22/02/15

CARTA DE UM VASSALO NOBRE AO SEU REI (I)

CARTA
DE
UM VASSALO NOBRE
AO
SEU REI

Duas Respostas à Mesma,

NAS QUAIS SE PROVA QUAIS SÃO AS CLASSES
MAIS ÚTEIS DO ESTADO.


(pelo Pe. José Agostinho de Macedo)

LISBOA
1820


I CARTA
De Um Vassalo Nobre ao Seu Rei

A Paz geral da Europa, traz consigo o sossego das armas; mas as questões que os sediciosos excitaram, não se decidiram: os males políticos que causaram, não se acabarão, e hão de produzir uma crise violenta, se os Reis, e os Grandes não derem as mãos para dissipar esse fenómeno fatal da dissolução das Monarquias. (Note-se, que a presente Carta, não foi escrita na época da Revolução Francesa, mas [...?] ou 16 anos depois.)

Tratar aos Príncipes com a verdade, é tão rigorosa obrigação, que em quase todos os Códigos se encontra a pena de morte para os que mentem ao seu Rei. Eu bem sei, Senhor, que esta verdade se requer no Vassalo, quando é consultado; mas quando as circunstâncias apertam, quando um verdadeiro zelo fala, não há que recear falar de respeito, porque a grandeza do Reino, não pode manter com o mais escrupuloso acatamento o Autor da ordem Política, que é o Soberano.

Esta preciosa liga do Príncipe, e seus Magnatas, esta dependência mútua dos Reis, e seus imediatos, é um terrível obstáculo para os malvados, que pretendem de salto conseguir as honras, sem trabalho de as merecer; e não querendo subir às Hierarquias pelo antigo, e honrado preço de nossos maiores, intentarão fazer um perigoso cisma entre os Reis, e os primeiros súbditos. Este cisma foi introduzido com muita arte, e este artifício deve descobrir-se ao Pai comum da Nação para que não lavrem entre nós os males que incendiaram a Europa, e abalaram quase todos os Tronos.

Eis aqui, meu Senhor, o que me obrigou a escrever este papel, cheio de lealdade, de respeito, e de amor ao meu Soberano, que, por fortuna nossa, não tem nenhum vício, é cheio de virtudes Reais, e passa a maior parte da sua vida no laborioso exercício do seu Augusto Ministério.

O primeiro artifício consistiu em perseguir as Corporações Religiosas, que são intimamente unidas com a Nobreza, e com ela conspiram ainda para a felicidade temporal dos Povos. A educação Religiosa, e civil, a melhor cultura das terras, a perpetuidade de sua duração, antiguidade de seu estabelecimento, e sobre tudo a Santidade de seu Ministério, tudo convidava a serem perseguidos homens a quem importava a existência da Monarquia. Querendo pôr os Frades em descrédito, notaram os seus abusos, e fraquezas, e viram-se com admiração gentes, que não criam em Deus, serem muito zelosas da observância da Lei, que detestavam. Toquei este objecto neste lugar, o mais digno, e não me demoro neste assunto, porque a Piedade dos nossos Reis afiança nesta parte a nossa fortuna. Além de que os tesouros, o descobrimento do Oriente do Senhor D. Manuel, e as Minas do Senhor D. João V são provas de que o Omnipotente enriqueceu os Fundadores dos estabelecimentos, religiosamente consagrados ao seu Santo Nome.

O segundo artifício dos perturbadores do sossego do Estado consiste em persuadir aos Príncipes, quanto eram intolerantes as etiquetas da Côrte; quanto embaraçavam à popularidade que os Soberanos ganham, cedendo do esplendor do Trono, para se fazerem mais acessíveis a seus humildes Vassalos, e até para se divertirem sem o peso de um triste cerimonial.

Ah! Senhor! Como são astutos os sistemas dos Cortesãos, quando não tem por objecto o sólido bem de quem os honra com a sua privança! O conhecimento do coração humano, e a ordem necessária para a duração do Governo, qualquer que ele fosse, obrigou a dor uma forma Política aos Estados, revestida de certas exterioridades, mais indispensáveis nas Monarquias. Ninguém diz que o que é substancialmente do Caracter do Rei, necessite de externo aparato para a nossa vassalagem, mas também ninguém me pode negar, que é necessário conformar-mo-nos com a debilidade dos nossos sentidos, e fazer-lhes respeitar o que é respeitável. Bem o entenderam assim em todas as idades os espíritos revolucionários, e por isso Gregos, Romanos, e Franceses, depois de pregarem a abolição das etiquetas, vida frugal, igualdade de condições, quando por fruto destas sediciosas práticas destruíram os Governos estabelecidos, apareciam os Imperantes com muito maior cortejo, e o Povo, instrumento cego de todas as desordens, sofria lei mais dura, contente com a mudança de nome. Convencidos todos os homens do quanto importa a cerimonial do Paço; para infundir o maior respeito àquele que nos dá Lei, e que a há de fazer executar, ainda resta mostrar, quanto interessa ao Rei, e à Sociedade, a boa, e invariável regra deste mesmo cerimonial.

O desejo de distinguir-se na Sociedade é paixão comum, e de que pode tirar-se grande partido. O Cofre do Rei mais poderoso, é fácil esgotar-se na menor calamidade: como poderá então um Príncipe Justo ter vassalos beneméritos, sem o tesouro importante das distinções! Os Campos da África alagaram-se de sangue, para que nossos Avós tivessem Comendas, e Governos. Os riscos do Oriente buscavam-se, para entrar depois de serviços próprios, ou herdados na casa do Docel. Um sinal sensível da estima do Rei, é uma autêntica, ou um modo de fazer invariável a avaliação do Público, ou de acreditar quanto reputa com justiça o merecimento do Cidadão. Mas como o que chamamos reputação, sendo o mais nobre preço de acções, não basta para alimentar as virtudes, por isso o Chefe da Nação uniu a estes sinais de distinção algumas utilidades sensíveis. os sinais de distinção consistem especialmente no modo pelo qual o Vassalo é considerado pelo Rei, ou Paço, ou Trono, ou nos Tribunais. Eis aqui pois a origem do cerimonial, e a sua importância; o decoro do Rei o necessita; e como acções nobres nobremente devem pagar-se, sem distinção, o Trono de V. Alteza Real, nem será elevado, nem seguro.

No infeliz século, que há pouco acabou, e que nos quis acabar, convidavam os Filósofos os Reis a serem homens, para os homens serem Reis, e o pior é que o conseguiram. A humanidade, Senhor, é muito diferente da familiaridade, e como a igualdade natural não pode sustentar-se dois dias em qualquer sociedade, devem os Reis, à imitação de Deus, sustentar o seu alto respeito em benefício da Ordem Pública, e promover as Ordens, e Hierarquias do Estado, que não podem durar, sem se conservarem os sítios políticos, e cerimoniais da Côrte, que ainda quando são penosos, custam com tudo mais aos que os não sofrem, e por isso os pretendem destruir, com inveja, ainda mais vil que o seu nascimento.

Vossa Alteza Real, mesmo quando por sua incomparável Generosidade despacha o representante de alguma antiga Família, quase sempre usa da expressão: "Por esperar que me sirva como como aqueles de quem vem", Eu fui Senhor, um destes, e animado do zelo de meus maiores, e do que me inspiram os meus iguais, dos quais em amor, e respeito a Vossa Alteza Real, estimo não me poder distinguir, venho a beijar Seus Reais Pés, e dizer-lhe com juramento, que a Sua causa é a nossa, a Sua Vida a nossa felicidade, e o nosso interesse a segurança da Monarquia.

O Marquês de .....

(a continuar)

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde

como vc sabe que a carta e do padre jose agostinho de macedo?

anónimo disse...

Deste artigo publicado em 2015, não temos presente e para já memória para a questão colocada.

Com os melhores cumprimentos,
Pedro Oliveira

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