24/07/14

ALA LIBERAL, no "O CHAVECO LIBERAL"

Dedico este artigo a certo grupo da actualidade, que recebeu e espalhou no Brasil um conceito mutilado de "liberalismo".

Acontece que, no dito grupo, uma voz mais elevada foi consultada para explicar o que é o "liberalismo". A excelentíssima voz, de forma resumida e muito bem colocada, tratou de definir o conceito, e bem. Mas no dito grupo havia comichão, porque tinha um certo português denunciado como liberal certa opinião dada por um órgão de divulgação do mesmo grupo, e tinha o mesmo português feito menção da "cultura liberal" onde o Brasil está assente oficialmente desde D. Pedro I, assentamento do qual se tem de desfazer e recuperar as suas profundas raízes da civilização católica lusa. Eis que, em vez de admitirem o problema e combatê-lo, as cabeças principais do dito grupo começaram a fazer o oposto com o seguinte engenho: propagar um mutilado conceito de "liberalismo", de tal forma que não seja mais identificável, nem aplicável, nem distinto de outras tantas coisas de alguma semelhança! Começaram as ditas cabeças a reduzir o liberalismo ao pecado, imagine-se! E de tal forma fizeram a mutilação, que com ela arrastaram também a doutrina, ou a comprometeram, dificultando na prática aos seus discípulos, por exemplo, a distinção entre "pecado culpável" e "pecado não culpável", no dia em que a coerência lhe assopre.

E onde fica aquela primeira explicação e definição dadas pela excelentíssima voz, a quem o grupo diz seguir!? A excelentíssima voz veio depois a repetir as vozes das ditas cabeças, certamente depois de sofrer doces condicionamentos! Valha-nos Deus! ...

Há que motivar estes senhores para voltarem à verdade da definição, se mutações estratégicas, e que voltem àquela definição inicial dada e explicada pela excelentíssima voz! Saibam os seguidores, porque se as cabeças sabem não significa que os seguidores saibam, que LIBERALISMO não é APENAS aquilo que vos estão a contar, nem a forma com que agora a vós o definem é definição (visto que com esta suposta definição muitas outras coisas diferentes cabem nela e que não são liberalismo). A nova definição mutilada é panaceia para tudo: nela cabe tudo o que é mau subjectivamente. E outro aspecto da nova definição é que tapa os olhos a tudo o que é mal objectivo, o que cria novo problema, porque seria equivalente a cair no erro dos modernistas do nosso tempo que negam na prática a existência objectiva do pecado.

Caros seguidores dos outros, o liberalismo é pecado culpável apenas, é pecado não culpável apenas, ou um e outro!? ... Se vos derem reposta, contai-me o resultado, que eu darei continuidade à análise do problema! Contudo, já para verdes que as cabeças andam esquecidas, lembro-vos que houve partidos liberais, constituições liberais, monarquias liberais, e todos estes a si se chamaram "liberais". Podereis pensar então que todos eles tinham intenção culpável de ir contra Deus..., pois este pensamento seria uma construção consequente dentro da linha do que vos têm dito... Mas, não! A realidade é outra, tanto que no séc. XIX havia clero que tomou o lado do partido liberal, pregando nos púlpitos em favor do liberalismo (ideias e medidas) e do partido e correntes liberais. Qual o motivo de terem aquelas cabeças retirado ao liberalismo todo o seu efeito social, político, religioso, e nem sequer sobrando a definição enquanto ideia!? Porque dissolveram eles o conceito numa pãdefinição em que quase tudo cabe e que nada define!? ... Quem poderia estar interessado em superficializar o "liberalismo" fazendo dele praticamente nada ou qualquer coisa!? ... Não foi o "império" liberal do séc. XIX o calar das monarquias católicas!? Não foi o "império" liberal do séc. XIX um quase "reinado social do Anticristo"!? ... Não foi isso a encarnação do liberalismo nos órgãos de poder anteriormente católicos, e não é isto também liberalismo!?

Enfim...! Para ilustrar um pouco, trago-vos parte do nº1 do "O Chaveco Liberal", editado a 9 de Setembro de 1829, por liberais portugueses que em Portugal tentavam destruir a última resistência de um Reino Católico: Portugal. Assim começa:


"O'er the glad waters of the dark blue sea,
Our thoughts as boundless, and our souls as free" - Byron

BOTA-FORA DO CHAVECO 

"Mais qu'a-t-il a fair à bord de cette galere?" - Molier

O que vimos nós fazer a bordo deste chaveco? - Boa pergunta, Sr. Público! (Ja se vê que falamos com o público; assim nos oiça ele) - Vimos a bordo do chaveco porque somos a tripulação dele, arrais e mais companha, e com a ajuda de Deus pretendemos sair a corso ao primeiro vento favorável: - A corso, ainda assim, com toda a legalidade possível, que nem o próprio Vatel saberia disputar. (...) Não senhor: nós cá somos e declaramos ser O CHAVECO LIBERAL; içamos bandeira portuguesa constitucional; e levamos carta-de-marca em boa e devida forma; e pela Senhora D. maria II saimos a corso contra todo o inimigo seu dela, e da liberdade constitucional que defendemos com tanto coração e vontade como os Soberanos, por quem nos veio, e que por ela, e com ela há-de reinar. Portanto, nosso Arraes, gente às vergas e ás portinholas, e neste nosso primeiro bota-fora haja salva real com os vivas dos costume: e viva a Senhora D. maria II, e viva a Carta Constitucional! - Boa viagem, e vá o chaveco ao mar!

[...]

Barco rijo e veleiro, bem armado, e guarnecido de gente fiel e decidida, não tem medo nem à Invencível-Armada, que ressuscitasse dos pegos da Mancha.

Assim dispostos e determinados, vamos soltar o pano e remo, e:

Largar, aos mares!

Livres corramos pelas ondas livres
Do Oceano indomado por tiranos,
Livre como saiu das mãos do Eterno,
Sua feitura única no globo
Que ímpias mãos d'homem não puderam ainda
Avassalar, destruir .........

... segundo disse um poeta melancólico e zangado com as coisas deste mundo, que, se o apanharmos em algum dos nossos cruzeiros, o havemos de ensinar a ser bom-vivant e a dar dois trincos para o mau humor, que no conceito de outro poeta de mais juízo é eficaz remédio para expelir cuidados e afugentar maus humores ...

Siceis nam omnia Deus proposuit

E este será o único castigo que lhe daremos: que a nossa gente é humana e cristã - para prova até capelão temos a bordo (e por sinal que não quer subir na hierarquia) - gente que dá quartel a todo o inimigo que se rende, e sobre tudo que se converte.

Excepto ... - "Excepto a quem?" propôs o outro dia o nos arraes em rancho pleno. "Excepto a D. Miguel" - respondeu a companha toda. A esse montro, nem leis de mar, nem de terra, nem humanas, nem divinas, nem civís, nem naturais o defendem. Fora de todas as leis por seus crimes, banido da espécie humana por seus vícios, nem como príncipe - nem como português, nem como homem o consideramos já. Trate-o como tal e reconheça-o príncipe quem com ele ainda quer alguma coisa: nós os do Chaveco Liberal só queremos guerra, guerra de sangue e morte, guerra até que os portugueses desenganados de uma vez se resolvam a pô-lo no patíbulo  única elevação, altura, ou alteza que lhe compete.

Quanto aos mais, saibam os portugueses de todas as opiniões (distinguimos entre opinião e partido) que com ninguém, e com nenhuma queremos guerra. Desejamos a liberdade de nossa pátria, mas não vamos questionar de formas e disputar de palavras com ninguém; as coisas e o sólido delas é a nossa devisa. A uns parece conveniente dar mais latitude à acção popular na monarquia;  outros quiseram mais amplitude nas prerrogativas Reais; uns julgam necessária mais, outros menos ascendência no poder intermediário da aristocracia legal: uns se inclinam mais para as formas antigas - talvez antiquadas - da velha monarquia; outros pendem para os princípios mais puramente representativos da monarquia moderada. É certo e inquestionável que todos este matizes de opinião existem; e assim como dizem os mais hábeis e liberais publicistas do nosso século, que na legislatura de uma nação todas as opiniões - até preconceitos - devem ser representadas; assim também, dizemos nós, a nenhuma se deve fazer guerra, principalmente quando a união é mais precisa que nunca. Felizmente em Portugal já não precisamos de disputar de princípios constitutivos, nem de assembleias constituintes: temos lei, lei por quem a podia dar, lei que não é obra de um partido, - temos a CARTA, e só a Carta queremos. E não digo "nada mais, e nada menos" por me não parecer com o bravo destruidor da república, não de Platão, mas de Bastos, o célebre orador da viruleta filípica, sive Catilinaria, contra Catilina transmonatano (Catilina bastardo, ainda assim) - que de ambos diria o poeta: (...)"

Ora bem, este é um humilde e pequeníssimo exemplo entre uma infinidade deles. Depois do lembrete, não é esperado que as cabeças pensantes do tal grupo continuem a ocultar que no séc. XIX deu-se a vitória do liberalismo por toda a terra, e impôs leis, arrasou a Monarquia propriamente dita (a católica), tinha seus órgãos de difusão e milícias ao seu dispor (as dos Reinos que conquistava ou já conquistados), tinha simpatizantes e partidários no clero, tinha literatura, tinha até neo-Reis e neo-monarquias (fantoches)... Estes liberais chamavam-se a si mesmo "liberais", tanto que o nome do "O Chaveco Liberal" mostra isso mesmo.

Um erro produz efeitos, tal como o liberalismo, tal como o racionalismo, tal como o naturalismo, e tal como o modernismo onde cabem todos porque neste todos são possíveis! Negar que o liberalismo é também com os seus efeitos próprios, com a sua história, com novos erros objectivos associados, é não reconhecer também que a Cristandade teve efeitos (sociais, culturais, políticos, etc)! ... Expliquei-me!? ...

Contra a verdade não se pode levar a verdade!

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