Goa, séc. XVI |
Indícios de Cristandades Antigas na Índia
"18. Vejamos agora, se ou nesta Cidade [Goa] ou na vastidão desta primeira conquista podemos descobrir alguns indícios de Cristandade antes de virem os portugueses à Índia. E começando pelas terras mais próximas ao rio Indo, diz o grande historiador João de Barros, que os povos Resutos, os mais antigos e valentes de Cambaia, metidos numa corda de serranias e matas, que correm ao Norte e Nordeste do cabo de Jaquete até ao Reino Mandou, ainda que são gentios, adoram um só Deus e três Pessoas, e veneram a Virgem Maria Senhora nossa. Como os nossos missionários nunca chegaram a entrar por estas brenhas, não se pode aprovar esta notícia, que sendo verdadeira, dá claro indício da pregação de S. Tomé por aquelas partes, depravada depois por falta de cultura com a comunicação dos mais gentios. E assim como os Assírios, que ficaram povoando as terras de Samaria em tempo de Salmanazar, adoravam juntamente o verdadeiro Deus e os ídolos das suas terras, assim pode ser que o façam os Resbutos. No ano do Senhor de 1320, como dizem os cronistas de S. Francisco, passaram à Pérsia quatro frades menores, Fr. Tomás de Tolentino, Fr. Jacome de Pádua, sacerdotes, Fr. Dometrio e Fr. Pedro, irmãos leigos, movidos do zelo da conversão dos persas; porém como estes cerrassem as orelhas às verdades do Evangelho, demandaram a Ilha de Ormuz, donde embarcados para a costa de Choromandel, à força de ventos contrários entraram pela enseada de Bombaim, e defronte da Tama foram martirizados por se não quererem fazer mouros. Deu sepultura aos sagrados corpos o Pe. Fr. Jordão da Ordem dos Pregadores, que andava por aquelas partes prégando contra a maldita seita de Mafamede, e por não querer deixar de prégar acabou às mãos de mouros com gloriosa coroa de martírio. Sentiram muito esta morte os gentios da ilha de Salsete edificados da vida do santo missionário; e para perpetuar lembrança de um varão tão admirável, lhe colocaram a imagem entre os seus ídolos. Com o decorrer do tempo se arruinou o pagode onde estava colocada esta imagem, ficando ela enterrada. Depois de muitos anos querendo um fidalgo português, chamado António de Sousa o Langará, fabricar casas no mesmo lugar do pagode, mandou limpar e cavar o chão, e indo cavando deram com a imagem de Fr. Jordão tão limpa, e lustrosa como se naquela hora fosse sepultada. Esta de pau preto, com um palmo de alto, com as mãos metidas debaixo do escapulário e com o capelo até ao meio da cabeça. Bem provam estes dois sucessos que antes do nosso descobrimento andaram por estas partes religiosos missionários, mas quando vieram à Índia já não achámos notícia de Cristandade alguma, que fizessem. Da ilha de Salsete do Norte passamos a Goa, onde poucos dias depois de ganharmos, se achou no grosso de uma parede a imagem de Cristo crucificado de metal, que se mandou a ElRei D. Manuel pela mais rica pérola do Oriente, e ainda hoje se conserva a memória desta invenção na sua do Crucifixo. Daqui se não infere Cristandade em Goa, porque foi fundada trinta e um anos antes deste acontecimento, e antes de sua fundação, segundo a tradição dos mouros, era um mato da caça, onde não havia senão as casas de recreação do Sabyo, deputados hoje no Tribunal do Santo Ofício, e se houvesse Cristandade, era impossível perder-se a memória dela em tão breves anos. Algum Cristão estrangeiro livrou por aquele modo a santa imagem da perfídia maometana. Mais eficaz indício é o seguinte:
No ano de 1532, na mesma cidade, foi apresentada em juizo uma doação feita a certo pagode por Mantrazar Rei gentio no ano de 1391, aberta com letras canarinas numa lâmina de metal, no princípio da qual invocava o Rei a Deus Criador dos Céus, e terra, que por amor do seu povo fôra servido de vir tomar carne a este mundo, e quando se assinava, confessava a Trindade em unidade. Esta combinação dos dois principais mistérios de nossa Fé a respeito do mesmo Deus, e principalmente o motivo da Encarnação tão expresso, grande fundamento nos dá para dizer que na Cidade de Goa velha fundada para a parte Sul, onde reinava Manatraz, ouve antigamente Cristandade, já declinada naquele tempo à veneração dos pagodes, e depois tão apagada, que quando os portugueses senhorearam a ilha, já não havia notícia destes mistérios, se por ventura era verdadeira e não fábula a Trindade, e Encarnação confessada por Mantrazar. Falo com este receio, porque todo este gentilismo reconhece certa trindade de naturezas realmente distintas, e separadas, procedidas da primeira causa, a que chamam um só Deus, e admite um milhão de encarnações, e nestas fábulas devia crer quem fazia doações aos pagodes. O mesmo podíamos dizer dos Resbutos, senão obstasse a grande autoridade de João de Barros.
"18. Vejamos agora, se ou nesta Cidade [Goa] ou na vastidão desta primeira conquista podemos descobrir alguns indícios de Cristandade antes de virem os portugueses à Índia. E começando pelas terras mais próximas ao rio Indo, diz o grande historiador João de Barros, que os povos Resutos, os mais antigos e valentes de Cambaia, metidos numa corda de serranias e matas, que correm ao Norte e Nordeste do cabo de Jaquete até ao Reino Mandou, ainda que são gentios, adoram um só Deus e três Pessoas, e veneram a Virgem Maria Senhora nossa. Como os nossos missionários nunca chegaram a entrar por estas brenhas, não se pode aprovar esta notícia, que sendo verdadeira, dá claro indício da pregação de S. Tomé por aquelas partes, depravada depois por falta de cultura com a comunicação dos mais gentios. E assim como os Assírios, que ficaram povoando as terras de Samaria em tempo de Salmanazar, adoravam juntamente o verdadeiro Deus e os ídolos das suas terras, assim pode ser que o façam os Resbutos. No ano do Senhor de 1320, como dizem os cronistas de S. Francisco, passaram à Pérsia quatro frades menores, Fr. Tomás de Tolentino, Fr. Jacome de Pádua, sacerdotes, Fr. Dometrio e Fr. Pedro, irmãos leigos, movidos do zelo da conversão dos persas; porém como estes cerrassem as orelhas às verdades do Evangelho, demandaram a Ilha de Ormuz, donde embarcados para a costa de Choromandel, à força de ventos contrários entraram pela enseada de Bombaim, e defronte da Tama foram martirizados por se não quererem fazer mouros. Deu sepultura aos sagrados corpos o Pe. Fr. Jordão da Ordem dos Pregadores, que andava por aquelas partes prégando contra a maldita seita de Mafamede, e por não querer deixar de prégar acabou às mãos de mouros com gloriosa coroa de martírio. Sentiram muito esta morte os gentios da ilha de Salsete edificados da vida do santo missionário; e para perpetuar lembrança de um varão tão admirável, lhe colocaram a imagem entre os seus ídolos. Com o decorrer do tempo se arruinou o pagode onde estava colocada esta imagem, ficando ela enterrada. Depois de muitos anos querendo um fidalgo português, chamado António de Sousa o Langará, fabricar casas no mesmo lugar do pagode, mandou limpar e cavar o chão, e indo cavando deram com a imagem de Fr. Jordão tão limpa, e lustrosa como se naquela hora fosse sepultada. Esta de pau preto, com um palmo de alto, com as mãos metidas debaixo do escapulário e com o capelo até ao meio da cabeça. Bem provam estes dois sucessos que antes do nosso descobrimento andaram por estas partes religiosos missionários, mas quando vieram à Índia já não achámos notícia de Cristandade alguma, que fizessem. Da ilha de Salsete do Norte passamos a Goa, onde poucos dias depois de ganharmos, se achou no grosso de uma parede a imagem de Cristo crucificado de metal, que se mandou a ElRei D. Manuel pela mais rica pérola do Oriente, e ainda hoje se conserva a memória desta invenção na sua do Crucifixo. Daqui se não infere Cristandade em Goa, porque foi fundada trinta e um anos antes deste acontecimento, e antes de sua fundação, segundo a tradição dos mouros, era um mato da caça, onde não havia senão as casas de recreação do Sabyo, deputados hoje no Tribunal do Santo Ofício, e se houvesse Cristandade, era impossível perder-se a memória dela em tão breves anos. Algum Cristão estrangeiro livrou por aquele modo a santa imagem da perfídia maometana. Mais eficaz indício é o seguinte:
No ano de 1532, na mesma cidade, foi apresentada em juizo uma doação feita a certo pagode por Mantrazar Rei gentio no ano de 1391, aberta com letras canarinas numa lâmina de metal, no princípio da qual invocava o Rei a Deus Criador dos Céus, e terra, que por amor do seu povo fôra servido de vir tomar carne a este mundo, e quando se assinava, confessava a Trindade em unidade. Esta combinação dos dois principais mistérios de nossa Fé a respeito do mesmo Deus, e principalmente o motivo da Encarnação tão expresso, grande fundamento nos dá para dizer que na Cidade de Goa velha fundada para a parte Sul, onde reinava Manatraz, ouve antigamente Cristandade, já declinada naquele tempo à veneração dos pagodes, e depois tão apagada, que quando os portugueses senhorearam a ilha, já não havia notícia destes mistérios, se por ventura era verdadeira e não fábula a Trindade, e Encarnação confessada por Mantrazar. Falo com este receio, porque todo este gentilismo reconhece certa trindade de naturezas realmente distintas, e separadas, procedidas da primeira causa, a que chamam um só Deus, e admite um milhão de encarnações, e nestas fábulas devia crer quem fazia doações aos pagodes. O mesmo podíamos dizer dos Resbutos, senão obstasse a grande autoridade de João de Barros.
19. Desçamos mais ao Sul e acharemos nos mares da Mangalor um claro sinal de Cristandade. Pelos anos de 1493, pouco mais ou menos, foram uns
pescadores sobre tarde lançar as redes no mar, e quando as quiseram
recolher no outro dia, nem um só peixe prenderam nelas, mas acharam uma
Cruz, pesca de maior estima que a trempe de ouro embaraçada nas malhas
dos pescadores milessios. Não fizeram então a devida estimação do lanço,
por não conhecerem o preço da sua pescaria; mas vendo logo ferver o mar
no mesmo lugar em que pescaram a Cruz, e conhecendo ser cardume de
peixes, tornaram a estender as redes com tão boa fortuna, que carregaram
as almadias de várias sortes de pescado. E suspeitando algum mistério
naquele lenho, o levaram com grande alvoroço e alegria ao Régulo do
Banguel senhor da terra, o qual o recebeu com muita veneração, e o
depositou entre as mais ricas joias do seu tesouro. Era a Cruz de pau de
Oliveira bem lavrado, de palmo e meio de comprimento, e cheia de
relíquias da Terra Santa. Indo depois no ano de 1611 Miguel de Almeida
cidadão de Goa ao Banguel, e travando amizade com o Régulo, lhe mostrou
ele o seu tesouro, como costumam fazer estes reis da Ásia em sinal de
grande benevolência, e como fez Ezequias aos embaixadores de Berodac.
Entre as várias joias lhe apresentou a S. Cruz, herança dos seus
ascendentes, e lhe contou a história referida. Adorou o português como
católico o instrumento de nossa redenção, e o pediu encarecidamente ao
Régulo, que finalmente o largou a troco de outras peças. Voltou (...)
alegre e triunfante por ter resgatado das mãos de um príncipe asiático
tão infiel como Coiroas. Prova-se com este caso, que antes dos
portugueses navegaria por estes mares algum arménio; porque o pau de
oliveira de que a Cruz era feita não é natural da Índia. Se por ventura
não quis declarar o mar com este prodígio, que cedo passariam à Índia os
pescadores da Cruz a recolher nas redes de S. Pedro copiosos cardumes
de infiéis. Passemos de Mangalor ao Reino de Calecut. Não faltou quem
escrevesse que junto à cidade de Calecut havia um templo onde se
venerava uma imagem da Virgem Maria Senhora nossa, diante da qual se
prostravam os primeiros descobridores da Índia. Mas como entre os Malvares se não descobre memória de tal imagem, dou mais crédito às notícias de João de Barros. Atribui este autor o sucesso a engano de alguns portugueses, que movidos com as informações da Cristandade de S. Tomé, e levados de semelhança das imagens que viram numa charola, veneraram ídolos por santos, e a respeito da imagem da Senhora podia ser mais fácil esta confusão por se equivocar no traje asiático com as deusas da gentilidade. Nos confins do mesmo Reino de Calecut pelo interior do sertão havia algumas povoações de cristãos no lugar chamado Todamala; e segundo a notícia do Sinodo de Diamper celebrado nas serras do Malavar por D. Aleixo de Menezes, digníssimo Primaz da Índia, procediam dos antigos cristãos de S. Tomé, que na perseguição geral daquela Igreja vieram fugindo de Meliapor pela terra dentro até pararem naquele lugar; e como distavam dos outros cristãos da serra quarenta, ou mais léguas, não tinham prelados, nem sacerdotes, com o tempo se esqueceram totalmente da Lei de Cristo e conservando só o nome de cristãos, seguiram em tudo o mais os erros gentílicos. Seguem-se as relíquias da Cristandade de S. Tomé, espalhadas pelas serras do Malavar de Cranganor até Coulão; e esta foi a única Cristandade que os portugueses acharam na Índia, depravada porém, havia já muitos séculos, com os dogmas de Nestório. (...)" (Oriente Conquistado a Jesus Christo... . Volume I)
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