26/11/14

CARTA DE EMIGRADO - SOBRE O IMPERADOR D. PEDRO I (III)

(continuação da II parte)

NOTAS:

(1) O nosso amigo de Pais fala com conhecimento de causa. Nós fomos um dos iludidos, é forçoso confessá-lo; e, vítima de pérfidos conselhos, bem caro nos custou o desengano. Depois de muitos desgostos, incómodos, perigos, e despesas fomos testemunhar ao Rio de Janeiro o contrário daquilo que se fazia acreditar na Europa a respeito do liberalismo do perpétuo defensor Constitucional do Brasil. O que nós vimos, o que ouvimos, e os documentos que coligimos, no decurso de cinco meses que nos demoramos no Rio, seria já bastante a constituir o ex-Imperador do Brasil um verdadeiro monstro; não se passava um só dia em que ele nos não desse evidentes provas do seu ódio contra aqueles, que tão cegamente o tinham apelidado Rei, esquecendo-se dos seus crimes!

Sobre tudo o que mais nos irritou, não foram os elogios que ele faria às cartas impressas do Padre José Agostinho de Macedo, (que nelas o embaraçavam e aos Carteiros) a quem chamava digno, e sábio, fazendo escrever isto mesmo num periódico chamado "Gazeta do Brasil" por ele, por Francisco Gomes da Silva, Vulgo, o Chalaça, e outros, redigida - (e façam ideia que tal seria!) - nem tão pouco as grosseiras, e baixas injúrias, que, umas vezes, proferia na Barraca de S. Cristóvão ["barraca" porque o palácio ainda era de madeira, nesse tempo, sendo esse o nome próprio nestas ocasiões], e outros, fazia publicar na dita Gazeta contra brasileiros, que respiravam honra, e amor de Pátria - ou o uso da fita preta, que lhe levou de presente João da Rocha Pinto, em resultado da sua comissão, quando veio à Europa na nau D. João VI; fita de que logo usaram todos aquele dos seus satélites, que, já então, traziam afiados os punhais com os quais se devia assassinar a Constituição brasileira - nada disto nos irritou, porque em fim podiam ser desvarios, e erros, não nascidos do coração, mas do espírito; o que nos inquietou, e muito, foi a felicitação de proprietários, e pessoas ricas, para o Brasil! Estas são as formais palavras da Gazeta "proprietários, e pessoas ricas". E quereriam esses infelizes, que foram ao Rio de Janeiro, que o seu verdugo os recebesse bem? Eram eles por ventura "proprietários, e pessoas ricas"? Ele vai coerente na marcha dos seus vícios, e dos seus crimes; e com um tal chefe tudo se perde. [já então havia pensamento que hoje seria de certo modo favorável à "esquerda"]

(2) A medida de levar os emigrados ao Brasil só podia ser concebida, e posta em prática com aqueles que têm o nome, mas não o coração português.

Diz-se-lhes em uma ordem do dia "que só na Côrte do augusto Imperador eles achariam, não uma simples hospitalidade, mas acolhimento, fraternidade, protecção, e sobre tudo abundância de recursos, e uma base larga, e sólida, etc.". E qual foi o acolhimento, e a protecção que os emigrados encontraram no augusto Imperador? O serem conservados abordo oito dias depois de uma viagem longa, depois de muitas privações, e padecimentos! O desembarcarem debaixo de inspecções do Monsenhor Miranda, Inspector da Colonização estrangeira, como outrora desembarcaram os calcetas napolitanos, e os facinorosos das cadeias a Alemanha! O serem conduzidos a um Barracão na rua de S. Joaquim, onde, em vez da prometida hospitalidade, e fraternidade, só encontraram repatriamentos, e divisões de madeira próprias para escravos! O serem socorridos por meio de uma pública subscrição, para não perecerem à fome e à miséria! O serem olhados e tratados com desprezo, depois de tantos sacrifícios, e infortúnios, por aquele que se dizia Rei legítimo! E note-se que o Rei legítimo recomendava neste momento à Câmara a Lei da colonização!

E como foram recebidos em Londres aqueles, que a seu tempo ainda não eram colonos, nem escravos? Que palavras de cortesia, ou de consolação ouviram de sua boca? E continuaram a ir a Clarendon Hotel, não tingidos de preto, porém com a mesma cara! E são estes o proclamadores da liberdade? Que infames!

(3) O homem das dragonas, e das botas à Frederica que, para ser um verdadeiro dragão das guardas brasileiras, só lhe faltava andar vestido de verde e amarelo, e a cavalo num cão.

(4) O acto da usurpação é patente; as intenções, e o fim não manifestos; tudo o que é falso, e contrário à honra, e à boa fé, é o que se apresenta; os opressores são apontados, a opressão continua, e cresce: todos sentem isso, todos conhecem isto... e só o Avô dos emigrados não sente, nem vê isto? É forte cegueira!

+ Quando este são os elementos, e as coisas têm chegado a tal estado de degradação, não há independência, nem liberdade: e então resta ainda saber, se por ventura os nossos contrários foram os nosso mais cruéis inimigos?

(5) Queixa-se de uma usurpação; e confessa neste mesmo papel a usurpação, que acaba de cometer!

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES