22/12/14

DOUTRINA MÍSTICA DE Sto. ANTÓNIO (I)

(fonte: Voz de S. António - Revista Mensal Illustrada; Janeiro de 1895)

Sto. António de Lisboa

INTRODUÇÃO

"É indubitável que as fontes da doutrina mística, pela qual o homem aprende a elevar-se das criaturas ao Criador, e a viver em união contínua com Deus, cuja imagem vê brilhante reflectida em todas as coisas, são os grandes santos, que souberem, praticaram e ensinaram essa doutrina.

No céu resplandecente da Igreja Católica veneram-se formosos astros de primeira grandeza que deixaram após de si uma trajetória luminosa de santíssima doutrina que ainda hoje ilumina o caminho que da terra conduz ao Céu, e serve de guia aos viajantes para a eterna bemaventurança.

Por pouco versado que se seja no estudo da mística, não se desconhecem os nomes dos principais mestres da arte dificílima de conduzir as almas pelo caminho da perfeição. Desde os primeiros séculos da Igreja se distinguiram nesta ciência, entre outros, para os não citar, a todos, os dois grandes Cirilos e os dois Gregórios, depois o inexcedível Santo Agostinho e o apostólico S. João Crisóstomo, S. Jerónimo, S. Basílio, S. Dionísio, S. Epifânio, etc., etc..

Mais tarde o melífulo S. Bernardo, entre muitos outros do seu tempo. No séc. XIII, o Doutor Seráfico São Boaventura, o teólogo místico por excelência e o angélico S. Tomás, o devotíssimo e subtilíssimo João Duns Scoto, Alexandre d'Alles e Alberto Magno, Ricardo de Mediavilla, e depois Raimundo Lullo e Nicolau de Lira, etc. e ultimamente Santo Afonso e S. Francisco de Salles.

As obras destes grandes homens não pereceram com eles, porque não haviam sido compostas só para os seus dias, e os raios benéficos da sua doutrina não foram como os do sol, que deixam de aquecer a terra apenas ele se esconde no oceano. Todavia, este imponente quadro de sábios doutores e exímios mestres da arte sublime de conduzir almas à perfeição ficaria incompleto e portanto imperfeito, se não juntássemos ao grupo dos grandes homens do séc XIII um vulto proeminente, que, por si só, bastava para glorificar não um somente, mas ainda muitos séculos, como bastou para ganhar milhares de almas para Deus! Refiro-me ao armário das Sagradas Escrituras e nova Arca do Testamento, Santo António de Lisboa!

Ao ver colocar a António no número dos grandes doutores, e logo no meio dos do séc. XIII, em que os houve maiores, talvez a admiração se desperte em mais de um leitor.

Pois não há porque admirar-se; nem somos o primeiro a fazê-lo, e portanto já não tem sequer a graça de novidade. Muito antes de nós, se bem que já depois do meado do presente século, uma assembleia respeitadíssima [Capítulo Geral de Roma, a 12 de Maio de 1856] formada pelo que então havia de mais distinto em letras e virtude em toda a Ordem Franciscana, reunida em Roma e presidida pelo próprio Romano Pontífice, o Imortal Pio IX, emitiu o voto de solicitar da Santa Sé o título de Doutor da Igreja para o grande apóstolo franciscano e ilustre filho de Lisboa.

Não se estranhe, pois, que um português deseje ver honrada a sua pátria, quando os estranhos a querem tão dignamente enaltecer!

Mas, não seria bastante o amor pátrio para nos mover a colar a António entre os grandes mestres da teologia mística, como não foi tão pouco o amor pátrio que levou a mencionada assembleia a desejar cingir a fronte de António como a brilhante laurea doutoral, e não fosse a profundidade da sua doutrina e a santidade da sua vida! Se o nome de António não vem a cada passo citado nos livros de Teologia ou de Mística, deve unicamente atribuir-se, a meu ver, à raridade das suas obras, que além disso tiveram a infelicidade de jazer pelo espaço de 4 séculos sepultadas debaixo do pó dos arquivos, até que mão solícita e estudiosa as foi, por acaso, desenterrar! mas, se os escritos do portentoso apóstolo jaziam ignorados, não o estava a sua doutrina, que a tradição transmitira, e, facto prodigioso! transmite ainda hoje, de pais a filhos, não obstante a distância de sete séculos. Ficou profundamente gravada no coração de quantos o escutaram e com ele viveram, e por essa doutrina firmavam as virtudes do mestre, e cresciam na devoção para com ele.

Sim, amados leitores, a devoção universal, espontânea, para com o grande Taumaturgo, não é uma devoção leviana, despertada por um entusiasmo qualquer, de que muitas vezes se não conhece o verdadeiro motor; não é, uma devoção convicta, inabalável, que procede da persuasão do extraordinário poder de António perante Deus, proveniente da sua grande virtude e santidade de vida, não menos que da sua potentosa ciência, que o tornou o oráculo dos séculos!

Frutos desta crença firme na virtude, no poder e na doutrina de António, são o espírito e o zelo apostólico dessa plêiade grandiosa [o número dos missionários franciscanos, é hoje (1895) de 3000, espalhados principalmente pela Ásia e pela América] de ardentes missionários filhos de Francisco de Assis e irmãos do glorioso António de Lisboa, que, há sete séculos, não cessam de levar a toda a parte, ainda mesmo às inóspitas pragas e impenetráveis brejos da Ásia, da África e da América, a luz do Evangelho, sobre o candelabro que António lhes deixou acesso com o seu exemplo de santidade na vida, e ilustração pela doutrina. É esta a explicação de se achar esta devoção ao Santo Taumaturgo profundamente arreigada no espírito e no coração de quantos ouviram o doce nome de Jesus pronunciado pelo missionário, o qual, ao mesmo tempo que ensinava o gentio a conhecer e a adorar a Jesus, Pai e Redentor de todos os homens, ensinava-o também a amar a António, seu irmão, a fim de que tivesse um advogado poderoso e solícito junto do trono de Deus.

Enganar-se-ia redondamente quem não visse em António mais do que um agitador das turbas, pelos prodígios extraordinários que acompanhavam seus passos por toda a parte, ou um simples artista da palavra, que subjugava as massas populares pela força da eloquência natural e pelo entusiasmo que despertava nos povos, à vista das maravilhas, que, como por encanto, se operavam ao menos aceno da sua vontade.

(continuação, II parte)

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