15/06/14

DO VOTO DA OBEDIÊNCIA (I)

DO VOTO DA OBEDIÊNCIA

1. Dizem comummente os teólogos com S. Tomás, que o voto da obediência é promessa, pela qual a religiosa sujeitando a sua própria vontade à do superior, se obriga a obedecê-lo em tudo, que for objecto de virtude da obediência. E adverte S. Bernardo, que há duas obediências religiosas: uma, que chama obediência de perfeição, e consiste em obedecer a tudo, que não for contra Deus, ou ofensa sua: a outra é obediência de necessidade, e se dá quando pontualmente se obedece no que toca às regras, e votos, e não passa a mais: de sorte, que a verdadeira obediente não atende se a coisa mandada está fora da regra, ou além dela, e só cuida em obedecer, não sendo pecado, não querendo para isso mais, que constar-lhe da vontade do Prelado, ainda que não tenha preceito; porém quem não é verdadeiramente obediente, e se contenta só com a obediência de necessidade, não passa de obedecer no que é conforme à Regra expressa, ou tacitamente, ou que seja necessário, útil, ou conveniente à sua observância; porque pelo voto se não obrigou a mais, nem foi a sua tenção no voto obrigar-se a mais.

2. Daqui se infere, que nenhuma Religiosa deve, nem pode obedecer ao Prelado, ou Prelada, quando manda coisa ilícita, ou contra os preceitos Divinos, ou Eclesiásticos, ainda que obriguem só a pecado venial; porque ninguém deve obedecer no caso, que o Prelado pode dispensar na lei, e contra que nela dispensou. Infere-se mais, que a religiosa não está obrigada a obedecer, quando o Prelado, ou Prelada manda coisas inúteis, vãs, e indiferentes, que à observância da Regra não conduzem: nem esta obrigada a obedecer, quando manda coisa meramente temporais para o seu cómodo, ou dos seus parentes; e daqui nas a

3. Primeira pergunta: se duvidando a Religiosa se a coisa mandada pelo Prelado, ou Prelada, é lícita, ou não, deve, ou não obedecer? A comum opinião dos DD. é, que deve obedecer, como consta de vários capítulos de Direito, nos quais se determina, que em dúvida se há de obedecer ao Prelado; porém se limita esta resolução, que se deve entender, quando a coisa mandada não cede em prejuízo de terceiro, nem da própria honra, ou fama; porque ninguém está obrigado a obedecer com tão grave detrimento seu, ou do seu próximo, nem neste caso tem o Prelado direito para mandar, excepto se o crime do próximo for público, ou resultar em prejuízo do comum, porque então tem direito para mandar, e a religiosa deve obedecer.

4. Segunda pergunta: Se tem a religiosa obrigação de obedecer ao Prelado só por saber a sua vontade, sem haver preceito? Se responde, porque não; porque a vontade do Prelado não põe obrigação, em quanto não for manifestada, e só manifestada obriga. De que se segue, que, ainda que o PRelado diga "queria", "seria minha vontade, "ou "teria gosto que fulana fizesse esta obra, ou aquela", não fica por isso obrigada, sem que haja preceito, que a manda; porque na profissão se não promete fazer todas as vontades do Prelado, ou Prelada, senão obedecer ao que mandam, por ser o mandato do superior o objecto próximo da obediência, e a coisa mandada o objecto remoto. Daqui se segue, que a nenhum pecado, nem venial obrigam aquelas coisas, que o Prelado propõe, como de conselho, ainda que seja dos perfeitos obedientes observa-as com a maior pontualidade. Segue-se também, que, quando se falta à Regra, ou regras, que não obrigam nem a culpa venial, nem venialmente se peca; porque na profissão se não obriga a mais, do que a Regra manda: logo como a Regra não manda debaixo de pecado nem venial, nem pecado venial haverá na transgressão. Com tudo, regularmente falando, nestas transgressões, e faltas há culpa venial, porque de ordinário nascem de ociosidade, preguiça, falta do recto fim, e são causa de se faltar à disciplina religiosa.

5. Sem embargo porém quem se não peque nem venialmente, faltando a estas regras, que nem a venial obrigação, estão as delinquentes obrigadas a pena, e castigo posto na Regra, ou dado pelo superior, ou Prelada, e de outra sorte se não podia governar a Comunidade, nem confessar a observância regular na sua perfeição. mas daqui nasce outra dúvida, e vem a ser:

6. Se a Religiosa penitenciada por faltar a uma destas regras, que nem pecado venial obrigam, pecará ao menos venialmente, faltando à penitência dada? É sem dúvida, que sendo a penitência mandada em virtude da obediência, ou em nome de jesus Cristo, que obriga em consciência, conforme a matéria, porque neste caso falta à obediência, que na profissão prometeu. Sendo porém dada absolutamente, e sem a referida forma, a comum opinião dos DD. é, que não obriga em consciência, e só induz uma obrigação regular em ordem ao bom governo, e regímen da comunidade.

7. Terceira pergunta: Se a religiosa, que tem costume de faltar às regras, que obrigam só a pecado venial, ou a nenhum pecado, peca mortalmente, e está com esse costume em estado de pecado mortal? É comum sentir dos DD. que este costume por si não é mortal, nem por si põe a religiosa em estado de pecado mortal. A razão é; porque este costume, e hábito se faltar a estas regras se geram dos actos, que não são pecado mortal: logo nem o costume, nem o hábito chegam a pecado mortal, porque não podem ter, senão o que recebem dos actos, que são somente venialmente pecaminosos, ou sem pecado mais, que faltar à observância regular, como dito fica. Porém per accidens pode ser pecado mortal, e estar a tal religiosa no estado de pecado mortal, senão procurar com diligência, e cuidado emendar estas faltas, e extirpar esses maus costumes: é também doutrina comum dos DD. e a razão, em que se fundam, é, porque todas as vezes, que a religiosa adverte, que das suas faltas resulta grave dano a si, ou à religião, peca mortalmente se o não evitar, podendo. Vivendo esta religiosa no costume de faltar às referidas regras, causa grave dano a su, porque se expõe ao perigo provável de um desprezo formal das regras, julgando-as por frívolas, inúteis, e de pouca consideração, ou de ter ânimo deliberado de se não sujeitar à pena, e resistir ao Prelado, que é desprezo formal, e pecado mortal. Causa também grave dano à religião, porque priva a religião da utilidade, e fruto, que desta religiosa esperava, e com o seu mau exemplo destrói a observância regular, sendo causa que muitas das companheiras caiam nas mesmas faltas, que são danos gravíssimos da religião. Logo per accidens pode ter pecado mortal, se não emendar o mau hábito, e costume, em que está de faltar às suas regras, que não obrigam a pecado.

(continuação, II parte)

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