dimanou de um poder puramente natural, e derivado do direito público geral, sem nenhum carácter político, o que o Senhor Duque de Bragança foi o primeiro a confessar, quando pelo Decreto da criação da Regência em data de 15 de Junho de 1829, ratificando a sua abdicação, declarou, que só pelas extraordinárias, e imprevistas circunstâncias, em que se achava o Reino de Portugal, ele como Tutor, e natural Protector de Sua Filha, criava aquela Regência. Não o era nas formas, porque nenhum dos indivíduos, que compuseram aquela Regência, tinha as qualidades especificadas na Carta para preencher este alto emprego. Não era portanto aquela Regência mais do que um Governo de circunstâncias extraordinárias, e imprevistas, como bem a denomina o Decreto da sua criação; e por isso hum Governo, que não podia durar senão em quanto durasse a usurpação, ou em quanto a Carta assim como toda a Nação (Maçónica) estivessem em cativeiro. Sendo isto uma verdade inquestionável, como pode o Senhor Duque de Bragança, declarando ir reassumir a autoridade da Regência, ser considerado como Governo legitimo, segundo a Carta? Se a Regência o não era, por esse princípio também ele o não pode ser."
Segue-se o desenvolvimento destes primeiros raciocínios, que a pag. 6 crescem, e aumentam em força por este modo.

D. Maria da Glória (D. Maria "II")
"Às razões, que tenho dado para mostrar, que o Governo Legitimo (faltam um i e um l no começo desta palavra, segundo a melhor ortografia) da Senhora D. Maria II não pode ser exercido por seu Pai o Senhor Duque de Bragança, parecem adquirir ainda maior força por outras palavras deste mesmo parágrafo, nas quais apesar de toda a ambiguidade em que nesta parte está concebido, talvez por acaso, se encontra uma mui palpável, e grande contradição. Dá-se primeiro como certa a legitimidade do Governo do Senhor Duque de Bragança pelas palavras = estabelecido em Portugal o Governo legítimo =, e logo depois se acrescenta, que ele imediatamente convocará as Cortes Gerais, para deliberarem, se deve continuar no exercício dos direitos designados no Artigo 92 da Carta. Mas se o Governo, que o Senhor Duque de Bragança vai assumir; nem é o da Regência Provisional do Artigo 94 da Carta, nem o da Regência permanente do  do Artigo 92, porque ainda as Cortes hão de deliberar sobre a sua legalidade, como se pode esse Governo denominar legítimo? Ou a autoridade, com que o Senhor D. Pedro Duque de Bragança intenta convocar as Cortes é legítima, e como tal conforme com  o que se determina no Artigo 92, ou não é? No primeiro caso não precisam as Cortes deliberar sobre este ponto; porque se a podia assumir legalmente, também a pode continuar; no segundo se essa autoridade, exercida de facto é contrária ao mesmo Artigo 92, ou ainda mesmo pode ser duvidosa, as primeiras Cortes convocadas não podem ser juízes competentes nesta matéria. A Questão toda se reduz à simples fórmula seguinte: É o Senhor D. Pedro Duque de Bragança o Parente mais chegado na Ordem da Sucessão? A esta pergunta já deu resposta o mesmo Senhor Duque de Bragança no perambulo do seu Decreto de 15 de Junho de 1829, quando por ele nomeou a Regência da Terceira. As suas palavras são literalmente as seguintes. "Havendo eu pelo meu Real Decreto de 3 de Março do ano próximo passado ordenado, que os Reinos de Portugal, Algarves, e seus Domínios fossem governados em nome da minha muito amada, e querida Filha D. Maria 2ª, já anteriormente sua Rainha na forma da Carta Constitucional, por mim dada para aquela Monarquia, e ali jurada pelo Clero, Nobreza, e Povo, declarando eu mui expressamente ser chegado o tempo, em que minha alta Sabedoria (Que tal é o Salomão Brasileiro?) havia marcado para completar a minha abdicação à Coroa Portuguesa, e não pretender mais direito algum à mesma Coroa, e seus Domínios, aconteceu.......

"Desta resposta se podem portanto tirar duas importantes consequências: 1ª que abdicando expressamente o Senhor Duque de Bragança a Coroa Portuguesa, e declarando não pretender ter mais direito a ela, e seus Domínios, se excluiu ele mesmo da Ordem de Sucessão, e já não pode ser incluído entre as pessoas marcadas no Artigo 92 da Carta. 2ª Que, para que o mesmo Senhor Duque de Bragança possa exercer um Governo Legitimo, como Regente do Reino na menoridade da sua Filha é necessário, que as Cortes Gerais, com poderes constituintes, modifiquem, ou alterem o Artigo 92 da Carta. Podem porém fazer esta alteração, ou modificação na Carta? Respondo, que não; e provo com os Artigos seguintes da mesma Carta.

Titulo 8.º Artigo 140 - "Se passados 4 anos depois da Jurada Constituição do Reino, se reconhecer, que algum dos seus Artigos merece reforma, se fará a proposição por escrito, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte deles."

Artigo 141 - "A proposição será lida por três vezes, com intervalos de seis dias de uma a outra leitura; e depois da terceira deliberará a Câmara dos Deputados, se poderá ser admitida à discussão, seguindo-se tudo o mais, que é preciso para a formação de uma Lei."

Artigo 148 - "Admitida a discussão, e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedirá a Lei, que será sancionada, e promulgada pelo Rei em forma ordinária, e na qual se ordenará aos Eleitores dos Deputados para a seguinte Legislatura, que nas Procurações lhes confiram especial faculdade, para a pretendida alteração, ou reforma."

Artigo 143 - " Na seguinte Legislatura, e na 1ª Sessão, será a matéria proposta, e discutida; e o que se vencer prevalecerá, para mudança, ou adição à Lei Fundamental, e juntando-se à Constituição, será solenemente promulgada."

Artigo 144 - "É Constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos; e aos Direitos Políticos, e individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas pelas Legislaturas Ordinárias"

"Segundo a doutrina de todos estes Artigos, uma vez que no seu mesmo Manifesto reconhece o Senhor Duque de Bragança não poder tomar a Regência permanente do Reino, sem que as Cortes Gerais deliberem, e afirmativamente resolvam, se isso é conveniente, ou legal, é de toda a evidência, que esta questão não pode ser resolvida pelas primeiras Cortes convocadas; pois que a matéria, sobre que elas tem de deliberar, é Constitucional, porque versa sobre a restituição dos Direitos Políticos, a que o mesmo Senhor Duque de Bragança voluntariamente  renunciou pelos seus reiterados actos de abdicação, e formal renúncia a todo o Direito, que podia ter sobre a Coroa de Portugal, e seus Domínios.

Ainda outra dificuldade se poderia excitar no caso que o Senhor Duque de Bragança quisesse exercer a Regência temporal do Reino, depois de haver debelado a usurpação, e ter aclamado a autoridade legítima da sua Filha, a Senhora D. Maria 2.ª Consiste esta dificuldade no mesmo chamamento, ou convocação das Cortes Gerais, que na conformidade da Carta se compõe de uma Câmara de Deputados, e outra de Pares. A maioria desta, como bem o disse o Senhor Duque de Bragança no seu citado Decreto de 15 de Junho de 1829, abdicou voluntariamente a sua dignidade, em consequência do seu mui notório prejuízo; e portanto só dela resta fiel a seus juramentos uma pequena fracção! E será por ventura esta suficiente para agora constituir a mesma Câmara? É verdade, que a Carta não marca número certo, e segundo a letra da Lei meia dúzia, ou uma dúzia de indivíduos a podem compor: Contudo será isto prudente, ou ao menos conforme ao exercício das funções,  que ela tem de exercer? Então sendo necessário, anda que mais não seja, senão por motivos de conveniência, que ela se aumente, e reorganize, quem legalmente a poderá nomear? Esta nomeação, pelo artigo 74 da Carta Titulo 5.º pertence ao Rei, em virtude do Poder Moderador; e poderá neste caso haver-se por Legitimo † o Governo do Senhor Duque de Bragança, para exercer este poder, sem ter dado o Juramento como Regente? Julgo que não: e pois que só do consentimento das Cortes depende este Juramento, é esta, como já mencionei, uma nova dificuldade, que se opõe à Regência temporária do Senhor Duque de Bragança, depois de debelada a Usurpação. E além disto, seria cousa legal, e até decente, que ele fosse o mesmo, que nomeasse os Juízes, que o haviam de julgar?

Tenho exposto francamente a minha opinião sobre este assunto, que para mim é da maior importância; e satisfeito com ter cumprido com o meu dever, não curo do modo porque ela pode ser recebida, e interpretada por aqueles, que a tivessem contraria. Declaro contudo novamente, que não conheço o Senhor D. Pedro Duque de Bragança, nem por injurias, nem por benefícios pessoais; e por isso tudo quanto tenho dito é meramente para elucidar uma questão de geral interesse, que é a não violação da Carta Constitucional, e não para o atacar, ou ofender como individuo , ou como príncipe. O respeito à Carta deve ser para nós todos superior a todas as considerações pessoais, porque violada ela ilegalmente uma vez, perde toda a sua castidade política, bem como deixa de ser casta a donzela, que uma vez se deixou tocar por alguém, que não seja seu marido. Depois deste Culto, todos os mais respeitos consagro ao Senhor Duque de Bragança, não só como Pai da nossa Augusta Jovem Rainha, mas ainda como aquele, que nos restituiu as nossas antigas Liberdades, e com isto tenho dito tudo. -

O Príncipe, que tem a glória, que ninguém lhe pode disputar, de ser o Legislador dos dois Mundos, e que depois de ter dado Constituições Políticas a dois Povos, voluntariamente abdicou duas Coroas, tendo-as antes laureado com o triunfo da liberdade, como pode ter ambição de aspirar a uma dignidade tão inferior às que ele já antes desprezou? Sim, quem abdica voluntariamente à dúplice Coroa de Imperador, e Rei, não pode ter tão pequenas ambições, e por isso não pode também escandalizar, que se lhe questionem direitos, que nem aumentam a  sua glória, nem o podem tornar mais feliz. A mesma posição política, em que ele se acha, e posição, que ainda o liga, por tantos, e tão fortes laços à sua Pátria adoptiva, o Brasil, exigem também uma circunspecção, que talvez muitos dos seus Conselheiros, por um motivo, ou por outro, não lhe tenham ainda feito bem compreender. Assim tudo isto me induz a persuadir-me, que em vez do Senhor Duque de Bragança me levar a mal esta minha Liberdade, talvez antes lá dentro do seu Coração, a aprove, e a julgue ter aparecido a propósito.

Londres, 6 de Março de 1832."

† É preciso que todos nos entendamos. Para que o Governo seja Legítimo não basta, que mande em nome da Legítima Rainha, a Senhora D. Maria 2.ª, é necessário, que seja constituído e organizado segundo a Carta Constitucional."

Assim discorre, e argumenta o A. do Opúsculo, que assentei devia transcrever por inteiro neste último, e por certo o mais curioso fragmento da sua breve, porém victoriosa, e terminante refutação do que é mais essencial no Manifesto de D. Pedro; e se um dos principais traidores a este Príncipe, (titulo que eu mais prezo, do que os de primeira Grandeza nestes Reinos) concorda em princípios neste particular com o mais ilustre Campeão do Sistema Constitucional, quem deixará de reconhecer nesta inesperada harmonia de sentimentos, um anúncio, e um como presságio infalível, de que se a fortuna abandonar D. Pedro, assim como já o tem abandonado a justiça, ele será brevemente o mais desgraçado de todos os homens, assim como já é o mais iníquo de todos os agressores, e invasores da Propriedade, e Soberania alheia?

Ora desde 1820, que eu conheço nos Liberais Portugueses tanta aversão ao Senhor D. MIGUEL, como a D. Pedro, pois uma vez admitida a Soberania do Povo, e rejeitado o que os Pedreiros Livres chamam irrisoriamente Direito Divino, (que nem por isso deixa de ser a única força estável; e permanente, que segura as Coroas na cabeça dos Soberanos "Per me reges regnant") admite-se necessariamente a desautorização, e nulidade dos Reis, que só por favor, ou interinamente, como já disse, devem guardar este nome; porém julgava eu, que os nossos Pedreiros Livres, em razão do interesse actual do seu Partido, fechariam os olhos à intrusão de D. Pedro na Regência, que lhe fariam a própria caridade, que lhe fizeram os seus queridos Brasileiros. Confesso, que me enganei, e postas em  balança as discrepantes sentenças do Aurora, e do Campeão, decidirei afoutament, que o primeiro olhou para os interesses do dia de hoje, como é próprio de quem  não vê as coisas senão metendo-lhas pelos olhos, mas que o segundo estendeu mais ao longe as suas vistas, e quis defender o seu ídolo, e a carta donzelinha dos toques, ou próximas feridas, que não só a desfigurassem, mas que lhe dessem cabo até dos últimos alentos vitais.... Se D. Pedro (quod absit) chegasse a ocupar o Trono Lusitano, podiam chegar-lhe vivíssimos desejos, e fortíssimas tentações de reinar, como reinaram os seus Maiores, e neste caso (bem para temer enquanto a maioria do Povo Português teima em não ir buscar lume a casa dos Pedreiros Livres, para acender as suas candeias)  neste caso digo, adeus cara Dulcineia, adeus Constituição.... Os Liberais, e Pedreiros Livres, por mais que os Príncipes, e os Grandes afectem protecção, e lealdade à Seita, reservam constantemente no fundo de alma este principio "Os Reis, e os Grandes são uns traidores natos porque até o próprio nascimento os faz traidores à causa da humanidade," Esta é a voz unânime dos Pedreiros, que por isso não admitem lá os Reis, e os Grandes senão para alentarem a Seita, pois logo que se considerem seguros, não os querem lá, nem para Varredores, ou Porteiros das Lojas......

Não admirem pois os meus Leitores, de que a Aurora seja míope, e de vista mais curta, que se pode imaginar; pois logo que se lhe mete na cabeça o querer ver ao longe, vê o desembarque de D. Pedro na Ilha Terceira, com oito dias de viagem; e o que ainda é mais, ouve claramente os Vivas ali entoados à chegada, e a Regência do Primogénito da Casa de Bragança. É muito ver, ou muito abusar da paciência do Grande Oriente de Lisboa, que por baixo de mão divulga estes Papeis, e com um recato, e apreço tal, que nem que se eles fossem a primeira Edição do Decamerone de Bocácio, que em 1802 foi comprada em Londres por 2260 Libras Esterlinas, sucesso tão plausível para a Babilónia Inglesa, que no  Roxburg Club, é celebrada anualmente a importantíssima aquisição deste preciosíssimo tesouro, e como o número das saúdes chega nesta ocasião a dez, e a virar, é de crer, e salvo todo o perigo de satisfação, que as Leis da temperança Cristã são pouco observadas neste dia.

Lisboa 29 de Março de 1832

Fr. Fortunato de S. Boaventura.

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